sexta-feira, 27 de junho de 2025

O Amante



Sinopse: Prêmio Goncourt em 1984, com mais de 2 milhões e meio de exemplares vendidos apenas na França, este romance autobiográfico acompanha a tumultuada história de amor entre uma jovem francesa e um rico comerciante chinês na Indochina pré-guerra. Com uma prosa intimista e certeira, Duras evoca a vida nas margens de Saigon nos últimos dias do império colonial da França e relembra não só sua experiência, mas também os relacionamentos que separaram sua família e que, prematuramente, gravaram em seu rosto as marcas implacáveis da maturidade.



Na Indochina francesa, uma adolescente de 15 anos órfã de pai mora com a mãe e dois irmãos. Filha de colonos franceses pobre, ela conhece em uma travessia de balsa sobre o rio Mekong um jovem com o qual terá um relacionamento intenso que envolve benefícios financeiros.

Filho de um rico empresário chinês, o homem de 27 anos, mesmo sendo mais velho, acaba sofrendo psicologicamente dos mesmos problemas que a menina, no que envolve tabus raciais e morais dos anos de 1920.

Muito cedo na minha vida ficou tarde demais. Quando eu tinha dezoito anos já era tarde demais.


O que a empurra precocemente para esta relação é a sua família desestruturada, com um irmão extremamente violento e uma mãe que o defende, ao mesmo tempo que possui uma busca constante por dinheiro.

Um livro sobre memórias e traumas transferidos para as páginas em um romance curto, cuja densidade se alterna, e virou um filme não aprovado pela autora.


A escrita de Marguerite Duras

Considerada uma das escritoras mais importantes da literatura francesa do século XX, a autora Marguerite Duras nasceu na Indochina e no final de sua adolescência retornou a França para estudar.

Sua escrita tem por característica ser fragmentada, conseguindo ser emocionalmente contida e ao mesmo tempo profundamente sensível. O que fez com que fosse uma das figuras-chaves do movimento literário "Nouveau Roman" (Novo Romance francês) que ocorreu nas décadas de 1950 e 1960.

A história da minha vida não existe. Ela não existe. Jamais tem um centro. Nem caminho, nem trilha.


E este rompimento com as formas tradicionais de narrativa é encontrado em O Amante, sua obra mais conhecida que venceu o prestigiado prêmio de literatura francesa Goncourt.

O Amante é uma mistura de ficção com autobiografia, tendo como base a sua infância na Indochina e o caso amoroso que teve na adolescência com um homem mais velho.

Tudo começou assim assim em minha vida, com esse rosto visionário, extenuado, as olheiras antecipando-se ao tempo, à "experiência".


A narrativa é semelhante a um fluxo de consciência, com presente, passado e futuro dividindo o mesmo espaço sem ordem cronológica nem capítulos definidos. Como alguém que se senta no divã e conforme vai puxando o novelo de lã que é a sua vida, começa a trazer memórias, reflexões e pensamentos.

Dando um tom introspectivo na narrativa em primeira pessoa, onde nem tudo é explicito e não raro há situações que ficam mais na sugestão no que no detalhamento para o leitor.


O que eu achei de O Amante

Esta foi a segunda vez que leio o livro de Marguerite Duras. Havia recebido o livro em capa dura em uma coletânea de clássicos que o jornal do meu estado vendeu tempos atrás.

E acabei relendo por causa do encontro com outros assinantes da TAG Curadoria, já que a obra foi o livro de abril, ao qual pulei para não ficar com dois livros iguais.

Sei que não são as roupas que fazem a mulher mais ou menos bela nem os cuidados de beleza, nem o preço dos cremes, nem a raridade, o preço dos adornos.


Quando abri o livro já não tinha lembranças de sua narrativa, apenas a famosa base de que era o caso de amor de uma adolescente com um homem mais velho.

Ao reler, me deparei com uma família desestruturada, que apesar da pobreza tem empregados, da mãe que cobra postura da filha, mas permite que ela chegue em qualquer horário na escola após os encontros com o amante. De um irmão mais velho que inspira medo nos que convivem com ele e deixa para a mãe pagar as dívidas dos seus vícios.

Resta aquela menina que começa a crescer e que talvez um dia venha a saber como trazer dinheiro para casa.


Também é uma narrativa que expõe a colonização, onde a cor da pele ou o dinheiro não impede que ocorra racismo ou preconceito.

E por fim é um livro bem psicológico, pois não foram raras as vezes que me vinha o jargão "fale-me mais sobre isso" durante a leitura. Ficando a dúvida se era ficção, algo que deveria ficar subentendido ou traumas que não conseguem ser revelados.

Sente subitamente uma angústia até então apenas pressentida, uma fadiga, a luz apagando-se levemente no rio.


Mas apesar de todas as suposições, de ser um livro bem curto, eu segui não gostando.

A mistura de pedofilia e prostituição foi algo que me incomodou ainda mais nesta segunda leitura. Pois o relacionamento não é iniciado por amor, paixão ou uma atração física na minha opinião, mas pelo que o dinheiro dele poderia proporcionar.

Quer a apanhem, quer a levem, quer a maltratem, quer a corrompam, eles não devem saber mais nada.


Também me peguei achando que se o nome do livro fosse O irmão mais velho, combinaria mais. Pois o amante é uma figura secundária em meio a todos os conflitos que as relações familiares causaram em todas as etapas da vida da narradora, sendo uma ferida ainda não curada mesmo após tantos anos.

Sendo o amante apenas mais um a acelerar o seu sentimento de envelhecimento precoce, de mudança na imagem que via no espelho ainda tão jovem. Me parecendo o resultado de quem se sentia usada por todos ao redor sem nunca ter sido realmente amada.

Ele lamenta o que ocorreu comigo, digo-lhe que não deve, que não devo ser motivo de lamentação, ninguém deve, exceto minha mãe.


E apesar de tanta complexidade, em muitos momentos ela me pareceu superficial. Como se a narradora tivesse uma borda a ser respeitada, e justamente ao respeitar estes limites, ela não me ganhou como leitora.

Pois o vai e vem de tempos e lembranças me parecia mais um disfarce para não explorar o que era realmente importante para a menina frágil e a mulher já idosa que manteve tudo muito vivo em sua memória.

Só que esta é a minha leitura, a sua pode ser completamente diferente, e assim deixo a indicação deste clássico para que você possa tirar suas próprias conclusões.


O Amante
L'amant
Marguerite Duras
Tradução: Aulyde Soares Rodrigues
2003 - 95 páginas
Publicado originalmente em 1984



sexta-feira, 20 de junho de 2025

Farda, fardão, camisola de dormir



Sinopse: Quando o Estado Novo de Getúlio Vargas ainda flerta com o eixo nazifascista, a morte súbita e prematura do poeta Antônio Bruno abre uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Quem prontamente se candidata é o coronel Sampaio Pereira, chefe da repressão política do regime e simpatizante do nazismo. Alarmados com a possibilidade de ver um inimigo da cultura ocupar a cadeira do boêmio, sedutor e gaiato Bruno, alguns veteranos acadêmicos articulam a anticandidatura de outro militar, de oposição, o general reformado Waldomiro Moreira. Segue-se então uma memorável e imprevisível campanha eleitoral na Academia. 



No Rio de Janeiro de 1940 o poeta Antônio Bruno não suporta as aflições que a bela cidade de Paris vem sofrendo devido a segunda guerra mundial e sofre um infarte fulminante.

O boêmio além de deixar várias mulheres as lágrimas, coloca uma batata quente na mão dos integrantes da ABL - Academia Brasileira de Letras: a escolha do sucessor para ocupar a sua cadeira em plena ditadura de Getúlio Vargas.

Esta fábula conta como dois velhos literatos, acadêmicos e liberais, partiram em guerra contra o nazismo, a ditadura e a prepotência.


O complicador parte de outro integrante da ABL, o acadêmico Lisandro Leite, deseja integrar o STF, e para isso vira padrinho do coronel Agnaldo Sampaio Pereira, chefe da repressão política do Estado Novo, sob a justificativa que uma cadeira pertence aos militares e a tradição havia sido quebrada com a escolha do poeta.

Para combater o simpatizante nazifascista, dois outros integrantes, o romancista Afrânio Portela e o ensaísta Evandro Nunes dos Santos, vão atrás de um militar menos perigoso, o general da reserva Waldomiro Moreira, para ser o oponente na eleição, e que já tentava uma vaga na Academia Fluminense de Letras.

Haverá sentimentos mais onipotente, a dominar o coração dos homens, do que a vaidade?


Misturando nesta narrativa bem-humorada com toque de "fábula para acender uma esperança" história do Brasil e bastidores das eleições da ABL, Farda, fardão, camisola de dormir é para relaxar e sorrir com a crítica irônica de Jorge Amado não só ao país, mas também ao ambiente que ele mesmo frequentou.


A escrita de Jorge Amado

Um escritor que dispensa apresentações, acho que isso cabe muito bem a Jorge Amado, o escritor baiano traduzido para diferentes idiomas, cujos livros viraram novelas e filmes.

Em seus livros encontramos personagens cativantes, pitadas de humor, drama e crítica social. E Farda, fardão, camisola de dormir não foge disso.

Tinham de derrotá-lo, fosse como fosse, para provar que ainda existe decência neste país, que a Academia se mantém independente e digna.


A história começa já pelo título, já que a farda representa os militares e a repressão dos anos de 1940, o fardão o traje caro de gala dos imortais da ABL e a camisola de dormir o poema do personagem que morre para dar início a toda essa bagunça.

O ano de lançamento do livro também é simbólica, publicado em 1979 em plena Ditadura militar acaba provocando no leitor de hoje a realizar um paralelo entre duas épocas um tanto sombrias da nossa história.

Todos temos dois lados, um bom, um ruim. Pior do que um robô, o senhor é um homem pela metade, torturador de presos.


Ao mesmo tempo que mexe com uma das áreas do mundo intelectual, ao qual ele mesmo passou a fazer parte em 1961, revelando como ocorre a eleição para imortal na ABL, com suas visitas, etiquetas, presentes e conversas para ganhar a simpatia de quem pertence ao seleto grupo.

Misturando realidade e ficção em uma narrativa em terceira pessoa bastante fluída, com alguns plots que despertam ainda mais a vontade do leitor de descobrir quem será o eleito a ocupar a cadeira do poeta boêmio.


O que eu achei de Farda, fardão, camisola de dormir

Confesso que este é apenas o segundo livro que leio de Jorge Amado. O primeiro foi Capitães de areia, ao qual gostei muito, e por indicação da minha mãe, comprei Farda, Fardão, camisola de dormir.

Achei divertida a mistura de sátira e história encontrada na narrativa, também gostei de ver o funcionamento da ABL na candidatura de seus imortais.

Os livros sobram por toda parte: amontoados no chão, em cima das cadeiras, abertos na pesada mesa de trabalho.


A politicagem de tratamento, visitas, presentes e interesses tanto dos que apoiam como os que não se agradam, me passaram o sentimento de que a obra produzida pelo candidato não se encontra em primeiro plano.

O que fica muito bem disfarçado pelo perfil dos dois candidatos que eles tiveram que aceitar de livre e obrigada vontade. E que dão todo o toque humorístico na narrativa.

Penosa, deprimente, desgastante, a campanha eleitora aproximava-se do fim da primeira etapa: os dois meses durante os quais os candidatos podiam se inscrever.


As mulheres são figuras importantes na história também, utilizando influência e poder de sedução para que a cadeira do seu amado poeta não seja ocupada por alguém que foge completamente do que ele defendia.

E ao falar de liberdade e censura, assuntos que nunca saem de moda, Jorge Amado me levou como leitora a dar uma volta ao passado com reflexões e riso.

Para quem iniciara a campanha sem opositor e com promessa de eleição unânime, o panorama da batalha se revelou flutuante e nebuloso.


No geral achei a escrita bastante fluída, o que faz com que a leitura seja rápida. Confesso que até o final da segunda parte me peguei perguntando se seria só aquela disputada entre os dois candidatos, mas a virada de chave é sensacional, o que me deu mais curiosidade de seguir na segunda parte.

E a curiosidade aqui é que ele se inspirou em uma votação real para criar uma narrativa cheia de intrigas, planos e reviravoltas. Uma homenagem com toque de crítica ao seu próprio meio.

Se não fossem as eleições, quem haveria de ligar para um velho como eu, embaixador aposentado, cobrando do Itamaraty uma miséria por mês, em moeda fraca? Ninguém, meu caro.


Eu já quero ler outros títulos dele, e deixo este como sugestão para quem quer um livro para se divertir, ao mesmo tempo que reflete sobre vários assuntos.


Farda, fardão, camisola de dormir
Jorge Amado
Companhia das Letras
2009 - 259 páginas
Publicado originalmente em 1979


sexta-feira, 6 de junho de 2025

Apolo - Diários perdidos dos jovens deuses

 


Sinopse: O filho ensolarado de Zeus, Apolo, só quer se dedicar à lira e à poesia, mas a diversão vai ter que esperar. Estranhos acontecimentos desafiarão o deus do sol fazendo com que os dias se tornem tristes e apagados.



Apolo faz parte da coleção Diários Perdidos dos Jovens Deuses, encontrados durante uma escavação arqueológica realizada próxima a cidade grega de Arácova.

Durante o período da guerra contra os Titãs, também chamada de Titanomaquia, os jovens deuses Apolo, Atena, Hermes, Ártemis, Hefaistos, Ares e Afrodite são enviados por Zeus para estudar na escola Museion, dirigida pelas nove musas no Monte Parnaso.

Eles haviam descoberto diários perdidos dos jovens deuses da Gré cia Clássica.


Em uma mistura de conflitos tipicamente adolescentes e mitologia grega, o jovem Apólo se depara com as primeiras grandes escolhas e a dificuldade de lidar com as suas consequências.


A escrita de Rosana Rios e Antônio Schimeneck

A coleção Diários Perdidos dos Jovens Deuses busca apresentar com uma linguagem atualizada os deuses do olimpo em uma visão jovem, que mistura dramas familiares, amizades, paixões, rivalidades e o amadurecimento de cada um.

No caso de Apolo, uma das divindades mais conhecidas da mitologia grega, é buscado associar junto com os seus dramas adolescentes as características que o fizeram deus da luz e do sol, da música e da poesia e da profecia.


Os raios solares me aquecem, me dão forças, alimentam minha mente com frases alegres e versos amorosos.


Suas relações familiares com os pais Zeus e Leto e sua irmã gêmea Ártemis também são exploradas, sendo uma espécie de pequena introdução aos adolescentes nestas relações um tanto complexas.

O que faz com que a coleção seja adotada em algumas escolas para os alunos do ensino fundamental e também seja utilizado em atividades de leitura que envolvam o público infantojuvenil.


O que eu achei de Apolo

Este livro caiu em minhas mãos justamente por ter se tornado uma leitura obrigatória para a minha filha, e como ela ficou com uma péssima impressão do Apolo, eu resolvi ler também.

Com capítulos que levam o nome das estações do ano e narrativa em primeira pessoa, a escrita é realmente voltada para o público jovem, me fazendo recordar o tempo que eu lia os livros da Coleção Vagalume. Tem aventura, emoção, conflitos, tudo resolvido de forma rápida, para não afastar o leitor.

A maioria me saúda com respeito. Alguns ficam com medo. Gosto de ser recebido assim... Sou o deus da Música e o melhor arqueiro da terra!


Mas acabei em concordar que algumas posturas do jovem deus são realmente problemáticas, o que poderia abrir discussões riquíssimas em sala de aula, ao invés de apenas uma prova. 

Começo pela perseguição de Apolo a ninfa Dafne, enquanto ele se imagina namorando ela, a guria vive fugindo dele, por mais que a irmã, a deusa Ártemis, peça para ele se manter afastado. A forma como Dafne termina, sem nenhuma consequência para Apolo pode servir de paralelo ao assédio sofrido pelas mulheres nos dias atuais.

Tinha a sensação de que os ventos riam de mim; era como se as más notícias tivessem atraído mais frio para o Parnaso.


Outro ponto é a morte de Hyacintus, o humano que em uma brincadeira com o deus grego perde a vida. E mais uma vez não vemos uma consequência, além da breve culpa, de Apolo. Nos dias atuais seria muito fácil fazer um paralelo entre as pessoas mais simples e os poderosos. Onde muitas vezes em situações críticas, como já dizia uma música, uns são mais iguais que os outros.

Então acredito que sim, para ter uma ideia dos mitos gregos e até para explorar o comportamento dos mesmos em um paralelo com os dias atuais, pelo menos o livro do Apolo pode render boas conversas sobre não apenas a mitologia, mas também pelo aspecto comportamental.


Apolo - Diários perdidos dos jovens deuses
Autores: Rosana Rios e Antônio Schimeneck
Editora ama livros
2024 - 104 páginas