sexta-feira, 25 de abril de 2025

Era uma vez em Hollywood


Sinopse: A aguardada estreia de Quentin Tarantino na literatura é uma leitura de fôlego, com ritmo de humor e recheada de pérolas sobre a era de ouro do cinema. Em Era uma vez em Hollywood, Tarantino oferece uma vasta gama de detalhes que ampliam o universo dos personagens, criando desfechos inovadores, novos cenários e diferentes possibilidades para o filme vencedor de duas categorias do Oscar 2020 — uma delas, a de Melhor Ator Coadjuvante para Brad Pitt (Cliff Booth).



Rick Dalton já foi muito famoso por protagonizar uma série de faroeste para a TV, mas o seu ego o fez acreditar que conseguiria papeis muito melhores, e na Hollywood dos anos de 1960 ele é um ator em declínio que precisa da ajuda de um agente especializado para sair das participações especiais, o que pode significar fazer filmes em qualquer lugar.

Quem o acompanha é Cliff Booth, amigo, funcionário e dublê de Rick quando este consegue colocá-lo nos filmes. Ex-combatente de guerra, foi de herói da nação para um sujeito que nem sempre avalia bem as suas ações, além de ser suspeito de um crime que não o torna bem-vindo a todos os lugares.

Continue interpretando o saco de pancada para todo novato arrogante que surgir na emissora, e isso vai surtir um efeito psicológico na maneira como a audiência enxerga você.


Ambos acompanham a chegada de seus novos vizinhos, a bela e jovem atriz Sharon Tate e o famoso diretor de o Bebê de Rosemary Roman Polanski. Tate se divide entre a emoção de ver o seu rosto nos cartazes dos cinemas e os inúmeros eventos que é obrigada a comparecer junto com o marido.

No caminho dos dois também passam Charles Manson e seus seguidores, trazendo a memória um dos eventos que ajudaram a marcar a transição da era de ouro do cinema americano para uma série de mudanças.

Por outro lado, quando assistia a filmes estrangeiros, via nos atores um grau de autenticidade que simplesmente não existia no cinema de Hollywood.


Tudo no melhor estilo Tarantino, onde ficção e realidade se misturam, sem poupar o leitor de ironia, humor e crítica.


A escrita de Quentin Tarantino

O cineasta, roteirista, produtor, ator e sim, escritor norte-americano Quentin Tarantino é conhecido por seus filmes que misturam violência, cultura pop, diálogos recheados de críticas, ironias e verdades diretas, além é claro de humor negro.

E tudo isso se encontra no primeiro livro de Tarantino, baseado no filme roteirizado pelo próprio. Com a liberdade que só a escrita dá, ele se utiliza de uma narrativa não linear, onde é possível ter no presente vislumbres do passado e também do futuro, seja através de longos diálogos ou de fluxos de pensamentos dos personagens.

E ele gostou dela também, e não só porque ela era bonita. Ela era muito inteligente também - isso ficou evidente apenas com uma conversa casual.


Por ser um livro baseado nos anos de ouro de Hollywood, as páginas são recheadas de referências dos anos 1960, seja pelo de atores e filmes, seja através das músicas, dos locais e dos próprios acontecimentos.

Como em seus filmes, temos diálogos e detalhes que levam o leitor para junto dos personagens, tornando a narrativa tão vibrante e empolgante quanto os seus filmes, tornando a leitura das quase seiscentas páginas muito mais rápidas que alguns livros com menos de duzentas.


O que eu achei de Era uma vez em Hollywood

Ao pegar o livro com quase seiscentas páginas, jurava que ia levar uns três meses para ler o livro por completo, e já me preparava para intercalar com as leituras do grupo que faço parte.

Doce ilusão. A escrita de Tarantino é como seus filmes, difícil de abandonar. Cada capítulo convidava para ler mais um, em uma leitura que consegue não apenas levar para uma época que só ouvi falar, como me encantar com Sharon Tate e sentir calafrios com a trupe de hippies que deu fim ao seu sonho, mesmo o livro não descrevendo o terrível crime. 

A parte ruim de vomitar em si mesmo ao acordar de manhã é que você se sente um porco nojento e um patético derrotado.


A dupla Rick Dalton e Cliff Booth também facilitaram muito a minha vida, se Dalton me levou para dentro dos cenários cinematográficos ao mesmo tempo que mostra um lado muito humano ao ter que se adaptar as dificuldades atuais. Booth já tem uma dualidade e uma frieza que remetem as cenas mais violentas dos filmes de Tarantino.

E o detalhe de tudo é que não havia assistido ao filme, e após postar no Instagram do blog as leituras do mês de março, recebi uma pergunta justamente perguntando a relação dos dois. A curiosidade aumentou, eu segurei a publicação da resenha e fui procurar o filme.

É um dever do ator se esforçar para atingir cem por cento de eficácia. Naturalmente, nunca conseguimos chegar lá, mas essa busca é o que importa.


Depois de assistir ao filme, eu digo que os dois se complementam. Existem coisas no filme que não tem no livro e vice-versa, tornando as duas formas de arte interligadas, já que se por um lado o livro explica muito mais os personagens, por outro o filme dá toda a referência visual. E o final de ambos é diferente. E ambos muito bons.

No filme eu senti muita falta de maior participação da personagem Trudi/Mirabella, cujas cenas com Rick Dalton mostram todo o trabalho e esforço de ser um bom ator/atriz. 

Você está agindo como se eu fosse acordar amanhã de manhã e ir para uma escolinha. Eu vou trabalhar com você.


E achei curioso que como alguns detalhes são mais explorados no livro, como a política de recepção do ator principal de uma série aos atores convidados, estratégias utilizadas por diretores para provocar diferentes reações e o preconceito com o que é feito fora de uma bolha.

Então coloque a pipoca na panela, prepare o seu chá e faça uma sessão dupla pela tela e pelas páginas para retornar pelo olhar de Tarantino a Hollywood dos anos de 1960. Existe grandes chances de você gostar.


Era uma vez em Hollywood
Once upon a time in Hollywood
Quentin Tarantino
Tradução: André Czarnobai
intrínseca
2021 - 560 páginas
Primeira edição publicada em 2020

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Proclamem nas montanhas


Sinopse: Harlem, Nova York, década de 1930. John Grimes acorda no dia do seu aniversário de catorze anos e ninguém ao redor parece se lembrar da data. Apesar do entorno apático e por vezes violento, o protagonista não abandona seu otimismo. É então que ele percebe que a fé pode dar um novo rumo para a sua vida e decide mergulhar em uma profunda jornada espiritual.


A minha assinatura na TAG Curadoria em 2025 iniciou em janeiro com uma indicação do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, que escolheu Proclamem nas montanhas do autor norte-americano James Baldwin. Como mimo o já tradicional planner.

Proclamem nas montanhas se divide entre o presente e o passado. No tempo atual, ele cobre as 24 horas do dia do aniversário de John Grimes, onde nem todos parecem lembrar que o jovem está completando quatorze anos, enquanto ele mesmo, ao ser obrigado a ajudar na organização da igreja frequentada pela sua família, que terá uma cerimônia religiosa mais tarde, tem dúvidas quanto as próprias crenças.

Além disso há o seu irmão mais novo Roy, que com sua rebeldia e constante busca por problemas, sempre chama atenção do seu pai, Gabriel, que não esconde a preferência pelo filho, mesmo quando este faz coisas erradas.

Foi só na manhã do dia em que completou catorze anos que realmente começou a pensar nisso, e àquela altura já era tarde demais.


Nos flashbacks descobrimos a origem da família que é ao mesmo tempo muito religiosa e um tanto disfuncional, principalmente pelas atitudes do patriarca. Ao qual amores, hipocrisias e uma pitada de história é relatada por Gabriel, Elizabeth - mãe de John - que se abraçou a igreja após uma grande perda, e Florence, a irmã de Gabriel e uma mulher que é ao mesmo tempo muito independente e ressentida pela forma como foi se encaminhando a sua vida.

Tudo em um romance que explora principalmente o papel da religião nos laços familiares, nos conflitos internos, no perdão dos erros, na sexualidade e dentro da comunidade negra nos anos de 1930 nos Estados Unidos.


A escrita de James Baldwin

O norte-americano James Baldwin nasceu no Harlem em 1924, reconhecido por seus romances e ensaios, foi bastante participativo no movimento dos direitos civis, sendo considerado hoje um dos maiores escritores norte-americanos do século XX.

Através da escrita ele abordou assuntos como sexualidade, racismo, identidade, amor, injustiça social, religião e tudo o que cerca e determina a figura do ser humano.

Aquela longa estrada, sua vida, que ela seguia havia sessenta dolorosos anos, a levara por fim ao ponto de partida de sua mãe, o altar do Senhor.


E eles são a base de Proclamem nas montanhas, que além de ser o seu primeiro romance possui um toque autobiográfico, já que assim como John, James Baldwin não conheceu o pai, e seu padrasto era um membro constante da igreja, e conforme ele crescia, se distanciava das crenças.

Em relação à forma narrativa, em Proclame nas montanhas ele opta em utilizar a terceira pessoa com foco em quatro personagens. O que permite ao leitor uma visão ampliada da dinâmica familiar, assim como dos segredos e traumas que levaram os personagens até aquele dia.

Logo alguém voltaria a gritar, e as vozes recomeçariam; haveria música, e brados, e o som dos pandeiros.


Para esta última parte, o uso de flashbacks e de retorno do tempo foram fundamentais para entender principalmente os três personagens adultos, que inclusive possuem capítulos próprios para contarem um pouco da sua trajetória.

Em comum entre os quatro está a religião, que é uma mistura de quinto personagem e base do livro, já que sim, tudo se desenrola através das relações com ela, seja por conflitos espirituais, descrença ou orações e sermões.

Pensava nele agora, enquanto a cantoria e o choro prosseguiam a sua volta - e pensava o quanto o pai gostaria do neto, que era parecido com ele sob tantos aspectos.


O resultado deste conjunto é que o leitor será colocado vivenciando aquelas horas dentro da comunidade, permitindo assim que ele tenha as próprias ideias e opiniões sobre o que estava ocorrendo.


O que eu achei de Proclamem nas montanhas

Já havia ouvido falar sobre o escritor James Baldwin, mas não havia lido nada ainda. E isso me fez ter uma grande expectativa em relação ao livro que seria enviado.

Mas confesso que achei a parte do John bastante arrastada, a forma como os sermões, citações e experiências religiosas apareciam em sequência não me convidavam a ler mais uma página.

Terra balançava, transformando o espaço num vazio absoluto, levando o caos à ordem, ao equilíbrio, ao tempo.


Como a parte do John é autobiográfica, fiquei pensando se não foi isso que pesou um pouco na escrita, já que as vezes é mais fácil falar do que é ficção do que é real. Ou tenha sido uma forma do autor expurgar o que consumia sua mente a muito tempo. Enfim, minhas teorias, que de fato não tem nada. 

Em compensação os capítulos do Gabriel, da Elizabeth e da Florence eu achei muito mais interessante, a escrita também me parecia mais fluída e convidativa a entrar no passado dos três, cujas escolhas levaram todos até aquele dia.

Apavorado, começou a chorar e gemer - e esse som foi engolido, e, apesar disso, amplificado pelos ecos que enchiam a escuridão.


Também gostei da forma como Baldwin abordou o critério de algumas religiões de abraçar a todos, independente dos seus pecados, para que estes se tornem puros. Mas sem deixar de mostrar a hipocrisia dos que se intitulam escolhidos de seguirem praticando suas maldades, e achar que basta orar para tudo ser esquecido.

Na parte histórica, ele aborda no romance o fim da escravatura, a mãe de Gabriel e Florence foi uma escrava e é uma recém liberta, assim como o surgimento de grupos discriminatórios e a raiva que se sentia pelas pessoas de cor branca.

Pelo visto, não tem uma mulher neste mundo que não foi passada pra trás por um homem que não presta.


Em relação à parte familiar, ele aborda diferentes tipos de relação e seus conflitos, onde há o filho preferido, o filho abandonado, a rivalidade entre irmãos, a mágoa da mãe, o seguir caminhos que não se sente como seu.

Então sim, ele aborda inúmeros assuntos que são muito interessantes, mas infelizmente, no meu caso, o estilo narrativo não me conquistou. Mas como ele pode ganhar o seu coração, ou levar a várias reflexões - como aconteceu comigo - deixo aqui a dica.

Proclamem nas montanhas
Go tell it on the Mountain
James Baldwin
Tradução Paulo Henrique Britto
TAG - Companhia das Letras
2025 - 271 páginas
Publicado originalmente em 1953