Sinopse: Com base na sua experiência pessoal e na leitura de inúmeros livros sobre psicologia, neurociência, literatura e memórias de grandes escritores, pensadores e artistas, Rosa Montero oferece aqui um estudo fascinante sobre as ligações entre criatividade e instabilidade mental. E o faz compartilhando curiosidades surpreendentes sobre como nosso cérebro funciona na hora de criar, decompondo todos os aspectos que influenciam a criação e reunindo-os diante dos olhos do leitor enquanto escreve ― como uma investigadora pronta para combinar peças avulsas para solucionar um caso misterioso. Ensaio e ficção andam de mãos dadas nessa exploração das conexões entre o criar e a loucura.
Em A Louca da Casa, a escritora espanhola Rosa Monteiro já havia listado aos leitores o conjunto de ingredientes que levam um autor a conquistar a mente de quem vira suas páginas de forma a não largar o livro até chegar à última página.
Em O perigo de estar lúcida ela explora ainda mais a relação um tanto complexa entre a criatividade e a instabilidade mental. E exemplos de escritores famosos com seus fins nada felizes não faltam para nos fazer refletir sobre este sofrimento.
Isso é algo que acontece com frequência: você vai crescendo e um belo dia descobre que aquilo que acreditava firmemente na infância era uma falácia ou uma bobagem.
Sofrimento que pode servir de inspiração artística, ou que busca através da escrita um alívio para as dores pessoais que atormentam o dono das palavras.
Ao utilizar a sua própria vivência compartilhando suas crises de pânico, ela consegue equilibrar as explicações teóricas sobre fatores químicos e situacionais com os sentimentos de quem sentiu na pele. Em um texto que fala de criatividade, envelhecimento, funcionamento do cérebro, escolhas e tempestades.
Os fantasmas de um escritor são aqueles temas ou detalhes que se repetem constantemente em seus livros sem que, de modo geral, ele ou ela tenha consciência disso.
Ao falar sobre a tempestade perfeita, que pode resultar em um surto de criatividade ou em um último ato, ela aproxima a todos que de alguma forma convivem com isso ao mesmo tempo que dá luz a um assunto em que nem todos aceitam conversar pelo preconceito que ainda existe.
O único porém é que o livro pode fornecer alguns gatilhos para quem talvez esteja mais sensível no momento. E mesmo a autora solicitando que se aguente um pouco mais e espere a tempestade passar, talvez nestes casos, a leitura também deve ser deixada para um momento em que os pensamentos intrusivos não tragam ideias que possam nos ferir naquele momento.
A escrita de Rosa Monteiro
A espanhola Rosa Monteiro estudou jornalismo e psicologia, e com suas obras que abrangem desde romances, passando por ensaios, crônicas e literatura infantojuvenil. O que tornou a escritora uma das mais influentes jornalistas e escritoras contemporâneas da Espanha.
Seus livros tem por característica uma narrativa introspectiva, as vezes feministas, frequentemente autobiográfica, e sempre muito sensível, tornando-a envolvente para os leitores.
Se você realmente acha que não sente nada, isso significaria que não ama ninguém. E, se não ama, será que você não é o maior impostor do universo?
E é essa mistura junto com os temas morte, memória, loucura, vida, morte e arte que são encontradas nas páginas de O perigo de estar lúcida.
Ao misturar relatos de sua própria vida, ficção e um pouco da vida de grandes nomes da literatura como Sylvia Plath, Virginia Woolf e Janet Frame de uma forma direta, simples e sensível, sua escrita nos leva a encarar de frente os desafios psicológicos enfrentados enquanto a arte segue sendo criada por mentes inquietas.
Se você tirasse o córtex cerebral da cabeça e o passasse a ferro, ele poderia chegar a medir meio metro quadrado.
Nos levando a várias reflexões sobre o funcionamento complexo da mente humana, passagem do tempo e sobre o ato de viver.
O que eu achei de O perigo de estar lúcida
Logo no primeiro parágrafo sou remetida para uma memória de infância. Rosa Monteiro tinha um objeto em casa que a mãe precisava esconder para ela dormir. Nas inúmeras casas que eu morei, havia o rosto de um chinês pendurado cujos olhos, independentemente de onde eu estava, pareciam estar me observando. Toda vez que eu ficava sozinha, tirava o objeto e deixava de rosto virado para o sofá, para ter paz.
Seguindo a leitura, parecia estar andando em um caminho aparentemente inocente, criatividade, cérebro que funciona diferente e então o sombrio. As várias vidas que se foram por não conseguirem esperar a tempestade perfeita passar.
Mesmo o romance mais experimenta e desconexo tem um começo e um fim, e domestica de algum modo essa algazarra absurda em que vivemos.
Internações, sofrimentos, obsessões, mulheres subjugadas. Não há ninguém para salvar pessoas de cérebro inquieto? Cujas vozes parecem narrar histórias, teorias e até mesmo pesadelos grande parte do dia? Ninguém para ver os sinais?
E embora eu tenha achado o livro muito semelhante ao Louca da casa, a ponto de precisar dar uma pausa por um breve momento estar achando a leitura enfadonha. Ao final me dei conta que é um livro que mexeu com o meu íntimo. Viver, morrer, envelhecer, sonhar, ter medo da loucura, da depressão ou de simplesmente adoecer.
Não consigo me enxergar na minha idade real. Não entendo como cheguei a isso.
Tudo muito próximo neste nosso mundo bastante insano, que parece testar o nosso limite em diversas situações e áreas. Onde resistência e resiliência podem ser exigidas todos os dias até te levar a lágrimas de exaustão.
Exigindo uma coragem extra para a tempestade perfeita passar. Exigindo uma proteção nos olhos para buscar uma luz em meio a escuridão. Exigindo sensibilidade para encontrar uma mão de apoio próxima que perceba sinais e te ajude a esperar por mais um dia. Exigindo uma respirada mais funda ao se dar conta de quanto tempo passou.
Não importa o quão maluco você pareça: sempre há um punhado de gente no mundo que sente, pensa e age como você.
Motivo pelo qual eu gosto tanto da escrita da Rosa Monteiro, ela consegue ao contar as histórias de grandes nomes da literatura mostrar a humanidade de sentimentos tão complexos da nossa mente. Sem julgamentos, somente com fatos e uma gentileza com aqueles que mereciam um abraço.
Ficando a indicação para quem gosta de livros que tratam de temas psicológicos, sobre a arte da escrita, sobre autores de renome, ou que simplesmente gostam de ler.
O Perigo de estar lúcida
El peligro de estar cuerda
Rosa Montero
Tradução: Mariana Sanchez
todavia
2023 - 270 páginas
Primeira publicação em 2022