Sinopse: A trama gira em torno de três mulheres muito diferentes, mas fortemente interligadas, que experimentam um sentimento crescente de abandono e exílio - seja geográfico, seja emocional. A viagem, por assim dizer, que cada uma delas faz poderia ser um jeito de "voltar para casa", em uma busca por sua verdadeira identidade. Neste potente romance de formação, Carola Saavedra discute o feminismo e a maternidade, assim como os mecanismos e as armas secretas do inconsciente.
No mês de agosto/2022 a TAG Curadoria enviou para os seus assinantes o romance Com armas sonolentas da escritora chilena radicada no Brasil Carola Saavedra. Uma indicação do escritor e professor Carlos Eduardo Pereira. O mimo foi um aparador em mdf.
Anna é uma jovem mulher em busca do sucesso como atriz. Para alcançar o seu objetivo, vale absolutamente tudo, inclusive casar com um diretor alemão que acabou de conhecer e se mudar para um país estranho.
Mas o casamento não lhe garante um papel de imediato, nem de coadjuvante. Ela precisa estudar o idioma, mas não se esforça. E sozinha em casa, enquanto o marido segue trabalhando em outros lugares, ela vê sua vida social se reduzir, até ser surpreendida por uma gravidez inesperada.
Sempre teve uma grande facilidade de ir embora, como se o passado, tão tênue, rapidamente se dissipasse.
Maike é uma jovem estudante alemã, que surpreende os pais quando um dia resolve mudar o seu estilo de vida. Desistindo de seguir a carreira jurídica como os pais, ela opta no primeiro dia de aula em cursar português.
O novo ambiente a leva recordações do passado e a busca de um antigo amigo de infância que a esfaqueou, entre caminhadas e conversas ela começa a se questionar e descobrir o que realmente ela não quer.
Sentia que minha vida estava cheia de elipses, palavras não ditas, verdades escamoteadas, que se materializavam numa angústia, uma inquietação constante.
Quem completa o trio é a Avó, que começa menina saindo do meio da família para trabalhar como empregada doméstica na capital. Sem poder estudar e tendo apenas um dia de folga, sua distração são os filmes românticos no cinema. Sua inocência facilitam o abuso pelo filho do padrão, assim como as ameaças recebidas ao se descobrir grávida.
Uma pessoa de vida simples que se agarra aos conselhos de uma avó fantasma e sente o coração despedaçar ao ver a filha aos poucos se deslumbrar pela vida de luxo, até abandona-la sozinha no quarto sem janelas.
A escrita de Carola Saavedra
Não existe uma única narrativa entre as três personagens. Se Maike é sempre em primeira pessoa, Anna fica entre a terceira e o monólogo de uma peça. Já avó é sempre vista em terceira pessoa, onde vemos crescer, amadurecer e envelhecer em um quarto sem janela grudado a área de serviço.
E creio ser justamente a avó, a única sem nome na história quem faz com que o livro seja classificado como um romance de formação. Romance de formação é aquele que acompanha o crescimento e amadurecimento de um personagem, onde além da passagem do tempo, isto é, da infância/adolescência até a vida adulta, o psicológico é um componente importante.
será que você não entende, eles não são como nós, são feitos de outra pele, outro material, e vai ser sempre assim, será que você não vê?
Ao usar três gerações de mulheres separadas pelas mais diferentes circunstâncias da vida, a autora Carola Saavedra mistura desigualdade social, a busca por si mesmo, abandono, ambição, laços familiares, maternidade, solidão e fantasia para contar cada vida em duas partes que ela nomeou como O Lado de fora e O Lado de dentro.
Curiosamente as figuras masculinas são todas meras coadjuvantes nas três narrativas. Temos uma rápida visão de cada uma através das personagens, mais especificamente no caso de Anna, não sabemos como eles lidam com os seus atos.
Onde habitam os seres antes de começarem a existir, onde dormem suas marcas, suas possibilidades?
Motivo pelo qual não é uma leitura para desopilar, já que ela exige atenção para entender o que está ocorrendo, ao mesmo tempo que exige da própria imaginação do leitor para fechar as lacunas que permanecem na história mesmo após fechar a última página.
O que eu achei de Com armas sonolentas
Este livro me fez recordar as pessoas que acreditam que o sangue sempre fala mais alto, o que ligaria de forma invisível as gerações de uma mesma família. Ao mesmo tempo que confirma que pode ser a única coisa em comum entre pessoas tão diferentes.
Contraditório, não? Mas aqui temos Anna, na minha opinião uma pessoa que não sabe amar nem receber amor. Alguém que para crescer profissionalmente se sujeita a tudo para atingir os seus objetivos, que na verdade se resumem a status e fama. Algo que ela se deixou deslumbrar ainda nos primeiros anos de vida, e tornou o centro de tudo.
Nada ali era simples, nada era o que parecia ser.
Maike para mim foi a parte mais sonolenta da história. Achei um pouco sem pé nem cabeça logo nas primeiras páginas da sua narrativa. Uma jovem mulher que parece mais uma menina mimada e perdida, uma rebelde procurando uma causa em uma vida um tanto sem sentido, mas com toda a proteção e cuidado dos pais.
Sua mudança de caminho e profissão surgem do nada, como se fosse uma canção da Rita Lee que começa dizendo “um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu queria fazer...”, só que sem saber exatamente o que quer fazer e o porquê.
Sempre lhe pareceu que havia uma dissonância entre o que desejava e o que realmente queria.
Talvez por isso a minha narrativa preferida aqui tenha sido da avó sem nome, que na minha opinião contém as partes mais interessantes e realistas da história - embora seja ela que traga a parte fantástica ao conversar com a sua avó já morta.
Essas conversas são diálogos sobre o que fazer e suas culpas em relação a própria filha, ao qual constantemente se questiona se a permissão em deixa-la ficar com a avó-patroa e permitir um vislumbre de uma vida diferente são realmente uma boa ideia.
Acabara de completar quatorze anos quando a mãe lhe explicou que não poderia continuar morando com eles.
Confesso que mesmo passado um tempo para refletir sobre a leitura, ainda não sei se gostei ou desgostei do livro como um todo. Eu achei a primeira parte bem construída, com direito a impactos e aquela frase que te induz a seguir em frente.
Mas a segunda parte, chamada O lado de Dentro, um tanto perdida. Não pela mudança na forma da narrativa da personagem Anna, mas pela forma como foi desenvolvida. Em meio ao fantástico, entram metáforas que não conseguem preencher lacunas e dúvidas aos quais sobram para a imaginação completar com base no que se subentendeu.
Eu também não percebi o que ele havia feito num primeiro instante, não senti a dor, apenas o frio do metal na minha pele.
Só que isso não me impede de deixar a indicação aqui, pois leitura é também o momento de cada um, a bagagem literária que o leitor tem e claro, o gostar que não se discute. E talvez, ao contrário de mim, você se identifique com todas as dúvidas de Maike, entenda o comportamento de Anna e quem sabe goste tanto quanto eu da vó.
Só lendo o livro para você saber.
Com armas sonolentas
Carola Saavedra
TAG - Companhia das Letras
2018 - 267 páginas
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