terça-feira, 30 de agosto de 2022

A Pequena Loja de Venenos



Sinopse: em 1791, em um beco escuro de Londres, se esconde um pequeno boticário, onde Nella aguarda sua próxima cliente. Uma curandeira respeitada no passado, ela agora usa seu conhecimento para um propósito mais obscuro: vender venenos disfarçados para mulheres desesperadas que fariam de tudo para se libertar dos homens em suas vidas. Mas quando sua nova cliente acaba por ser uma adorável menina de doze anos, Eliza Fanning, e uma amizade surge entre elas, o mundo de Nella muda por completo, e as mulheres cujos nomes estão escritos em seus registros correm risco de ser expostas. Na Londres atual, a vida de Caroline Parcewell parece estar desmoronando. Em uma viagem de aniversário de casamento, agora feita sozinha, sua história parece tomar um rumo há muito tempo escondido. Porém, em um beco sem saída pode estar o recomeço de que ela tanto precisa.

No mês de maio recebi pela minha assinatura da TAG Inéditos o livro A Pequena Loja de Venenos, da escritora norte-americana Sarah Penner. O mimo foi o mesmo de Casas Vazias enviado pela TAG Curadoria, o acesso a Mubi - que eu não utilizei - e a pipoca de caramelo e flor de sal da Mais Pura que eu devorei.


A história

O ponto de partida ocorre na Londres de 1791, onde Nella sente uma preocupação sem explicação à espera da sua desconhecida cliente. Surpreendentemente que aparece é uma menina de doze anos a serviço de sua senhora. Eliza gosta de um bom papo, e o local logo se torna objeto de sua curiosidade. E por mais que Nella a mande embora, a menina não se cansa de voltar.

Nella é filha de uma boticária que sempre fez tudo para ajudar as mulheres, ao assumir o negócio da mãe, ela acaba, após uma grande desilusão, incluindo um serviço especial para suas clientes, possibilitando através de elementos naturais se livrar de companheiros nada agradáveis.

Ela viria ao alvorecer - a mulher cujas cartas eu segurava nas mãos, a mulher cujo nome eu ainda não sabia.


Mas um pedido que vai contra as regras, seguido de ameaças e uma desatenção acaba colocando todas em perigo, e nesta tentativa de sobreviver ao caos um dos vidros com a marca da loja vai parar no Rio Tâmisa.

Ele será encontrado nos dias atuais por Caroline, uma mulher que abandonou vários sonhos para se dedicar ao marido e ao projeto de formar uma família. Na véspera de sua viagem para comemorar as bodas de zinco ela descobre uma traição, e para não desperdiçar o presente dado pelos seus pais, encara uma viagem solitária dos Estados Unidos para a Inglaterra.

Meu caderno estava lá dentro, as páginas cobertas de tinta de caneta azul e corações desenhados com um esboço do nosso itinerário de dez dias.


Buscando o que fazer, acaba recebendo o inusitado convite de participar de uma caça ao tesouro no Rio Tâmisa. O que era um passatempo, acaba se tornando o objetivo da viagem quando ela encontra o frasco azulado com um símbolo de urso. E ao mesmo tempo que ela tenta desvendar a história do objeto, ela acaba confrontando as próprias escolhas e tendo uma oportunidade de escolher o que ela Caroline deseja realmente para a sua própria vida.


A escrita de Sarah Penner

Dois tempos, duas narradoras que dividem os seus pensamentos na primeira pessoa, a mesma cidade. Esta é a base da história da autora Sarah Penner, que com uma escrita fluída e uma história envolvente, tornam o leitor uma segunda Eliza, querendo saber mais sobre as duas mulheres que estão sendo desvendadas.

Utilizando o universo feminino, está a sonoridade, a questão vida profissional x vida social, a maternidade, os relacionamentos tóxicos, o que são escolhas das personagens e o que é manipulação de terceiros.

Como eram tolos - todos eles, exceto as mulheres, a quem era dito onde encontrar suas amigas, suas irmãs, suas mães.


Para quem gosta de viajar dentro e fora dos livros, a autora também nos apresenta uma visão menos turística de Londres, com descrições que me fizeram sentir caminhando junto com a personagem.

Também é muito interessante as descrições dos elementos utilizados para a criação de cada veneno, assim como a descrição detalhadas no final, um acréscimo pós história.


O que eu achei...

Não existe veneno mais poderoso que uma traição, ela corrói, amarga, desestabiliza o traído. E isto é muito forte em A Pequena Loja de Venenos. As consequências que isso pode trazer na vida de cada uma das personagens.

Eu gostei muito da história, o vai e volta entre presente e passado, que fazem o leitor preencher o quebra-cabeça mais rápido que Caroline, ao mesmo tempo que se vive um dilema ético ao torcer por Nella. Me fisgando da primeira à última página.

Eu soube, ali, que não podia confiar em mais nada que ele me dissesse.


A leitura é uma imersão nas dores e dúvidas femininas, aos quais curiosamente não mudaram tanto assim, apesar dos mais de duzentos anos que separam uma época da outra. Quase como um lembrete do quanto ainda precisamos quebrar barreiras, sejam elas externas e internas.

Minha personagem favorita aqui foi a jovem Eliza e sua grande dose de otimismo. Por estar recém descobrindo a vida, ao qual ela tem muita curiosidade, permitem que ela sempre pense em soluções e acredite fielmente que elas darão certo. Contrastando com Nella, sempre tão triste e negativa.

O trabalho da minha mãe tornou-se o meu, e nossas tinturas eram tudo o que eu conhecia do mundo.


Também gostei da capa, existe uma mistura de delicadeza e força que convidam a entrar na história. E assim deixo a dica para quem quiser se aventurar a conhecer os diferentes tipos de veneno que podem atingir o corpo ou a alma.


A Pequena Loja de Venenos
The Lost Apothecary
Sarah Penner
Tradução Isabella Pacheco
TAG Inéditos - Harper Collins
2020 - 318 páginas

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Divagando com Spoiler

Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.

Achei interessante como a distância do tempo não muda os problemas. A traição, ou melhor, o ser traída, é o que inicia o movimento das três personagens, com diferentes níveis de gravidade.

No passado Nella é traída duplamente por seu amor, ato agravado com a perda da filha, e a faz acrescentar o serviço especial em sua loja. Aliás, achei interessante o padrão ético de Nella, que só aceita envenenar homens e em nenhum momento se vê como sendo uma assassina em série.

Agora aquilo seria um sonho; por causa do meu erro, talvez eu tenha condenado a ela e a todos nós dentro das páginas do livro de registros.


Suas clientes são mulheres que buscam se livrar de homens que as fazem infelizes de diferentes formas. E aí entra a personagem Eliza, que embora encaminhada pela patroa, na verdade também está buscando a própria libertação das mãos do patrão que começa a descobrir e tocar o seu corpo jovem.

Só que tudo vira de cabeça de baixo devido a uma série de traições, começando pela esposa que quer matar a amante e não o marido, até o frasco do veneno ser entregue para a polícia pela empregada que entrega a patroa.

A verdade dele permaneceria sendo o único segredo que eu não dividiria com ninguém.


E aí pulamos para o presente onde encontrei Caroline, uma mulher que se deixou manipular pelo marido até ser apenas uma sombra do que sonhou um dia. E confesso que fiquei bastante agoniada quando ele resolve procurar por ela, e ao mesmo tempo que admite a culpa também transfere para ela. O respiro de alívio veio junto com o dela quando a menstruação chega e se vê que ela tem possibilidade de realmente recomeçar.

No geral é triste ver como as mulheres ainda se enterram por causa das atitudes masculinas. Como são consumidas por dentro, como é difícil não arrumar desculpas para os atos do outro, mesmo que isso a destrua. Mas são anos de criação machista que precisa ser quebrada também no universo feminino, tanto na literatura quanto na vida real.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Casas Vazias



Sinopse: Uma criança desaparece em plena luz do dia. De um lado desse vazio brutal, o instante de desatenção de uma mulher que nunca quis ser mãe. Do outro, uma mulher que deseja ser mãe a ponto de cometer um ato desesperado. Entre esses dois pontos de vista, acompanhamos uma narrativa que ecoa as diversas formas de maternidade, das impostas às almejadas, do seu papel social à sua natureza primordial, em uma trama visceral e inquietante.

No mês de Maio/2022 eu recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro Casas Vazias da escritora mexicana Brenda Navarro, indicação do também escritor e editor Emilio Fraia. O mimo foi um acesso de 60 dias a uma plataforma de streaming - ao qual eu não usei devido a obrigatoriedade de informar dados de pagamento antecipadamente - e um pacote de pipoca de caramelo e flor de sal muito bom da Mais Pura.


A História

Entre o aventureiro e o que oferece uma vida estável, uma mulher que não deseja ter filhos opta pelo segundo. Em sua vida de classe média no México, casada com um europeu de pele branca, ela tem algumas regalias. Com o tempo ela resolve engravidar, e quando está prestes a dar à luz sua cunhada é assassinada pelo marido, fazendo com que ela se torne repentinamente mãe de dois. 

Daniel desapareceu três meses, dois dias e oito horas depois do seu aniversário. Tinha três anos. Era meu filho.


Na rotina do dia-a-dia ela volta a sentir vontade de retornar para a vida descompromissada e assim retorna aos braços do aventureiro, agora um amante com data marcada para partir em definitivo. O medo de perder aquele alívio em seu cotidiano a faz se distrair em uma tarde no parque. É no celular, em uma conversa com ele, que toda a sua atenção está focada, enquanto outra mulher, encantada pela beleza do seu filho, um menino de três anos, o leva.

A raptora vive na área pobre do México, esforçada, é o tipo de mulher que se vira nos trinta trabalhando e juntando dinheiro, a ponto de conquistar a própria casa e não dever para ninguém, muito pelo contrário. O homem com quem ela mora não quer lhe dar a tão sonhada filha, sendo um dos fatores que a faz se encantar pelo belo menino, e passa ver nele a possibilidade de construir uma família feliz.

O que foi que aconteceu? Vi pouco. E, embora eu tenha andado entre as pessoas, gritando o nome dele repetidas vezes, meu ouvido ficou surdo.


Mas a maternidade repentina vira tanto a sua vida de cabeça para baixo quanto da mãe consumida pela culpa da criança perdida.


A escrita de Brenda Navarro

Duas narradoras, dois pontos de vista em primeira pessoa, em comum uma criança de três anos. O lado B da maternidade na figura do pequeno Daniel/Leonel. 

As duas mulheres não possuem nome, assim como toda mulher que encara o desafio da maternidade, que deixa de ser alguém e passa a ser a mãe da(o) fulana(o). Aqui temos a mãe de Daniel e a raptora que mudou o seu nome para Leonel. Em comum, os desafios de criar uma criança e as culpas e dores que envolvem a maternidade.

Não ser vida, não ser fonte, não deixar que o mito da maternidade se estendesse em mim.


Um recurso que a autora Brenda Navarro utilizou que eu achei muito interessante é a diferença de tempo nas narrativas. A mãe navega entre algumas lembranças do passado, ao mesmo tempo que o seu presente alcança o futuro muito mais rapidamente. Sendo ela sempre a primeira a falar nas três partes da história.

Quem vive o presente mais lentamente, nos respondendo parte das dúvidas que surgiram com a mãe, é justamente a raptora, complementando a visão de quem está de fora, enquanto as personagens seguem tateando, ou quem sabe nos enganando.

Todos nós queremos o futuro, porque é uma promessa de que, em algum momento, você ficará livre da estupidez.


Mas além da maternidade em si, temos uma pincelada da paternidade ausente, pois os seus companheiros são homens que não desejam participar dos desafios cotidianos que é criar e educar uma criança, que se esquivam em qualquer dificuldade. Naturalmente no segundo caso o seu parceiro não tinha conhecimento da loucura que a sua companheira iria cometer. Mas também não existe amor suficiente para apoia-la nisso.

E como estamos falando de maternidade, estamos falando de mulheres. Relacionamento mãe e filha, mulher e homem, parcerias e também o extremo, com violência física, sexual e psicológica.

Pensei que tinha que dar tempo pra ele pra gente se conhecer, não se cria uma família da noite pro dia.


Tudo em uma escrita direta, fluída, envolvente que captura facilmente o leitor ao mesmo tempo que lhe revira o estômago.


O que eu achei

Casas Vazias é um livro forte, de leitura agoniante, que instiga a virar mais uma página em busca de notícias felizes ao mesmo tempo que abre um leque de teorias para os leitores. 

E embora eu tenha gostado muito do livro, não vejo ele como um espelho completo da maternidade, afirmação que li e achei muito generalizada. Diria que é um lado B aterrorizante, com os piores cenários que uma mãe pode ter que encarar. 

Se você quer ser mãe, vai ser boa mãe, mesmo que o menino seja tapado, me disse.


Pois a verdade é que a maternidade, como todas as escolhas nesta vida, possui suas belezas e desafios, mas acima de tudo, principalmente para a mulher, uma mudança completa de vida acompanhada de muita responsabilidade. Tornando a leitura quase que obrigatória para quem não deseja se atirar na piscina gelada, mas as vezes pensa em ceder às pressões externas.

Afinal, ter um filho não é igual a ter um animal de estimação, e o peso disso não é algo que todas querem assumir. Em Casas Vazias a personagem que faz a mãe é um retrato fiel disso. Pois a criança só ganha importância para ela quando desaparece, fazendo com que qualquer sentimento de alívio por poder retornar a vida de antes seja soterrado pela culpa.

E eu olhava pra casa, que, mesmo pequenininha, mesmo não muito bonita, mesmo avariada, era a minha casa, a minha casa.


Culpa esta que torna a todos na história muito humanos, falíveis, reais para quem mergulha no íntimo de quem tem um filho desaparecido em uma cidade onde a polícia não parece preocupada em procurar.

Um livro difícil de ler não pela complexidade da escrita, cuja narrativa é extremamente fluída, mas pela força dos acontecimentos que deixam a boca seca e a garganta apertada. Mas que ao final deixam o leitor ao mesmo tempo perplexo e satisfeito de ter lido uma ótima história.


Casas Vazias
Casas vacías
Brenda Navarro
Tradução: Livia Deorsola
TAG - Dublinense
2018 - 192 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.

Divagando com Spoiler

Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.


Para quem já finalizou a leitura, é impossível não ter ficado com vários questionamentos sobre a história, embora ela inegavelmente seja redondinha: com começo, meio e fim. Até porque todos os personagens serem muito complexos e haver o forte elemento do sequestro de uma criança.

Vou começar pela mãe de Daniel/Leonel. No decorrer da leitura fica claro que ela fez uma escolha, o amante era um velho conhecido ao qual ela abandonou para montar uma vida estruturada com Fran, o marido espanhol. Mas também ficava claro o seu desejo de não ter filhos, até que um dia ela mudou de ideia. A razão? Não é explicada.

Eu sou a vítima, minha vida é mesmo uma grande merda pra acharem que eu sou a malvada.


Aliás o passado da mãe, ao contrário da raptora, é muito pouco explorado. Não fica claro se ela sempre foi o tipo de pessoa que se deixa levar, já que no casamento todas as decisões são tomadas pelo marido. Incluindo o fato de resolver adotar a sobrinha e tira-la do seu país de origem e de perto dos avós, fazendo com que ela tivesse que administrar não apenas um recém-nascido, mas a sobrinha que virou filha.

Há também a dúvida se ela possui alguma família, já que nenhuma rede de apoio aparece no antes e muito menos depois, citando apenas o afastamento dos amigos. O marido sim, tem família, mas esta se encontra distante e não parece se envolver com o sumiço da criança.

Eu estava mesmo sozinha e sentia que não podia mais falar e era como se meu humor estivesse ficando antiquado.


Tem a questão do autismo do menino, algo que eles demoraram a detectar e foi identificado rapidamente pela raptora. Um sinal do quanto a criança não era olhada? Ou aquele desejo dos pais de quererem um "filho perfeito" e não aceitarem nada diferente? Será essa a causa do distanciamento do marido em relação a criança?

Aliás, seria Fran realmente distante? Observa-se que os anos passam e a mãe de Daniel definha em meio a sujeiras e lembranças. Consumida pela culpa, ou talvez uma depressão pós parto que só foi acentuada, ela vive em volta do próprio umbigo. E mesmo assim ele não a abandona, como poderia se esperar. Será também culpa? Ou a personagem nos engana sobre este homem que a fez ter o desejo de ter um filho?

Por que os chamam desaparecidos e não se atrevem a chamá-los de mortos? Porque os mortos somos os que os procuramos, eles continuarão sempre, sempre vivos.


Não poderia deixar de citar Nagore, a menina cujo pedaço do nome é uma das poucas coisas que o menino consegue falar. Testemunha de um crime horrível, ela é uma menina amorosa, que recebeu amor da sua família, e se vê em meio ao caos de morar com os tios.

Mesmo arrancada do seu país, a menina segue carinhosa, principalmente com o menino. E nos poucos diálogos se vê como é difícil para ela a vida junto ao casal que está em pedaços.

O que foi feito daquele menino que nasceu do meu ventre e o que foi feito de mim?


E por fim, o que houve com o menino? Existem uma sequência de cenas e diálogos que dão a entender que esta criança sofreu horrores, já que o plost twist é a raptora ter o menino raptado. Existem alguns elos de ligação entre a visita ao necrotério e os sapatos do menino entregues a raptora. Que só no fim entende o desespero que causou na mãe do menino.

Eu tenho a minha própria teoria sobre o final, mas apesar da zona ser de spoiler, vou optar em não descrever, pois mesmo sendo ficção, é doloroso demais colocar em palavras, algo que nem a autora parece ter tido coragem de transmitir de forma clara.