terça-feira, 20 de setembro de 2022

Vida desinteressante



Sinopse: Nesta reunião de textos escritos entre 2014 e 2017, Victor Heringer entremeia literatura, filosofia, poesia, filosofia e política para refletir sobre si mesmo, mas também sobre as transformações do mundo ao seu redor. Com um estilo que mistura memórias, ensaios, anotações e crônicas, o escritor se consagrou como uma das mentes mais brilhantes da sua geração.

Com organização e apresentação de Carlos Henrique Schroeder, Vida desinteressante são os textos escritos no período de 2014 a 2017 por Victor Heringer em sua coluna "Milímetros" para o site da revista Pessoa. E de certa forma uma homenagem a este jovem escritor que faleceu em 2018.

Misturando diferentes estilos, que continham desde fragmentos de memória, entrevistas com outros escritores, ensaios e crônicas, no livro de 262 páginas encontrei uma mistura de muitas coisas boas em uma escrita fluída, que convida a passear pela mente e pelas opiniões do escritor.


Existem livros nos quais eu gostaria de viver. Em outros, só passaria férias - e alguns são países tão distantes que me contento em ver fotos.


Dividido pelos anos de publicação, por serem colunas são rápidos de ler, duas, quatro páginas, um pouco mais nos textos de entrevistas, sendo perfeito para intercalar com outros livros ou para aquela folguinha rápida em que se ficou com vontade de ler algo para desopilar e refletir sobre outras visões.

De dicas literárias - eu sai com vários títulos anotados -, passando por lugares, histórias e estórias, vivências, sentimentos e opiniões, por um momento me parecia que Victor Heringer estava sentado no sofá compartilhando boas conversas.


Somos finitos no infinito e temos o infinito escrito na nossa carne perecível. Mortais e imortais, simultaneamente. Isso é profundamente irônico, e, como se pode perceber, não muito hilariante.


Boas conversas que iam do campeonato da Beija-flor em 1978, passando por H.G. Wells - onde não falta a citação da famosa transmissão radiofônica de A Guerra dos Mundos -, uma explicação para leigos sobre crítica literária, até sobre em que livros se gostaria de viver. E aqui se Victor Heringer cita Finnegans Wake do Joyce como uma não opção, eu deixo a Guerra dos Tronos como a minha.

Também conhecemos mais sobre ele, o motivo pelo qual opta em trocar o Rio de Janeiro por São Paulo, sobre a morte do pai e o uso de roupas que herdou dele, sobre o fim de tudo, do mundo, das alegrias, das tristezas, e até mesmo da Black Friday. Com a tranquilidade e sinceridade que só um amigo de longa data tem.


A vontade de não morrer não é propriamente o desejo de viver para sempre em carne e o osso. Isso, podemos suspeitar, seria insuportável.


E que bom amigo ele devia ser, conclui isso pelas respostas longas, cheias de intimidade, que outros escritores davam para as suas perguntas em entrevistas com perguntas de quem respeitava e gostava do entrevistado. E isso gerou respostas com alma, como os poetas Matilde Campilho e Ismar Tirelli Neto, dadas somente por quem acredita que a pessoa que está do outro lado é de grande confiança.

Confiança que pode fazer o leitor facilmente também sair da leitura categorizando algumas coisas como Ismar depois de conhecer um pouco mais suas histórias, onde só falta o caneco de chopp para acompanhar o papo. 


A máquina da memória não é muito bem-feita. A taxa de desperdício é assustadora - 40% de tudo o que registramos sai direto pela bandeja de descarte, desaparece em poucos minutos.


Talvez por isso, em algumas das crônicas eu me lembrei de outro grande cronista e escritor que perdemos recentemente: o David Coimbra. E o motivo foram justamente as inúmeras dicas de livros que fazem aquela lista de desejos aumentar, e as crônicas de ambos te convencem a comprar.

Ou pela maneira de exporem suas visões de vida, como se emprestassem por um momento aos seus leitores um óculos onde é possível enxergar o que viveram e os sentimentos que ali pulsaram.


Gosto muito dos erros de percepção que acabam abrindo espaços para novos jeitos de enxergar.


Mas diferente do gaúcho do IAPI, o carioca nem sempre tinha tanta leveza. Existe uma sombra de preocupação nas suas palavras, que podem ser mínimas em alguns momentos e bem expostas em outros. Como na pequena antologia de comentários, que provocam um misto de sentimentos ao reforçar o atestado de como estamos longe de ser uma sociedade realmente evoluída, se é que um dia seremos.

Confesso que fiquei decepcionada ao chegar na última página e descobrir que ele havia morrido tão jovem, com tanto futuro pela frente. Para quem como eu, gostou da escrita de Victor Heringer, restou as obras publicadas.


Vida desinteressante
Fragmentos de memórias: crônicas da revista Pessoa (2014-2017)
Victor Heringer
Organização e apresentação: Carlos Henrique Schroeder
Companhia das Letras
2021 - 262 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.