sexta-feira, 22 de julho de 2022

A última coisa que ele me falou



Sinopse: Proteja ela. Essa foi a mensagem que Owen Michaels deixou para a esposa antes de desaparecer. Apesar da confusão e do medo, Hannah Hall sabe exatamente a quem aquelas palavras se referem: Bailey, sua enteada de dezesseis anos, que perdeu a mãe de forma trágica e gostaria de poder ignorar por completo a nova madrasta. Em pouco tempo, a situação sai totalmente do controle de Hannah: Owen não atende suas ligações cada vez mais desesperadas, o FBI prende o chefe dele, e agentes federais surgem na sua porta, fazendo-a questionar não apenas por que o marido desapareceu, mas também quem ele realmente é. Mesmo querendo respeitar aquele último pedido, Hannah precisa de respostas. E talvez a enteada seja a chave de todas elas.

No mês de Abril/2022 recebi pela minha assinatura da intrínsecos o romance que irá virar série A última coisa que ele me falou, livro da escritora norte-americana Laura Dave. O mimo foi um jogo de cartas Quem Sou Eu literário, com personagens de livros ou elenco de adaptações de livros publicados pela editora Intrínseca.


A História

Hannah foi criado pelo avô, que lhe transmitiu não só amor, mas também a arte de lidar com a madeira. E ao entender a matéria-prima ela virou uma marceneira de prestigio, construindo pelas únicas. E foi assim que ela conheceu Owen, uma visita ao seu atelier com o chefe que gerou um encontro, que se seguiu de outro até o casamento dos dois, que não foi bem aceito por Bailey, a filha de Owen.

Mas um dia uma menina estranha bate na porta da casa barco em que eles moram com um bilhete para Hannah onde o seu marido havia escrito apenas uma palavra: Proteja-a.

Eu tinha mesmo uma tendência a colocar as coisas no lugar errado. A me distrair. A esquecer.


Logo vem a notícia de que a empresa de tecnologia ao qual Owen tinha um dos cargos principais está sendo investigada por uma grande fraude financeira, com prisões que levam um misterioso delegado federal e agentes do FBI até ela.

Sem saber em quem confiar, Hannah e Bailey são obrigadas a ficar unidas, enquanto tentam decifrar quem realmente é o homem que amam, em quem devem confiar e principalmente quais escolhas devem fazer.


A escrita de Laura Dave

Utilizando a narrativa em primeira pessoa, a autora Laura Dave coloca o leitor sobre a perspectiva de Hannah, que não nos apresenta apenas o momento atual, mas também o passado conforme tenta juntar as peças do quebra-cabeça.

Dividido em três partes, os títulos dos capítulos não são números, mas frases ou expressões, como pequenas pistas do que está por vir. E como um bom suspense, eles vão te convidando a seguir em frente, apenas mais uma página para ver se as personagens descobriram algo a mais, ou te deixarão ainda mais em dúvida sobre o que aconteceu.

Escutamos uma batida na porta da frente. E, do outro lado, alguém está esperando para nos dar uma notícia que vai mudar tudo.


Há também um jogo sobre conversas e memórias, que estão presentes o tempo inteiro, e norteiam os caminhos das duas protagonistas, o que é verdadeiro, o que é falso, é possível mentir o tempo inteiro?

Para um leitor mais experientes, as teorias podem começar desde o primeiro capítulo, permitindo aquele jogo de adaptações e confirmações para saber se acertou o contexto no final.

Fecho os olhos e tento pensar em diversos cenários que consigam explicar o que está acontecendo.


Somado a tudo está a lenta construção dos laços da madrasta - que aqui está longe de se parecer com as dos antigos contos de fadas - e a adolescente que viu seu mundo invadido por outra figura feminina. As duas sozinhas no mundo, precisando equilibrar todo o desconhecimento e dúvidas enquanto resgatam memórias que possam servir de luz no mistério que parece mudar completamente a vida de ambas.


O que eu achei

Abordando temas como o desaparecimento de pessoas, fraude financeira, o desconhecimento sobre o outro, confiança, laços familiares e a figura da madrasta boa como base para o suspense, somado a uma leitura rápida e fluída, faz a narrativa em seu todo ser de fácil envolvimento.

E assim eu fiquei presa na leitura, que foi realizada em menos de três dias, enquanto eu desenrolava o fio e me via revelando o início de tudo. Confesso que só achei o desfecho final um pouco acelerado, mas nada que me fizesse deixar de gostar da história.

As pessoas se esquecem de fazer as perguntas óbvias que deveriam fazer se não soubessem de nada sobre a situação.


Ficando a dica para quem adora um suspense, afinal, nada como brincar de detetive para relaxar a mente e nos distrair por um breve momento de dias tensos.


A última coisa que ele me falou
The Last Thing He Told Me
Laura Dave
Tradução: Ana Rodrigues
Intrínseca
2021 - 318 páginas

Esta resenha não é patrocinada, a assinatura do clube citado é pago integralmente pela autora.

Divagando com Spoiler

Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.

Eu finalizei o livro categorizando o mesmo como um suspense romântico, pois é preciso ter muito amor para a atitude de Hannah. Não só em relação ao Owen, mas também a Bailey.

É assim que se preenche as lacunas - com histórias e lembranças de pessoas que ama você.


O motivo é como ela acaba abraçando Bailey, substituindo a presença do pai, que ao desistir das duas para não ser morto nem colocá-las em perigo, também acaba exigindo de certa forma que Hannah abra mão de recomeçar a própria vida.

Pois ela é uma mulher ainda jovem, de quarenta anos, que faz um trato com até então desconhecida família materna de Bailey para que a menina não precise entrar no programa de proteção às testemunhas, e assim tenha que mudar novamente de nome, cidade, enfim, ter a vida virada de cabeça para baixo. Se tornando assim a mãe de Bailey.

Há certas coisas que não podemos apagar, certas coisas que revelamos às pessoas mais próximas de nós, tendo consciência disso ou não.


O que me fez terminar o livro com dúvidas e teorias. A primeira é se Owen era chantageado pelo chefe? Como ele teria descoberto o segredo? E o mais importante, estava utilizando para que ele finalizasse o seu trabalho sem denunciar a empresa?

E isto abre o leque para a próxima pergunta, teria Owen casado com Hannah como uma forma de encontrar suporte para a filha e assim evitar que ela retornasse para os braços da família materna? 

A gente esquece várias coisas quando ninguém nos ajuda a lembrar.


Ao contrário de Hannah, esta relação não teria evoluído de forma tão natural, tendo sido ela avaliada para tal papel? Pois como ele conhecia a fraude, e sim tentou de todas as formas terminar o sistema em tempo hábil para que tudo retornasse à normalidade, era um risco que ele estava correndo o tempo todo: com quem ficaria a filha se algo lhe acontecesse?

É caros leitores do blog, quem iria imaginar que até mesmo um leve suspense pode ser finalizado com tantos pontos de interrogação, dando espaço para a imaginação.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Luxúria

 

Sinopse: Edie tem vinte e poucos anos e está tentando descobrir quem é e o que quer ser ― tudo isso enquanto trabalha numa editora e faz as piores escolhas amorosas possíveis. Pela internet, ela conhece Eric, um homem branco de meia-idade que tem um casamento aberto e com quem inicia um relacionamento. Quando Edie perde o emprego, a esposa de Eric, Rebecca, convida a jovem para passar um tempo em Nova Jersey, onde vivem com Akila, a filha adotiva do casal ― que também é negra. Com essa nova dinâmica familiar ― marcada pelas tensões políticas, sociais, econômicas e identitárias dos tempos atuais ―, as intenções e os pontos de vista de todos os personagens estarão em xeque. E, assim, através de um emaranhado de raiva, dor, ternura e afeto, Edie talvez consiga compreender mais a respeito de si mesma, de seu talento e de seu lugar no mundo.

Existe uma frase que diz para o leitor não julgar um livro pela capa. No caso de Luxúria da escritora norte-americana Raven Leilani, nem a capa nem o título. Pois ao contrário do que um leitor desavisado possa imaginar, não se trata de um livro sexy e muito menos recheado de cenas quentes.


A História

Edie é jovem, órfã e divide um apartamento que é uma pobreza só. Enquanto sonha em fazer um curso de artes e faz as suas pinturas em casa, ela trabalha em uma editora. E entre as revisões de livros entra em sites de relacionamento ou tem casos relâmpagos com os seus colegas, sem distinção de cargo. É quando conhece Eric, um homem mais velho, branco, classe média, que foi autorizado pela esposa a ter casos. 

Mas o alinhamento dos astros não está a seu favor, e simultaneamente ela perde o emprego e recebe o aviso de sua colega que está indo embora. Sem dinheiro para pagar o aluguel sozinha, ela se vê sem eira nem beira, entrando para o serviço de entregas. E em uma delas ela encontra Rebecca, a médica legista esposa de Eric, que resolve ajuda-la levando Edie para a sua casa.

 

Da primeira vez que transamos, ambos estamos de roupa, sentados diante das nossas mesas em horário comercial, mergulhados na luz azul da tela do computador.


E assim, esposa, marido, amante e filha adotiva começam a dividir a rotina enquanto tentam encontrar os seus próprios papeis dentro da inusitada situação.


A escrita de Raven Leilani

Utilizando a narrativa em primeira pessoa, toda a visão que temos da história é do ponto de vista de Edie, sendo ele recheado de referências musicais, filmes, séries, games e mundo jovem, o que podem deixar alguns leitores perdidos e buscarem serem salvos pelo Google.

Ao usar um título facilmente associado ao erotismo, a escritora entrega ao leitor uma história recheada de violência, pois Edie foi criada de uma forma a não saber lidar com o amor, e assim não tem nenhum - nem o próprio -, o racismo também é presente, principalmente na figura da adolescente Akila, a menina negra adotada por brancos que aguenta toda a pressão de morar em um bairro branco, frequentar uma escola de brancos, apenas para não ser devolvida mais uma vez.

Eu, por outro lado, tenho uma consciência aguda de todas as maneiras como posso morrer.


Por focar na rotina desta estranha família que se forma de maneira um tanto repentina, Raven Leilani tem uma história linear, com alguns momentos de atração e repulsa entre os personagens, mas sempre vivendo o momento presente, e sabendo muito pouco o que os outros personagens realmente pensam.

Em relação a parte profissional, a história de Edie na editora me lembrou muito um livro já resenhado aqui no blog chamado A Outra Garota Negra, só que neste segundo caso o foco está todo no meio empresarial. Em Luxúria, é uma etapa rápida da vida da protagonista, uma pitada para trazer a questão da diversidade dentro das empresas.

Eu e a menina que mora comigo estamos sustentando uma família de ratos há seis meses.

Outro detalhe interessante na escrita da história é que os homens são meros coadjuvantes, não havendo muito interesse sobre a sua presença ou suas opiniões, mesmo Eric é apenas uma forma de aproximar Edie e Rebecca.


O que eu achei...

Não gostei nem desgostei de Luxúria. Achei a história interessante, mas realmente não me cativou. Inicialmente achei a leitura bastante arrastada, pegando um ritmo e assim, mais fluidez, quando já havia passado das primeiras cinquentas páginas. Mas mesmo assim não foram raras as vezes que eu parei a leitura sem finalizar um capítulo, algo que eu normalmente evito fazer.

Em contrapartida ele poderia ser facilmente uma história real, onde pessoas perdidas se encontram na internet e por um período da vida se tornam uma espécie de família.

Sou boa, mas não boa o bastante, e isso é pior do que só ser ruim.


Mas isso é o eco que a leitura deixou em mim, e como ele tem como base assuntos bem relevantes, como racismo, diferença de classes - o casal é classe média e Eddie muito pobre -, passando pelo que as mulheres abrem mão no seu casamento até o próprio empoderamento feminino, ficando a dica para quem se interessar. 

Afinal, gosto não se discute, muito menos o literário, e ao contrário de mim, ele pode muito bem ganhar o seu coração.


Luxúria
Luster
Raven Leilani
Tradução: Ana Guadalupe
Companhia das Letras
2020 - 229 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.


Divagando com Spoiler

Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.

Creio que um dos motivos que a leitura não me cativou foi a própria protagonista da história, aos vinte e poucos anos ela é o retrato de quem não recebeu as bases adequadas durante a infância, tornando-se uma jovem adulta totalmente perdida, que parece não buscar uma saída para ter uma vida diferente da que vive.

Bate de novo, eu digo, e dessa vez é mais forte.


Ela consegue se relacionar sexualmente com praticamente todos os homens que encontra, o que me fez pensar inicialmente se era uma busca inconsciente pelo trio amor - carinho - atenção, mas em outros momentos, devido a própria criação, ela parece não saber lidar com isso. As cenas em que ela se sujeita por vontade própria a violência física de homens me deixaram na dúvida se Edie gostava ou buscava ser punida por algo que nem ela sabia a razão. 

O que é bastante chocante para quem não gosta de nenhum tipo de violência, deixando aquelas interrogações flutuando nas páginas e um certo embrulho no estômago por ela se sujeitar a isso.

Você é a namorada, ela diz, sem ira nem julgamento, o que de certa forma é ainda pior.


Profissionalmente ela acessa sites indevidos em um computador monitorado, o que pra mim enfraqueceu o discurso de cotas de diversidade dentro de uma empresa. Assim como a fúria com o chefe, como se dormir com ele fosse um passaporte de estabilidade. 

O sentimento que fiquei em relação a Edie, já que o livro não dá um vislumbre de futuro, é se na convivência com Rebecca e Akila ela conseguiu amadurecer, se aprendeu alguma coisa depois das últimas vivências, ou se ela iria seguir vivendo a vida no ritmo do nada para lugar nenhum.

Sempre há alguma forma de documentar como conseguimos sobreviver, ou, em alguns casos, como não sobrevivemos.


Falando em Rebecca, confesso que ela foi a grande interrogação do livro pra mim, já que não se sabe o que se passa pela cabeça dela, apenas as suas atitudes, que podem ser contidas, solidarias, repletas de raiva, ou de indefinição pura.

Pois é impossível não sentir curiosidade por uma mulher que não só permitiu ao marido buscar outras mulheres como participou da escolha, que se surpreende com a juventude da amante e em um momento tenso a acolhe em casa, mesmo sabendo que ela já dormiu com o seu marido na sua cama, e não tendo nenhuma obrigação disso.

Eu acordo de manhã e por um instante penso que sou uma pessoa mais feliz, mas em seguida me lembro de onde estou.


Tem também a questão da adoção, Rebecca não tem o desejo da maternidade, e cede ao desejo de Eric ao adotar Akila, mas mesmo assim não consegue ver o que atormenta a menina. Ou, aí entra a minha teoria, a escolha de Edie não foi aleatória desde o início, e ela já via na garota uma chave para entender a própria filha?

Pois sim, é Edie que abre a caixa de pandora que são os problemas cotidianos de Akila. Do não saber cuidar os cabelos até a dificuldade de se enquadrar em um mundo que não lhe abraça.

Mas, quando vejo como ela está decidida, a facilidade com que afirma o que lhe pertence, sinto inveja.


Aliás, o que mais mexeu comigo foi a história de Akila, a menina que está no início da sua vida adolescente e já passou por várias devoluções. A cena da festa de aniversário, que ela não desejava ter e os pais insistiram em fazer é emblemática, quando apenas dois colegas comparecem gerando uma situação de constrangimento e o retrato nítido de como ela é isolada na escola.

Mesmo assim é ela que vê Edie como uma ameaça, pois se ela destruir o casamento dos seus novos pais, a chance de ser devolvida é grande, e ela não só quer, como precisa de estabilidade. Ao mesmo tempo é bonito quando ela começa a se enxergar em Edie, uma referência em um mar de pessoas tão diferentes. 

Você deveria agradecer, ela diz, a luz da TV lhe iluminando o rosto, você tem todo o tempo do mundo.


Tudo isso até o choque de ambas serem paradas na porta de casa pela polícia, sendo humilhadas só por estarem em um bairro que na cabeça dos ignorantes elas não deveriam pertencer. E aqui temos o racismo pulsante e escancarado, doentio e vergonhoso, ao qual ainda não inventaram vacina ou remédio para curar.

Ficando assim a grande interrogação de como aqueles meses impactaram na vida das três mulheres, se tudo continuaria igual ou elas teriam uma nova visão em relação as suas vidas, tanto do lado profissional quanto no pessoal.


sexta-feira, 8 de julho de 2022

Os Abismos



Sinopse: Claudia mora com os pais em Cáli, na Colômbia, em um apartamento tomado por plantas e rodeado por precipícios físicos e metafóricos. O ambiente, exuberante e bem-cuidado, é um contraste, uma oposição à mãe indiferente que está em conflito com os caminhos escolhidos e impostos para a própria vida. Como muitas famílias, a de Claudia passa por uma crise, e basta o casamento de seus pais estremecer para que ela comece a entender a fragilidade dos limites que mantêm a previsibilidade do cotidiano.

No mês de março/2022 recebi pela minha assinatura da intrínsecos o romance vencedor do Prêmio Alfaguara 2021 Os Abismos, livro da escritora colombiana Pilar Quintana. O mimo foi um poster e 5 imãs de mulheres latinos americanas.


A história

Em um grande apartamento, que muitas vezes parece uma floresta, moram a Claudia mãe, a Claudia filha e o pai e marido Jorge. 

A Cláudia mãe sonhava em sua juventude em cursar direito, sonho devido enterrado por seu pai. Após ficar órfã, com grande apoio da mãe, acabou casando com um homem bem mais velho e sendo sustentada por ele. E embora tenha o desejo de oferecer uma educação bem diferente da que recebeu para a sua filha, passa os seus dias na cama lendo revistas de celebridades, dando uma atenção maior para as que tiveram um desfecho trágico, como Grace Kelly.

Havia tantas plantas no apartamento, que nós o chamávamos de a selva.


Ela passa a se sentir mais alegre quando sua cunhada Amelia aparece do nada casada com um homem mais jovem. Gonzalo é vendedor de roupas masculinas, bonito, de corpo definido, e não demora em trocar olhares com ela, enquanto Jorge se dedica quase integralmente ao supermercado, negócio que possibilita a boa vida de todos.

Com a descoberta do caso, Cláudia se entrega nos braços da depressão, o que é acentuado pelo suicídio de uma amiga próxima. O que gera uma mudança de local e uma nova visão para Claudia filha do que é vida e morte, e entre a preocupação e a curiosidade, novos instintos irão aflorar nesta criança de oito anos.


A escrita de Pilar Quintana

Utilizando a narrativa em primeira pessoa quem nos conta os abismos familiares é a menina Claudia de apenas oito anos. A visão infantil exibe o lado mais cruel de uma casa sem amor, onde é comentado que a menina era a bebê mais feia da maternidade, ou é pedido que a mesma se afaste quando esta apenas deseja dar carinho.

Dividido em quatro partes, ela marca mudanças na vida da família, sejam elas grandes ou que exigem atenção. Lá estão a tristeza, o abandono, a depressão e a solidão. O conjunto disto tudo resulta em abismos não só na paisagem, mas entre as pessoas que moram na mesma casa.

Minha mãe sempre estava em casa. Ela não queria ser como a minha avó. A vida inteira me disse isso.


Tudo em um círculo vicioso que faz a menina, ainda tão jovem, ter uma série de preocupações com os pais, ao mesmo tempo que entre as tantas tragédias ouvidas, passa a se interessar ora com medo, ora com curiosidade, pela morte. Levando o leitor mais sensível a uma agonia permanente sobre os atos de todos da família.


O que eu achei do livro...

A escrita fluída e rápida de Pilar Quintana capturou a minha atenção logo nas primeiras páginas, assim como a base do romance. Pois apesar de termos uma narradora criança, a pauta é séria e exige mais do que cuidado e atenção.

Escondida embaixo de sonhos destruídos e uma falta de vontade de fazer qualquer coisa, existe a depressão, que somada ao alcoolismo, pode passar uma falta impressão de apenas uma pessoa que não quer nada com nada. Fica evidente desde as páginas iniciais como a mãe precisa de tratamento para que isso não afete ainda mais a filha no futuro.

Você precisa ficar em cima de mim o tempo todo?!


Achei muito curioso a escolha do mesmo nome para mãe e filha, embora seja comum entre meninos no Brasil, em ambos os casos me faz pensar em algo que oscila entre o ego e a própria continuidade, como se fosse uma forma de se imortalizar. Ao mesmo tempo existe uma dificuldade grande da mãe em compartilhar tempo e atenção com a filha, como se em muitos casos a menina fosse mais um estorvo do que uma maternidade desejada.

É uma leitura que prende do início ao fim, possibilitando ler de forma rápida, no meu caso, pelo menos, os ganchos de um capítulo para o outro me incentivavam a sempre virar mais uma página, para saber o que vai acontecer, já que eu passei a história inteira com um sentimento de desastre iminente.

Saiu roxa. Horrorosa. Colocaram ela no meu peito e eu, tremendo e chorando, pensei: meu esforço foi para isto?


Um alerta importante, por se tratar de depressão, o livro possuí vários gatilhos em relação a suicídio, então se você se sente mais sensível ao tema no momento, talvez a recomendação seja colocar na famosa lista de compras futuras, até estar mais confortável em relação ao assunto.

Se não for o caso, fica a dica para quem gosta de livros que mexem com o psicológico, que colocam as escolhas femininas na roda, que querem conhecer mais escritoras latinas-americanas, ou que simplesmente querem ler.


Os Abismos
Los abismos
Pilar Quintana
Tradução: Elisa Menezes
Intrínseca
2021 - 272 páginas

Esta resenha não é patrocinada, a assinatura do clube citado é pago integralmente pela autora.


Divagando com Spoiler

Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.

É interessante como a tensão do livro cresce sutilmente, quebrando percepções e me fazendo rever opiniões sutilmente. Se tudo começa com a descrição cuidadosa do apartamento lotado de plantas até um final totalmente aberto, que me fez ficar remoendo o que aconteceria com mãe e filha.

Baixinha, magrinha, moreninha, conforme minha mãe dizia que ela era quando criança, mas igualzinha ao meu pai. Uma menina feia.


Confesso que inicialmente achei que Cláudia mãe era apenas uma madame preguiçosa, do tipo que nada precisa fazer e não se esforça o mínimo para mexer o mindinho, situação cômoda proporcionada pelo marido, que trabalha feito louco todos os dias da semana, o que explica um pouco da sua falta de atenção com o que acontece dentro de casa.

Esta opinião de certa forma foi fortalecida pelo caso com Gonzalo, pois ela do dia para a noite ganhou vida, passou a levar a filha em passeios para possibilitar os encontros com o amante. Até que tudo foi descoberto e acabou.

Quem é que no meio da noite, de pijama e sem sapato, ia ter a ideia de sair em um bote inflável para dar um passeio pelo mar escuro e revolto?


Se por um lado a tia Amélia mantém o carinho pelo irmão e pela sobrinha, ela se distância da família, enquanto Cláudia filha espera para saber se os pais irão se separar. E aqui Claudia mãe começa a mostrar os sinais da depressão, ao ficar em um quarto escuro, passar a beber mais e se desligar de tudo e a palavra suicídio passa a ser uma decorrência ao longo dos capítulos.

E foi isso que eu achei interessante, conforme novas histórias de mulheres que optam em acabar com tudo encerrando a própria vida se tornam comum, eu esperava, com a mudança de mãe e filha para um lugar recheado de abismos, que Claudia mãe fizesse uma loucura.

Ficar embaixo da cascata era como gritar em uma terra solitária, em um deserto frio, em um páramo.


Mas o que me quebrou foi a Claudia filha jogando a sua boneca preferida no precipício, como se a criança fizesse um teste sobre o que poderia acontecer se ela mesma optasse por aquele caminho, que no início causava apreensão e agora parece seduzi-la.

O episódio parece fazer os pais acordarem e por um breve período direcionarem a devida atenção a filha, mas logo tudo retorna ao normal, já que nem para a mãe e muito menos para a filha é buscado uma avaliação ou iniciado algum tratamento.

Os pezinhos para cima, a cabeça para baixo e os cabelos espalhados, longos e movendo-se como asas.


Ficando realmente para a imaginação até onde as duas iriam em relação ao fascínio que a morte despertava em ambas, principalmente no que se refere a menina, cujas cobranças estéticas já ocorriam de forma nem sempre muito sutil, enquanto tudo ao seu redor era desprovido de apoio.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Indígenas de Férias



Sinopse: Mimi e Bird são um casal indígena: ela Blackfoot, ele Cherokee. Os dois viajam pela Europa seguindo a rota dos cartões-postais enviados por Leroy Bull Shield, tio de Mimi, depois dele ter sido retirado da sua reserva indígena para se tornar atração em um show de faroeste. Ao partir, Leroy havia levado a bolsa Crow, um importante artefato da família, e é com o argumento de recuperá-la e descobrir o paradeiro do antepassado que Mimi e Bird justificam suas andanças pelo mundo. Uma aventura tão insólita quanto profunda, em que íntimo e político se encontram, e que nos faz pensar não apenas sobre o envelhecimento, o companheirismo e o amor, mas também sobre a violência física e simbólica contra indígenas e refugiados.

No mês de Abril/2022 eu recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro Indígenas de Férias do premiado autor canadense Thomas King, indicação da também escritora Margaret Atwood, que tem entre os seus títulos O conto da aia. O mimo foi uma placa em rosa claro com uma frase e um desenho incompleto do rosto do escritor Fiódor Dostoiévski (este mimo tinha autores diversos e os assinantes receberam de forma aleatória).


A História

Blackbird Mavrias, Bird para os íntimos, é um fotojornalista aposentado, nascido nos Estados Unidos, é filho de um pai Cherokee e de uma mãe de origem grega. Ainda nos EUA, ele conhece a canadense Mimi Bull Shield, Mimi para quem se aventura pelas páginas, com raízes ancestrais Blackfood.

Sua estada pela Europa não é a primeira vez, após o especialista em questões indígenas parar de escrever, eles começam a seguir, após ouvir inúmeras histórias da mãe de Mimi. Bernie não se cansa de falar sobre o tio Leroy, que após ser expulso do lugar que vivia junto a família, foge levando uma bolsa Crow, também conhecida como medicine bundle, uma espécie de sacola onde são guardados itens familiares capazes de conectar a pessoa a sua ancestralidade, utilizado em rituais indígenas.

A gente não começa conversa nenhuma. Mas a gente poderia.


Conforme este tio se perde pelo mundo, envia postais para a família, e são estes postais que Mimi utiliza para convencer Bird, um homem nada apaixonado por viagens, a refazer o caminho do ancestral e quem sabe descobrir mais sobre o que aconteceu com ele.

E o último destino desta viagem é a cidade de Praga, local onde mais do que pontos turísticos, o leitor é levado ao vai e vem entre o passado de Bird e o seu presente, além de ser apresentado aos seus demônios pessoais.


A escrita de Thomas King

Em uma história que mistura tradições, a busca pela própria identidade, memórias, dúvidas e fantasmas, tudo com pitadas de autobiografia, fatos reais, além é claro da pura ficção, a narrativa escolhida foi a em primeira pessoa, onde toda a perspectiva é nos dada por Bird.

Entre pontos turísticos e caminhadas, Bird nos apresenta a desesperança em relação as questões indígenas após trabalhar quarenta anos tentando fazer alguma diferença - e neste momento é impossível não se perguntar o que Bird acharia dos acontecimentos recentes na Amazônia -, onde ele traz entre suas memórias alguns fatos reais como a morte de um indígena por frio em 1984 e as escolas residenciais no Canada onde cerca de 150 mil crianças indígenas foram levadas para aprenderem a cultura do país.

Portanto, estamos em Praga, a noite chegou e nós estamos perdidos.


E se alguém imagina que as férias de um casal de indígenas são muito diferentes de qualquer casal branco padrão, irá se enganar completamente, pois exceto pela sua busca por pistas do tio Leroy, seus passeios e escolhas gastronômicas demonstram que a nossa ancestralidade não tem mais influência do que os nossos hábitos cotidianos no estilo de viagem.

Algo que já não ocorre na narrativa, já que a repetição de palavras e frases, sim, o Portanto estamos em Praga parece seguir ecoando muito tempo após finalizar a última página, remete a repassagem de histórias e culturas de forma oral, uma técnica em que o ouvinte grave o que ouviu e depois repasse com facilidade.

Portanto, estamos em Praga e, enquanto caminhamos de volta para o hotel, a neblina toma conta da paisagem.


Aliás, este Portanto estamos em Praga também é usado como um recurso bem interessante de retorno ao presente. Toda vez que Bird se perde em lembranças ou assistindo as discussões de seus demônios, a frase surge para retornar a todos ao momento atual. As vezes soando de forma blasé, outras de puro tédio ou desinteresse, já que para o viajante em questão tudo o que se vê também é encontrado em Guelph, local onde fica a sua casa no Canadá.

A única coisa que não ficou em casa e é uma constante na narrativa são os demônios de Bird. Eugene, Kitty, Didi, Desi e Chip podem ser velhas conhecidas de vocês, leitores do blog, embora elas estejam disfarçadas por nomes e possuem até uma descrição física, já que são quatro demônios que interagem entre eles nos momentos em que Bird baixa a guarda e está mais vulnerável. 

O homem achava que podia conversar com Deus quando, na verdade, estava apenas murmurando para si mesmo.


Mais conhecidas por autodepreciação, catrastrofizar, depressão, desesperança e sensibilidade extrema, elas são presenças frequentes nos capítulos. Marcando medos, remorsos, arrependimentos, ou aquele sentimento de não ter feito algo a mais no lugar de desistir.

Obviamente, não poderia faltar a desconstrução do estereótipo ao mesmo tempo que se mostra os preconceitos não só com os indígenas, mas com todos os que se acreditam que não deveriam estar ocupando aquele espaço, como é o caso dos imigrantes recém chegados a Europa e encontrados apertados e apartados em uma estação de metrô pelo nosso casal de turistas.


O que eu achei....

Eu achei o livro muito interessante, a história traz vários temas pertinentes, como a busca pela identidade, as tradições, memórias, tudo em meio a descrições de ruas, monumentos e pratos de comida.

Gostei também da descrição da cidade, com direito a um dos tradicionais golpes que tentam aplicar nos turistas. E para quem gosta de viajar, o personagem principal - e narrador - as vezes é muito irritante, pois no lugar de admirar as belezas dos locais ele sempre acha que tem tudo igual na cidade dele, e não precisava estar ali. O que me vez invejar a paciência da Mimi.

Autodepreciação, depressão e desesperança. Um popular e poderoso ménage à trois.


Mas a história pra mim também foi uma leitura bem cansativa, por ser linear. Não existem fatos que movimentam a narrativa, mas uma série de reflexões e dúvidas sobre o que realmente vale a pena, e como isso impacta em trazer à tona os demônios que carregamos escondidos.

Foi o tipo de livro que me faz ter a necessidade de ter uma outra leitura em paralelo, para não desistir da história e também não ler correndo, perdendo assim as suas inúmeras reflexões. Então sim, gostei de Indígenas de Férias, do desejo que ele me despertou em ir a Praga e de rir com Mimi.


Indígenas de Férias
Indians on vacation
Thomas King
Tradução: Davi Boaventura
TAG - Dublinense
2020 - 320 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.


Divagando com Spoiler

Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.

Por causa dos demônios aos quais estão em constante movimentação junto de Bird, uma dúvida acabou persistindo mesmo após o fim da leitura: o personagem Oz, que Bird encontrava em todos os cafés da manhã no hotel, era real ou imaginário? E se ele era imaginário, seria um álter ego do narrador? Já que ele acaba recriando a história do tio Leroy?

O problema com os seres humanos é que nós podemos descrever nossos impulsos. A gente só não consegue explicar o porquê.


E se ele for real, a Mimi era imaginária? Já que os dois nunca se encontravam no café da manhã, seja por Mimi continuar dormindo ou por chegar depois de Oz já ter ido embora. E neste caso Mimi seria o desejo de Bird reencontrar a sua identidade entre os seus ancestrais?

Pois é nítido que a sua desistência do fotojornalismo, principalmente da escrita, vem após em meio a um projeto ele ouvir de uma mulher que a publicação não irá mudar em nada a sua vida, pois ela não traria a sua mãe, uma indígena, de volta. Algo que toca tão fundo o seu coração que o faz desistir de tudo.

Mimi sempre quis visitar Veneza, então procurar pelo seu parente perdido e pela bolsa Crow acabou sendo a desculpa perfeita.


Ou talvez os dois sejam reais e eu esteja apenas vendo pelo em ovo em uma leitura que já possui inúmeras reflexões.

Outra coisa que me surpreendeu muito foi as descrições de algumas situações no Canada. Por algum motivo sempre imaginei o país do tipo comercial de margarina e me surpreendi ao ver relacionados situações que encontramos no Brasil, como pessoas nas sinaleiras pedindo dinheiro. Uma forma de lembrar que não existe lugar perfeito e que a forma de sobrevivência das pessoas possui padrões globais que nem imaginávamos.

Em um campo intitulado Motivo da apreensão, alguém rabiscou uma nota curta, com uma letra cursiva desajeitada: Mãe índia solteira, incapaz de cuidar das crianças.


Uma coisa que achei legal é eles começarem a montar a sua própria bolsa Crow com as lembranças de viagem, e como a ancestralidade de Bird está aflorada, já que ele se incomoda com o material da bolsa.

Falando em incomodar, achei Bird e Mimi um dos casais improváveis que mais combinam, pois a paciência dela em lidar com os sentimentos dele, os ataques de hipocondria - posso estar enganada, mas ele dá toda pinta de ser hipocondríaco - e de como ela consegue convencer ele a sair do casulo apesar da resistência, tornam a personagem fantástica e definitivamente a minha favorita na história.