terça-feira, 29 de agosto de 2023

A Mulher do Século



Sinopse: Mame Dennis é uma mulher sofisticada e extravagante que, no final dos anos 1920, vive com ousadia e alheia ao que os outros pensam. Porém, quando seu irmão morre, ela se torna a guardiã legal do jovem sobrinho, o educado Patrick. Apesar do choque de temperamentos, pouco a pouco eles desenvolvem uma relação de carinho e amizade, enfrentando juntos não apenas as convenções sociais, mas também a Grande Depressão norte-americana.

No mês de Junho/2023 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação da escritora italiana Ilaria Gaspari A Mulher do Século, do escritor americano Patrick Dennis/Edward Everett Tanner III. O mimo foi um jogo de cartas.

Em um dia de chuva o Patrick adulto se depara com uma antiga edição da revista Digest e um artigo escrito por um famoso escritor, que trata da personagem mais inesquecível que ele teria conhecido. Mas já nas primeiras linhas do texto o narrador tem despertado suas memórias com a pessoa mais inesquecível que surgiu em sua vida: tia Mame.

Personagem mais inesquecível? Faça-me o favor, esse escritor não faz a menor ideia do que está falando!


Tudo começa quando Patrick tinha 10 anos, órfã de mãe, o pai faz um testamento informando quem cuidara do menino e quem administrará suas finanças. Há uma série de condições, como o filho ser criado como protestante e ser enviado para escolas conservadoras.

A morte paterna não tarda a chegar e Patrick acompanhando pela empregada da família se vê arrumando as malas e indo para Nova York. Mas ao ir para a casa da tia então desconhecida, um novo mundo se abre para o menino, que passa a viver diferentes aventuras com uma mulher realmente a frente do seu tempo.

Mas Tia Mame não era de admitir derrotas. Existia nela um certo espírito insolente, típico de uma escoteira tagarela.


De escolas experimentais, passando pelo crash da bolsa que tornou milionários em pobres em poucos dias, casamento, ida para a universidade, guerra mundial, entre outros eventos, o narrador personagem traz além de uma comparação com a personagem inesquecível da revista a sua visão de por que sua tia é a mais única entre todas.

Tudo com uma ironia e excentricidade que podem arrancar boas gargalhadas e obrigar o leitor a concordar que tia Mame é sim uma personagem inesquecível.


A escrita de Patrick Dennis


A primeira pegadinha de A Mulher do Século está no nome do autor, que sim, é o mesmo do narrador personagem e um dos vários pseudônimos do autor norte-americano Edward Everett Tanner III, que foi um dos autores mais vendidos da metade do século 20 e chegou a ter três de seus livros de uma só vez na lista dos mais vendidos do New York Times.

Em A Mulher do Século a narrativa utilizada é em primeira pessoa, sendo o relato das memórias de Patrick Dennis em relação a várias etapas da sua vida, do final da infância até a vida adulta, sempre com a presença de sua Tia Mame.

Quando a Grande Depressão a atingiu, ela se jogou em muito mais carreiras do que a Personagem Inesquecível e, de um jeito ou de outro, ela também conseguiu nos salvar.


A escrita é uma mistura de ironia, deboche, drama e comédia. Gerando um livro leve e engraçado, ao mesmo tempo que crítico e reflexivo. Pois ele relata não apenas os momentos históricos das épocas vividas pelos personagens (como o crash da bolsa, a segunda grande guerra, a conquista da autonomia feminina, conflitos entre o norte e sul dos EUA, entre outros assuntos abordados) como também o estilo de vida da alta classe nova iorquina. 

Outro ponto interessante no livro é a sua divisão, ele é dividido em dez capítulos longos, mas muito redondos com início, meio e fim da memória contada. Se fosse transformado em uma minissérie, os capítulos já estariam previamente distribuídos. Aliás, a escrita de A Mulher do Século tem bem o estilo cinematográfico, sendo muito fácil ao leitor visualizar as cenas e entrar em sintonia com os diálogos.

Ela nunca revelava sua idade exata e, em um documento oficial, uma vez, escreveu "acima de vinte e um", o que ninguém pareceu se importar de questionar."


Aliás, A Mulher do Século já foi adaptado para o cinema - um dos filmes está disponível no Youtube para quem ficou curioso - como também peça teatral em um musical da Broadway.



O que eu achei de A Mulher do Século


Eu adorei a mistura de humor e crítica encarnada por uma mulher muito à frente do seu tempo - inclusive do nosso atual. Tia Mame é uma personagem que encanta e enlouquece as pessoas a sua volta, seja com o seu estilo de encarar a vida, seja pelo toque de sorte combinado com suas escolhas.

Em cada capítulo uma surpresa que podia ter um toque surreal, sem noção, superação ou tudo junto misturado. Em paralelo é muito bonita a forma como a tia e o sobrinho se conectam, apesar de personalidades tão diferentes, criando laços definitivos.

A carreira literária de Tia Mame surgiu mais como uma espécie de terapia, para tirá-la da depressão na qual ela havia mergulhado ao se tornar viúva.


Dei muita risada com a escola diferentona escolhida pela tia Mame para Patrick na infância e o desespero do Sr. Babcock - administrador da herança do menino - ao conhecer o local. O momento sogra sendo sogra se unindo a ex do filho Burnside, para separa-lo de Tia Mame me garantiram gargalhadas pelas situações inusitadas.

Mas também tive meu momento de agonia em um capítulo que Tia Mame resolve adotar órfãos de guerra e achei o capítulo das irmãs fantasmas - não, não tem fantasma na história, mas apelidei assim pelas irmãs andarem sempre de branco - o mais fraco. Mas não desnecessário, pois ele tem motivo para estar ali.

Quer dizer, existem certas coisas que você faz do jeito certo ou é melhor você nem fazer.


No geral eu adorei, me diverti e achei a leitura extremamente agradável. Me apaixonei pela Tia Mame, o que me faz recomendar e muito a leitura.


A Mulher do Século
Auntie Mame
Patrick Dennis / Edward Everett Tanner III
Tradução: Davi Boaventura
TAG - Dublinense
Edição 2023 - 352 páginas
Publicado originalmente em 1955

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

A boneca de Kokoschka



Sinopse: Em uma Dresden devastada pelos bombardeios, Bonifaz Vogel esconde na sua loja de pássaros o jovem judeu Isaac Dresner. A partir daí, vão entrando em cena diversos personagens, incluindo Mathias Popa, autor de A boneca de Kokoschka, que conta a história do pintor Oskar Kokoschka e da sua boneca, feita à imagem e semelhança da sua amada. E dessa singular galeria de vidas, Afonso Cruz compõe um irônico e magistral jogo de matrioskas, no qual a realidade se confunde com a ficção e cada história é ressignificada pelo olhar do outro.

Em meio a segunda guerra mundial, o jovem Isaac Dresner corre desesperadamente para salvar a sua vida. É na loja de pássaros onde seu pai havia construído uma cave que ele encontra a salvação ao se esconder no local. Um dia, passa a falar de seu esconderijo com Bonifaz Vogel, o dono do local, que curiosamente obedece a voz sem dono, gerando uma curiosa relação.

Com o fim da guerra, Isaak apesar de ser o mais jovem, adota Bonifaz, ao grupo se une Tsilia, que os encontrou por acaso na rua após fugir do local onde morava. Mudam de país para se reconstruir através da pintura e de uma livraria. E é o encanto de Isaak pelos livros que o faz cruzar com o escritor Mathias Popa.

Sabia que aquilo acontecia dentro da sua cabeça, mas tinha a estranha sensação de que as palavras vinham do soalho, passando-lhe pelos pés.


E este encontro irá gerar um livro dentro de um livro, onde o foco é Adele Varga, que após a guerra contrata um investigador para descobrir os mistérios que sua avó escondida. A chave de tudo é o autor que se torna personagem na própria história e transforma tudo em um jogo de espelho, quando as semelhanças entre a realidade da ficção de Afonso Cruz começam a ser refletida na ficção de Mathias Popa, e vice-versa.

E é neste romance também que o leitor irá encontrar a explicação do título, ou melhor, toda a origem da criação da boneca de Kokoschka.


A escrita de Afonso Cruz


A boneca de Kokoschka recebeu o Prêmio da União Europeia para a Literatura em 2012, mas este não é o único motivo pelo qual o livro do escritor português Afonso Cruz merece ser lido.

Com uma escrita que mistura agilidade, reflexões, cenas fortes, toques cômicos e lirismo, ele divide a sua boneca de Kokoschka em três partes mais o romance de Mathias Popa. Sendo a primeira parte referente a guerra, a segunda parte com as memórias de Isaac - e por tabela de Bonifaz e Tsilia - e seu encontro com Popa, o livro de Popa e a última parte onde temos um novo personagem.

As pessoas diziam que ele era estúpido e ele concordava acenando com a cabeça e passando os dedos no queixo.


Os capítulos são curtos, rápidos, as vezes fortes, outras vezes objetivos e também há momentos em que se explica um pouco mais sobre os personagens. A narrativa em sua maioria está em terceira pessoa, havendo alguns momentos nas memórias e cartas que o autor utiliza a narrativa em primeira pessoa.

O resultado é um livro envolvente que exige atenção para não se perder nos acontecimentos e reviravolta, pois se o início da história parece mais simples, no decorrer das páginas ela vai ganhar uma complexidade que não permite devaneios entre os parágrafos.

 

O que eu achei de A boneca de Kokoschka


O livro tem logo de início a cena mais emblemática para mim, Isaac Dresner brincando com um amigo vê o mesmo ser baleado na cabeça por um soldado alemão, e quando o garoto vai ao chão, a sua cabeça cai justamente no pé direito de Isaac. O peso da cena trágica o acompanhará para sempre, já que ele passa a coxear ligeiramente na perna direita, carregando eternamente os efeitos de uma guerra.

Já para o final achei surpreendente o cuidado pelos detalhes da obra de Mathias Popa, já que o livro dentro do livro é completo, com direito a capa, capítulos e apresentação do autor. E claro, o nome da editora do Isaac.

E, se o que é harmonioso e proporcional é fácil de reconhecer, donde vem essa atroz desproporção que vemos no mundo?


E apesar de ter sentido um certo estranhamento e perdido um pouco do meu ritmo de leitura quando comecei a ler o livro dentro do livro, no geral eu gostei bastante da obra.

Principalmente da primeira parte que eu achei triste e ao mesmo tempo formidável o fato do menino se comunicar pelo chão e o senhor simplesmente obedecer a aquela voz. O cuidado do menino que passou a auxiliar até nos negócios da loja e no fim da guerra se sentia pai de quem o ajudou sobreviver.

É assim o nosso destino, fazemos curvas e parábolas para que ele se cumpra com perfeição.


Pois existe muita humanidade entre os personagens, no auxilio mútuo e em suas buscas após anos de muitas perdas, e na eternização da memória através das histórias.  

Um livro que me chamou a atenção pelo resumo e não decepcionou, ficando aqui a minha recomendação de leitura.


A boneca de Kokoschka
Afonso Cruz
Editora Dublinense
Edição em Português de 2021
2010 - 288 páginas

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Lar em chamas



Sinopse: Nacionalidade e cidadania são um privilégio, não um direito de nascença, nesta história em que se acompanha não apenas a devastação de duas famílias, mas também tocantes histórias de amor incondicional e sacrifícios. Entre irmãos, entre pai e filho, entre amantes. Ao adaptar a tragédia Antígona de Sófocles, para Inglaterra contemporânea, a paquistanesa Kamila Shamsie construiu um romance pujante e arrebatador, vencedor do Prêmio Women's Prize for Fiction 2018.

No mês de maio/2023 eu recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro Lar em Chamas da escritora paquistanesa Kamila Shamsie. A indicação foi da escritora brasileira radicada em Londres Nara Vidal. E o mimo foi um abridor de garrafas no formato dos óculos do escritor português José Saramago.

Após uma pausa em sua vida pessoal para criar seus irmãos gêmeos Parvaiz e Aneeka, Isma, uma britânica muçulmana, enfrenta uma delicada entrevista para sair de Londres e ir realizar um doutorado em sociologia nos Estados Unidos. O comportamento de dois familiares muito próximos não conta a seu favor, mas suas últimas decisões a fazem ter respaldo para iniciar os seus estudos em paz e conhecer Eamonn, filho de um influente político britânico de origem islâmica que não recebe votos de quem tem a mesma origem devido as suas falas controversas.

Ela previra o interrogatório, mas não as horas de espera que o precederiam, nem que seria tão humilhante ter o conteúdo de sua mala inspecionado.


Eamonn vive da mesada da mãe enquanto não sabe o que irá fazer da vida. Sem contato com o lado islâmico da família paterna, é cosmopolita, e se encanta pela beleza de Aneeka ao ver uma foto da moça na casa de Isma, e assim buscar uma desculpa para encontrá-la pessoalmente em seu retorno para Londres.

Aneeka brigou com a irmã e não fala mais com ela, mas ao conhecer Eamonn vê no rapaz uma oportunidade de resgatar seu irmão gêmeo, que foi iludido e caiu na lábia dos jihadistas. Parvaiz, o irmão, não possuía informações nem fotos do pai, que ao pertencer a mesma organização terrorista se tornou assunto tabu dentro da família, e em sua inocência, ao receber informações tão preciosas sobre esta figura ao mesmo tempo importante e desconhecida para ele, foi facilmente enganado, e agora se vê em uma realidade difícil de escapar. 

O pai dele costumava ser assunto de conversas durante o café, mas sempre como "meu pai", nunca como um homem perante a opinião pública.


O resultado disto tudo é um romance que irá mexer com a estrutura de ambas as famílias de forma definitiva, em uma mistura de assuntos atuais e uma peça clássica que mexeram comigo do início ao fim.


A escrita de Kamila Shamsie


Foi o convite para adaptar Antígona, uma das famosas peças da Grécia antiga, somado a inúmeras notícias de jovens britânicos se unindo ao Estado Islâmico em 2015 que inspiraram a autora Kamila Shamsie a escrever o romance Lar em Chamas, que faz uma releitura com grande intensidade da peça clássica.

Divido em cinco partes, cada uma contém a visão de um dos narradores, e aborda assuntos como o luto, o amor, política, imigrantes, islã, cidadania e família. O que me permitiu conhecer um pouco mais da história de cada um dos personagens envolvidos. Seus sonhos, seus anseios, suas perdas e aflições. O que na minha visão me aproximou muito de todos eles, tornando a angustia de se aproximar das páginas finais maior, já que estamos falando de uma tragédia grega.

Como é possível parecer exatamente a mesma de ontem? Devia parecer como se uma tempestade tivesse passado.


O que achei interessante é que ao dividir em cinco partes, não estamos vendo o mesmo momento na visão de cinco personagens diferentes, mas a sequência dos fatos. O que permite ver com clareza a diferença dos mundos, embora todos sejam de origem britânica-paquistanesa, e também suas semelhanças, como as escolhas de Isma e Karamat, que tentam se livrar dos estigmas para atingir sucesso profissional.

A escrita de Kamila Shamsie é envolvente, as descrições, principalmente em cenas chaves, nos colocam ao lado dos personagens, podendo gerar questionamentos ou compartilhamento de dor. Ao mesmo tempo, como ocorre na vida, nem os personagens nem o leitor tem a visão de tudo e todos o tempo todo. Há alguns saltos conforme a autora muda o narrador, mas nada que não permita ter o amplo entendimento da história.


O que eu achei de Lar em chamas


Por se tratar de um romance inspirado em uma tragédia grega, era previsível que haveria cenas fortes, mas nem isso me impediu de ficar chocada e ter aquele momento de leitor de pensar que poderia ser diferente.

Uma escolha errada por um rapaz no final de sua adolescência somada uma coincidência inesperada me fez pensar na palavra destino e em um filme antigo chamado Efeito Borboleta, onde um bater de asas pode mudar tudo. E é isso que ocorre na vida das duas famílias, onde pessoas que são consideradas estrangeiras no país que nasceram não respondem apenas pelos seus atos, mas por toda a comunidade que fazem parte.

Como ele odiava sua vida, aquele bairro, a inevitabilidade de tudo.


E por isso gostei muito da troca de visão dos personagens enquanto a história seguia andando, pois com a evolução dos acontecimentos a minha opinião ia mudando, assim como os meus sentimentos em relação a eles. Pois na história ninguém é mocinho ou bandido, são todos extremamente humanos, e aos conhece-los era possível imaginar o impacto de cada acontecimento em suas vidas.

Gostei da escrita da Kamila Shamsie, achei direta e simples, e ao mesmo tempo poética e impactante. Tornando a leitura mais do que recomendada para quem gosta de um bom livro. 


Lar em Chamas
Home Fire
Kamila Shamsie
Tradução: Lilian Jenkino
TAG - GRUA
2017 - 286 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.