quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A Trégua



Sinopse: Publicado em 1960, A trégua é o mais famoso romance de Mario Benedetti e uma das obras mais importantes da literatura latino-americana contemporânea. Escrito em formato de diário, com um texto incisivo, muitas vezes irônico, o livro conta a história de Martín Santomé, um "homem maduro, de muita bondade, meio apagado, mas inteligente."

No mês de setembro recebi da minha assinatura da TAG Curadoria o livro indicado pela escritora Aline Bei chamado A trégua do escritor uruguaio Mario Benedetti, que já havia sido enviado pelo clube em fevereiro/19 com o romance Primavera num espelho partido. O mimo foram duas colheres de café.

É através do diário pessoal de Santomé que o leitor descobre que este homem se encontra próximo do seu aniversário de cinquenta anos e parece estar entrando na famosa crise da meia idade ao contar os dias para a sua aposentadoria de uma forma um tanto desanimada, pois não sabe o que irá fazer da vida quando ela chegar.


Digo a mim mesmo que não, que não é do ócio que preciso, mas do direito a trabalhar no que eu quiser.


Viúvo a mais de vinte anos quando sua esposa Isabel morreu no parto do filho caçula, ele mantém uma relação um tanto distante com os três filhos agora adultos. Também não possui nenhuma relação amorosa, tendo encontros esporádicos de apenas algumas horas com algumas mulheres aos quais não procura saber maiores detalhes.

Sua rotina muda drasticamente quando ele resolve prestar a atenção em uma nova funcionária que está sob a sua supervisão, uma moça que regula de idade com a sua filha e parece bastante tímida, e também bastante atenta e competente. E aos poucos Avellaneda vai sem fazer esforço algum ganhando o seu coração, dando uma trégua em sua vida sem cor, e trazendo à tona um homem diferente até em relação aos filhos.


Mas tudo sempre foi por demais obrigatório para que pudesse me sentir feliz.


Por ser um diário, A Trégua não possui capítulos, mas dias, e assim o leitor é convidado a acompanhar a vida de Santomé do dia onze de fevereiro até o dia vinte e oito de fevereiro do ano seguinte, sem identificação do ano exato. Naturalmente é uma narrativa em primeira pessoa, onde o personagem expõe sem pudor os seus pensamentos em relação aos filhos, aos colegas e a sua vida em geral.

E por este motivo é um livro sobre escolhas, ironias do destino, relações familiares, relacionamentos pessoais, felicidade e tristeza, no melhor estilo a vida como ela é, sem filtros ou photoshop para deixar os acontecimentos do jeito que os personagens gostariam, pois ao contrário das redes sociais, diários são memórias lidas apenas pelo seu autor.


As pessoas me olham, me sorriem, algumas até chegam a fazer careta que precede o soluço; depois se dedicam a abrir o coração.


Ao contrário de Primavera num espelho partido, eu gostei muito de A Trégua, pois se no primeiro achei a história um pouco superficial, aqui são os pensamentos em palavras, questionando Deus, a vida e a morte. Pois Santomé é extremamente comum, e, portanto, muito humano, em sua forma de se expressar e de reagir conforme a época em que vivia. 

É interessante ver as dubiedades humanas, como a falta de ânimo que Santomé tem com a aposentadoria, e mesmo assim paga para obtê-la de forma mais rápida. O enorme amor que diz ter por Avellaneda, sem nunca perguntar a sua opinião ou usar o seu primeiro nome, Laura, em nenhum momento em que compartilham suas vidas.


A segurança de me saber capaz para algo melhor me deu o controle da postergação, que no fim das contas é uma arma terrível e suicida."


Ou o fato do filho preferido não se sentir amado, e assim preferir fugir de sua família, considerando de pronto que eles não irão aceitar as suas escolhas, impressão plenamente justificada por outros comentários feitos por Santomé em outros momentos e pela reação de seu irmão.

De bônus o leitor ganha uma viagem literária por Montevideo, onde pode circular por seus cafés e praças, despertando para quem tem o espírito de sair por aí, o desejo de replicar os passos de Santomé e conhecer a capital uruguaia ao vivo e a cores.


Às vezes, penso que precisaria viver apressado, tirar o máximo partido destes anos que restam.


Um livro de fácil leitura, relativamente curto, mas que pode levar o leitor a refletir sobre a vontade de viver e de morrer, sobre sobreviver e estar vivo, sobre envelhecer e rejuvenescer, sobre relações humanas, planos, expectativas e desejos. E sobre ficar com aquela pulga de como será o dia seguinte.


A Trégua
La Tregua
Mario Benedetti
Tradução: Joana Angélica D'Avila Melo
TAG - Alfaguara
1960 - 205 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autor da resenha.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Em Fogo Lento


Sinopse: Quando um jovem é encontrado brutalmente assassinado em seu barco em Londres, questões são levantadas a respeito de três mulheres que o conheciam. Uma jovem problemática, uma vizinha bisbilhoteira, uma tia enlutada: quando se trata de vingança, até pessoas boas são capazes de cometer atos terríveis. Por quanto tempo os segredos podem queimar em fogo lento até explodir em chamas incontroláveis?

No mês de setembro eu recebi pela minha assinatura da TAG Inéditos o novo livro da autora britânica Paula Hawkins chamado Em Fogo Lento. O mimo foi um chaveiro de madeira em forma de pássaro.

Foi a curiosidade que levou Miriam até o barco de Daniel sob a justificativa que o tempo para ele ficar atracado naquela área já havia expirado. O que ela não contava era que o dono estivesse esfaqueado, o que o leitor não entende é porque além de chamar a polícia ela resolve guardar um dos objetos que estavam na cena do crime.


Ela está em agonia, mas a dor perdeu a importância, eclipsada por outros sofrimentos.


A primeira suspeita é Laura, uma jovem que havia passado a noite com Daniel e já possui ficha na polícia. Quando menina ela era tinha uma inteligência considerada acima da média, mas um acidente muda todo o curso do seu caminho futuro, e hoje ela tem dificuldade para conter suas emoções, podendo agir com violência conforme a forma como é tratada.

Carla é a tia e a última parente que restou de Daniel para ser avisada, após a sua irmã Angela, que era também a mãe de seu sobrinho, ter morrido oito semanas atrás em um acidente doméstico. Seus encontros com o sobrinho eram escondidos do ex-marido e escritor de sucesso Theo, devido a um acontecimento passado que mudou suas vidas.


O que na real, é mentira, porque não aconteceu nada e, de qualquer jeito, foi ele quem começou.


Além delas temos Irene, a vizinha de Angela já idosa, ela conta com o suporte de Laura para compras básicas, e observando tudo de sua casa, ela, assim como o leitor, tenta juntar as peças com base no que vê e nos próprios instintos.

Para os policiais, cujas presenças são bem pontuais, resta descobrir provas que liguem a vítima a suspeita mais óbvia, mas conforme os personagens têm o seu passado desvendado, nada é tão claro como parecia ser.


Já sei o que você vai dizer. Não foi culpa sua. Nunca é culpa sua. Talvez não seja.


Eu já havia lido A Garota no Trem da Paula Hawkins, que também gira em torno de três mulheres, e também trabalha muito mais o psicológico de seus personagens do que o crime em si. Algo facilmente identificado no livro Em Fogo Lento, onde mais do que saber quem matou Daniel, eu queria entender o que havia acontecido com cada um dos envolvidos, que escolhas o haviam levado até aquele momento.

Utilizando a narrativa em terceira pessoa, Paula Hawkins apresenta Em Fogo Lento além da narrativa principal, trechos do livro de Theo, chamado Aquela que escapou, que sim, tem relação com a história e comportamento de alguns dos personagens. A escrita fluída torna a leitura bastante fácil, e conforme os pontos chaves vão surgindo, a vontade de virar mais uma página não me abandonava.


Algumas pessoas olhavam para ela e fingiam que ela não existia, outras olhavam para ela e achavam que podiam pegar o que quisessem, imaginando que ela fosse fraca e que não faria nada a respeito.


Eu gosto bastante da escrita da autora, de como ela faz a vida dos personagens se cruzarem, de usar o psicológico para mostrar que todos tem algo de bom e de ruim, não sendo perfeitos como os próprios leitores.

Neste tipo de leitura normalmente eu faço ainda no início as minhas conexões, aos quais vou confirmando ao longo da história, e modéstia parte, eu fui bem nas minhas deduções Em Fogo Lento. 


Quando foi que eu disse que você podia encostar a mão em mim?


Entre os personagens, confesso que Irene ganhou um carinho especial da minha parte, pois ela lembrou muito uma vizinha minha, a Dona Nésia, que era bem curiosa e estava sempre de olho em tudo, aliás, graças a ela um assaltante foi afugentado do nosso pátio uma vez.

Voltando ao livro, não posso deixar de falar das personagens Laura e Miriam, que pareciam gritar por ajuda, o trauma das duas mulheres são realmente devastadores, e no caso de Laura tem o agravante de ter uma família totalmente afastada, que simplesmente abandonou a jovem, como se as sequelas do acidente a desqualificassem para qualquer afeto. 


Ela sempre reagia exageradamente ao ser esnobada; era assim que ela era, e ter consciência de algo sobre si mesma não impedia que esse algo acontecesse.


Fechando os personagens, o casal Carla e Theo apertaram o coração. Apesar de separados pela pior circunstância da vida, o amor e o carinho que um tem pelo outro é imenso, assim como os segredos que eles escondem um do outro para que não se machuquem mais.

E por se tratar de pessoas com muitas perdas, não raro eu ficava pensando se iria surgir um outro elemento para assumir a culpa, ao mesmo tempo que me recordava que algumas pessoas em situações extremas não aguentam a pressão e acabam utilizando da violência para encerrar os focos de seus tormentos.


Ainda não havia formulado a verdadeira pergunta; não tinha se permitido fazer isso.


Ficando a dica para quem gosta de um bom suspense, se empolga com o psicológico dos personagens, curte montar um quebra-cabeça ou brincar de detetive. O único risco é olhar para o título e ficar com a música fuego lento na cabeça.


Em Fogo Lento
A Slow Fire Burning
Paula Hawkins
Tradução Flavia de Lavor
TAG Inéditos - Record
2021 - 320 páginas

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terça-feira, 19 de outubro de 2021

Aqueles olhos verdes



Sinopse: Em seu novo romance José Trajano nos leva a uma fazenda no interior do Rio de Janeiro, o palco central da vida de Zé Reis. Conhecido pelos imensos olhos verdes e por sua paixão pelo futebol, na fazenda da Forquilha ele funda o Rio das Flores Futebol e Regatas e abre as portas do impressionante casarão - e do valente time amador. Misturando ficção e realidade, Aqueles olhos verdes é um delicioso passeio por festas, culinária, futebol, tradições, música e política do Brasil desde o fim dos anos 1930 até o início dos 1960.

O futebol brasileiro é cheio de histórias e lendas, o que naturalmente pode render biografias, ficções, crônicas ou uma mistura de realidade e imaginação. E é justamente utilizando-se da segunda que o jornalista, comentarista de futebol e escritor José Trajano nos apresenta em Aqueles olhos verdes.


Gordinho, não jogava bem, mas não lhe faltava raça e era um esforçado zagueiro.


Em uma viagem a cidade de Rio da Flores, no Sul Fluminense, o narrador da história encontrou um túmulo cuja inscrição exclama que o futebol deve muito a José Ignácio dos Reis. A curiosidade despertada por essa informação gera os capítulos a seguir.

A história de Zé Reis tem início em sua vida adulta, nos anos de 1938, período em que o Brasil era governado por Getúlio Vargas. Seu irmão mais velho - e seu patrão - Vicente era um integralista, também conhecido como camisas-verdes, grupo que era contra a ditadura do governo de Getúlio, mas a favor de Franco na Espanha.


O fracasso do golpe ocorreu principalmente pelas enormes trapalhadas protagonizadas pelos integralistas.


Apesar de aplaudir o atual governo, Zé Reis acompanha os camisas-verdes e inclusive atende o seu líder após uma tentativa de golpe sem sucesso. Mas o que importa para ele é o futebol, e nestas aventuras ele tem a possibilidade de assistir a um Fla-Flu no Estádio dos Laranjeiras enquanto o grupo observa a passagem que há no lugar e leva diretamente até o Palácio que é moradia do presidente.

Neste mesmo ritmo ele tem a possibilidade de se mudar para Rio das Flores e gerenciar a fazenda do irmão, onde também ele precisa abrigar opositores perseguidos enquanto verifica o que a fazenda pode produzir. Logo ele acaba integrando a comunidade local, se apaixonando e casando com Jandira, e participando do time da cidade, que consegue virar sensação no campeonato carioca durante um curto espaço de tempo e recebe visitas ilustres.


Achava estranho Zé Reis, o administrador, se casar com moça negra, família humilde, empregada da fazenda.


E é nesta mistura de história e futebol que fatos como a segunda guerra mundial, inauguração da TV Tupi e do Maracanã, o suicídio de Getúlio e a transmissão da primeira copa do mundo se misturam, sendo somados a episódios pitorescos, algumas vezes cômicos, que se não foram inspirados em fatos reais poderiam muito bem passar como verdadeiros.

Além disso estão curiosidades do dia-a-dia dos próprios brasileiros da época, que vão de pontos turísticos do Rio, passando pela casa de candomblé em Duque de Caxias até o teatro de revista de Eva Todor.


Na eleição de 1945, as mulheres votaram pela primeira vez para presidente.


Narrado em terceira pessoa, como se alguém conversasse com o leitor, o livro tem o seu texto distribuído bem ao centro, com letras de bom tamanho, o que pode agradar principalmente aos leitores mais velhos que já não conseguem ler de perto tão bem assim. José Trajano se utiliza de livros, jornais, revistas e experiências próprias para contar a história de Zé Reis, tudo referenciado em um capítulo final, para quem tiver curiosidade de buscar por mais.

Há também uma curiosidade, o nome do personagem é uma homenagem do autor ao seu avô, que também gostava de boa conversa, contar histórias e andar a cavalo, só não era fã de futebol como o neto.


Houve intensas e acaloradas discussões na Câmara de Vereadores sobre a construção do Maracanã por causa da Copa do Mundo.


Aqueles olhos verdes pode agradar principalmente os fãs de futebol, principalmente do carioca, já que se tem uma boa visão dos acontecimentos até o início dos anos de 1960. Grandes nomes do futebol nacional e internacional viraram personagens na história, fornecendo todo um contexto sobre como os campeonatos funcionavam na época, as excursões que os times realizavam, além é claro da influência política.

Aliás, além das referências citadas pelo autor, eu ouso indicar para quem ficar curioso sobre as sucessões políticas no Brasil a biografia do Chatô, o dono da citada TV Tupi na história, onde há um paralelo sobre as relações da imprensa com o poder.


Zé Reis, como fazia ao receber notícias tristes, saiu pela entrada e não voltou naquela noite para casa.


Confesso que eu particularmente não sou uma entusiasta do futebol carioca, não torço para os times do Rio e nem acompanho, mas a parte do contexto histórico realmente me chamaram a atenção, pois foi uma forma leve de rever alguns fatos políticos do nosso passado um tanto recente, que parecem se repetir de tempos em tempos e cujas decisões ecoam até hoje entre eleitores e seus representantes.

Ficando a dica aqui no blog, principalmente para os aficionados pelo esporte que é paixão não só no Brasil, mas também em diversos países do mundo.


Aqueles olhos verdes
José Trajano
Alfaguara
2021 - 242 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Carrossel Sombrio e outras histórias



Sinopse: Uma odisseia sobre a complexidade da mente humana, um livro hipnótico e inquietante. Cada um dos seus treze contos - dois deles escritos em parceria com Stephen King - explora as facetas de nossos segredos mais aterrorizantes, nossas vulnerabilidades mais profundas e nossos medos mais primordiais, consolidando Joe Hill como uma das mais poderosas vozes da literatura de suspense atual.

Enviado em julho/20 para associados da TAG Inéditos, Carrossel Sombrio é um livro de contos de suspense e terror escrito por Joe Hill, nome artístico utilizado por Joseph Hillström King, que é filho do mestre do terror Stephen King.

E é justamente sobre esta filiação e a escolha de um pseudônimo que são explicadas na introdução Quem é o seu pai? onde ele conta histórias da infância, a relação familiar, as primeiras escritas, as publicações, o abrir as portas sozinho sem utilizar o nome dos pais.

Após vem os treze contos que compõe o livro, sendo dois em parceria com Stephen King, aos quais vou repassar um a um para quem ficou curioso sobre o livro, mas sem spoiler, para não estragar as surpresas de quem entrar neste carrossel.

Alta Velocidade é o conto que faz o carrossel começar a rodar, e é o primeiro da parceria Hill e King. Aqui a relação conturbada de pai e filho atinge o seu ápice após o grupo de motoqueiros que lideram serem perseguidos por um caminhão.


Sabe, só porque eu sou seu pai, não significa que preciso gostar de você.


Para quem achou a história conhecida, ela é inspirada em um dos filmes que fizeram parte da vida dos dois chamado Encurralado, e foi escrito originalmente para uma antologia que homenageava o criador da história original Richard Matheson. O que significa que temos muita correria e perseguição, tornando a leitura bem dinâmica.

O segundo conto é quem dá o título ao livro, Carrossel Sombrio leva o leitor a acompanhar um grupo de jovens com atitudes inconsequentes. Na noite em que eles estão se despedindo para iniciar o caminho da vida adulta, eventos que misturam realidade e fantasia irão afetar suas vidas para sempre. 


Os dois me levaram a fazer coisas das quais me arrependi no momento, mas que foram um prazer lembrar mais tarde.


Este é o conto em que Hill acha mais parecido com o estilo do pai, ao ponto que o sobrenome dos irmãos da história serem uma homenagem a um dos personagens do livro Campo de batalha. É o tipo de história que você fica se perguntando o que realmente está acontecendo.

Estação Wolverton me lembrou a conhecida frase do filósofo inglês Thomas Hobbes em que diz que O homem é o lobo do homem. No conto que poderia muito bem ser uma analogia ao que ocorre no mundo dos negócios, onde sempre pode aparecer um mais forte para eliminar a sua concorrência, um frio homem de negócios se vê dentro de um trem inglês lotado de lobos vestidos como humanos.


A empresa operava da seguinte maneira: eles descobriram uma cafeteria de bairro que estava indo bem e abriam uma loja do outro lado da rua.


O conto foi escrito durante uma viagem do autor pelo Reino Unido, onde percorreu o país de trem, e uma das paradas pela qual passou foi a Wolverhampton, o que gerou a brincadeira com a semelhança com a palavra Wolf, que é lobo em inglês. Eu, particularmente achei um dos contos mais fracos.

Já em Às margens prateadas do lago Champlain crianças encontram uma enorme criatura ao lado de um lago, inicialmente confundido com uma enorme pedra, o ser que parece morto vira objeto de curiosidade delas, que tentam a todo custo chamar um adulto para certificar a sua descoberta e quem sabe ajuda-las a ganhar uma recompensa.


Ela levou o caleidoscópio até o olho, contando com seus poderes especiais para penetrar na névoa e revelar onde a escuna afundara.


Em uma história inspirada em uma viagem de infância, onde o autor viajou para a Escócia na expectativa de ver o monstro do lago Ness, ele tem a inocência do primeiro amor misturada com um momento de falta de atenção materna. O conjunto me deu particularmente uma agonia, pois como estamos falando de contos de terror, se cria a tensão do que exatamente irá acontecer.

Claramente inspirado em várias fantasias infantis, Fauno nos apresenta um grupo de caçadores atrás de um leão. Quando um milionário salva o filho do responsável pelo grupo da morte certa, é convidado a participar de uma expedição muito especial, onde passando por uma porta específica, poderá matar criaturas únicas.


O leão estava demorando para encontrar o cheiro, mas ele já era idoso, um avô.


Em uma mistura de Alice no País das Maravilhas e Nárnia, uma porta em uma casa antiga de tempos em tempos revela um lugar mágico, com fadas, elfos e outras criaturas que pareciam existir somente no imaginário. Só que quem encontrou este mundo aqui não era uma criança, mas um homem que resolve cobrar 250 mil dólares por pessoa que queira participar da expedição.

O conto que eu mais gostei foi Devoluções Atrasadas, e imagino que não tenha um leitor que não se identifique com ela, já que se trata da última leitura após a morte. Aqui uma biblioteca móvel retorna no tempo e seu atendente recebe a devolução de livros que nunca haviam sido entregues devido a morte de seus portadores, e acaba dando a dica de uma última leitura para eles.


Ambos temiam deixar o filho único com o fardo de cuidar dos pais por anos a fio e decidiram agir antes que o poder de escolha lhes fosse tirado.


Além de achar muito bonito, fiquei imaginando que se ela existisse, seria o meu paraíso, pois já me peguei pensando em como a vida é curta para ler tudo o que desejo.

Em Tudo que me importa é você temos uma menina mimada que no dia que completa dezesseis anos está triste por ter que cancelar todos os seus planos devido ao desemprego recente de seu pai. Seu dia muda quando precisando de ajuda para chegar em casa ela resolve usar um robô identificado como um amigo movido a fichas, que por uma hora só se importa com a pessoa que inseriu o valor.


Acho que a maior parte dos empregos talvez seja isso: ser uma vítima de aluguel.


Em um futuro bem mais tecnológico, onde os bens de consumo mudaram, mas não o perfil de quem os ostenta, o conto é muito mais uma mistura de filosofia e drama sem que isso o desqualifique para participar da trama. Embora seja assustador pensar que por mais que a tecnologia avance, o ser humano não melhora em nada nem na ficção.

O que acontece na cabeça de uma pessoa após ter participado de uma guerra? É o tema abordado em Impressão Digital, que nos apresenta Mal, dispensada a oito meses de sua missão no Iraque, ela convive com alguns arrependimentos e se sente ameaçada após receber uma impressão digital pelo correio.


Continuou indo em frente até ficar sem fôlego e o céu parecer girar, como se fosse o teto de um carrossel.


Ao abordar a transformação de soldados em torturadores durante a guerra e o impacto que isso tem principalmente entre os mais jovens, o conto aborda um diferente tipo de terror, os dos danos que situações extremas causam e a dificuldade de viver em normalidade após ações que nada tem de humanas.

Em O diabo na escada a primeira coisa que chama a atenção é a forma: o texto está distribuído de forma que simulam a imagem de uma escada, com degraus ora mais largos, ora mais próximos, permitindo o leitor caminhar junto com o narrador por Positano, na bela Itália.

No conto há uma lenda local, onde se você seguir descendo por uma escadaria e abrir o portão que separa o mundo dos humanos, irá encontrar o inferno.


Por anos meu pai teve um burro para carregar as pedras. Depois que o bicho caiu morto, ele teve a mim, seu rebento.


Um jovem sonha em uma vida melhor e é apaixonado pela prima. E em um ato de ciúmes ele acaba cruzando esta linha tão assustadora para o seu pai. A forma da escrita e o ambiente te instigam a ler a história rapidamente, lembrando aquelas histórias antigas contadas e recontadas tantas vezes.

Sabe aquelas histórias malucas que poderiam ser muito bem reais? Eis ela em Twittando no circo dos mortos. Uma família em férias viajando pelas estradas secundárias dos Estados Unidos e sua filha adolescente entediada narrando tudo pela sua conta do twitter.


Quer saber o que está acontecendo? Estou gritando por dentro.


É o típico terror usando assuntos da moda e do cotidiano, sendo ao mesmo tempo muito louco e interessante, porque é muito fácil imaginar a situação bizarra no mundo real. Ah, e poderia facilmente ter uma versão Stories do Instagram.

Em Mães nos deparamos com uma mãe tentando fugir de uma comunidade com o seu filho, com a morte materna, o menino cultiva a saudade cercado de pessoas com pensamentos distorcidos. Com uma sequência de acontecimentos que vão envolvendo o leitor e deixando em dúvida o limite da realidade e da fantasia.


Cerais com açúcar refinado e conservantes não são permitidos na casa dos McCourt - os conservantes nos cereais açucarados são famosos por causar autismo e homossexualidade.


Além do conto ser muito bom, ele se torna apavorante por ver muitas pessoas nos dias de hoje terem ideias distorcidas como os personagens da história. É louco ver como as pessoas aderem aos conceitos mais sem noção, prejudicando a si e aos outros.

Um casal de irmãos gêmeos percorre as estradas secundárias dos Estados Unidos em Campo do Medo. Ao passar por um grande campo escutam um grito de criança pedindo socorro e param para ajudar, sem saber que estão caindo em uma armadilha.

Este conto também foi escrito em parceria com Stephen King e virou um longa-metragem adaptado na Netflix - pelo trailer já vi que a história não é exatamente igual, mas que a princípio conserva a base.


Ele queria silêncio em vez de ouvir o rádio, então pode-se dizer que a culpa foi dele. Ela queria ar fresco em vez do ar-condicionado, então pode-se dizer que a culpa foi dela.


Também gostei muito da tensão da história, dos pequenos detalhes que passam despercebidos pelos personagens, e conclui que de fato se um dia viajar de carro pelas estradas americanas, vou procurar ficar apenas nas estradas principais.

Você está liberado é o conto que fecha este carrossel. Aqui a narrativa é distribuída em diferentes visões para contar toda a agonia dos passageiros e tripulantes em um voo viajando pelo espaço aéreo americano após receberem a notícia de um ataque a uma base da força aérea.


Recebi uma mensagem da nossa equipe de solo e, depois de refletir sobre ela, parece adequado compartilhá-la com vocês.


Entre fragmentos de personalidades misturadas a detalhes do seu passado, os diferentes passageiros conseguem passar toda a tensão e medo quando aos poucos as notícias vão aparecendo e fica claro para todos a situação que estão enfrentando. É uma história que arrepia, pois não é algo inverossímil, sendo muito fácil se sentar em uma das poltronas e sentir a aflição que atinge os personagens. 

De bônus o autor nos conta no final todas as suas inspirações para cada história, que podem ser outro escritor ou uma viagem de férias.

Eu particularmente gostei muito da mistura de estilos que Joe Hill optou para compor a sua coletânea, começando pela narrativa ao qual cada conto tem a sua, não parecendo mais do mesmo, até as histórias em si, que vão do terror raiz ao psicológico.

Aliás, sempre acreditei que a base de um bom terror está no psicológico de seus personagens e no que ele faz no do leitor. Algo que os contos de Carrossel Sombrio atendem muito bem.

Naturalmente se você não for fã do gênero pode não curtir, aliás, este é um dos livros mais massacrados entre os associados da TAG Inéditos. Mas para quem gosta, irá comprovar o ditado que a fruta nunca cai longe do pé.

Então neste mês de Halloween fica a minha dica de diversão para quem curte um bom terror, aquele misto de suspense e tensão e aquela eterna dúvida onde a linha tênue sobre o que é realidade e o que é imaginação dos personagens. 


Carrossel Sombrio e Outras Histórias
Full Throttle
Joe Hill
Tradução: André Gordirro
TAG - Harper Collins
2019 - 480 páginas

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terça-feira, 5 de outubro de 2021

A outra garota negra



Sinopse: Nella Rogers está cansada de ser a única funcionária negra da editora Wagner Books. Quando já não aguenta mais se sentir deslocada e lidar com as micro agressões no ambiente de trabalho, o destino parece enfim presenteá-la com uma aliada: outra garota negra, Hazel, passa a trabalhar na baia ao lado da sua. Porém, à medida que Hazel ganha influência e atenção no escritório, Nella vai se sentindo deixada de lado. É então que bilhetes misteriosos começam a aparecer em sua mesa, com um aviso: SAIA DA WAGNER. AGORA. Sem saber quem está por trás das mensagens hostis, Nella entra em uma espiral de obsessão e paranoia. E, conforme outras situações desconfortáveis passam a dominar seus dias, a jovem vê sua rotina ser tomada por um clima de pesadelo e percebe que pode haver muito mais em jogo do que apenas sua carreira. Com uma narrativa inteligente e fora do comum, Zakiya Dalila Harris apresenta em A outra garota negra uma crítica social necessária e um thriller capaz de envolver os leitores em uma onda de expectativa até o fim.

No mês de agosto/21 recebi pela minha assinatura da intrínsecos o livro de estreia da escritora norte-americana Zakiya Dalila Harris A outra garota negra. O mimo foram post-it com reações literárias com expressões tipo chocante, amei e ai, que medo. É um dos mais simples do ano, mas depois de já receber três livros extras nem reclamo.

A história começa em 1983, uma mulher está fugindo de Nova York e não deseja ser reconhecida, o seu nome e o motivo de tanta preocupação é desconhecido. Pulamos para 2018 na mesma Nova York, mas agora no escritório da Wagner Books. Nella sente um cheiro diferente que a faz ficar curiosa, pois tem cheiro semelhante a um produto de cabelo por ela usado.


Minha recompensa foi um momento de alívio prazeroso, seguido por uma onda familiar de dor seca e intensa.


Nella é editora assistente e única negra a trabalhar na editora, filha de um casal classe média, ela se criou em Connecticut, estudou com pessoas brancas durante a sua vida inteira, e há pouco tempo desistiu de alisar os cabelos e assumir o seu aspecto natural.

Desde que chegou a editora tenta colocar a pauta da diversidade, mas seus colegas não demonstram muito interesse, então a chegada de outra garota negra lhe deixa extremamente feliz e automaticamente passa a confiar nesta mulher que mal conhece, mas já considera irmã.


Se não tivermos cuidado, 'diversidade' pode se tornar só mais um item que as pessoas têm que ticar de uma lista para depois descartar, algo superficial e sombrio sem nada mais além.


Hazel é simpática, usa dreads, mora no Harlem, demonstra ter interesse em tudo e fazer amizade com todos. Tem um projeto social para jovens escritoras negras e consegue criar laços com pequenos e delicados gestos de atenção. A perfeição da relação começa a apresentar as primeiras rachaduras quando Nella lhe conta a opinião sobre um livro que revisou, cuja personagem negra é extremamente caricata, mas o escritor é uma das estrelas da editora. 

O que Nella não imagina é que ao revelar a sua opinião ao autor do livro, sua vida profissional e pessoal começa a ficar na corda bamba, e para desequilibra-la ainda mais, bilhetes mandando que ela vá embora da Wagner começam a aparecer sem que ela identifique a origem.


Eles a tinham ensinado a se manifestar quando algo não está certo e a jamais permitir que alguém a tratasse como se valesse menos.


Em paralelo acompanhamos a vida de duas personagens: Kendra Rae e Shani. Kendra Rae é a editora de um best-seller do ano de 1983 chamado Coração em chamas. Sua parceria com Diana Gordon trouxe uma personagem negra como principal, e este livro é o motivo pelo qual trabalhar na Wagner se tornou o sonho de Nella.

Kendra vive escondida, e somente aos poucos é revelado o que gerou o rompimento com sua amiga e escritora Diana, assim como o fato de ela não desejar mais parecer em público. 


Ela havia feito as pessoas pensarem sobre raça, mesmo que não se dessem conta disso, só de estar presente nas reuniões ou confraternizar na copa.


Já Shani tem sua aparição no Harlem, na porta de uma barbearia ela está atrás de Lynn Johnson e a chamada Resistência. Ela foi chamada até ali, após perder um bom emprego para outra garota negra. Com o cabelo raspado e se adaptando a mudança de cidade, ela logo descobre que a mulher que acabou com a vida que gostava também está agindo em Nova York

Utilizando a narrativa em terceira pessoa a escritora Zakiya Dalila Harris tem como foco central Nella e os acontecimentos que vão mudando o rumo da sua vida em 2018, tanto que os seus capítulos, junto com o Prólogo e o Epílogo, são os que não possuem o nome do personagem acompanhado. Nos demais, como forma de situar o leitor, sempre é identificado quem é o foco naquele momento, e são estes personagens que vão pouco a pouco nos dizendo o que está acontecendo na vida de Nella e dando pistas para montar o quebra-cabeça que cerca a história.


Nunca entendi as pessoas que organizavam suas bibliotecas em ordem alfabética; eu só acreditava em organizar a minha por temas - e até isso podia ser difícil.


Como eu não li nada sobre a história antes de iniciar a leitura, confesso que a mudança para thriller me pegou de surpresa, e em alguns momentos me peguei pensando se a autora com uma base tão boa não havia perdido qualidade ao desfocar o que parecia ser o enredo principal, mas como boa brasileira que não desiste nunca, segui até o final e sim, gostei do conjunto quando fechei a última página.

Inicialmente o livro trata a questão da origem negra e racismo. Quais mudanças e palavras ouvidas alguém é capaz de suportar para atender um modelo padrão de comportamento, que teoricamente pode te levar ao sucesso. Situações éticas são levantadas, como o fato de um profissional negro que atua em determinado projeto, seja de publicidade, música, filme ou livro, pode deixar passar uma situação de racismo para o grande público.


'Chegar na hora' é mais um conceito criado e defendido por pessoas que não se parecem em nada comigo.


A própria Nella costuma se questionar, não só por já ter alisado os cabelos e convivido em grupos sociais e escolas majoritariamente brancas, mas também pelo fato de só namorar homens brancos. E com percebe-se que ela também está em busca de se encontrar em suas origens ao mesmo tempo que calibra as suas escolhas.

Também é interessante observar como ela abraça a colega nova em uma ingênua confiança cega, como se a mesma origem garantisse a irmandade automática, o que torna as decepções ainda maiores, já que o seu equilíbrio em relação a tudo ainda é muito delicado.


A única coisa pior do que isso era saber que dezenas, talvez centenas, de outras jovens negras também sofriam esse tipo de humilhação... e que jovens negras eram a causa disso.


Confesso que da metade para o final comecei a achar o mistério que ronda a história meio viajante, mas depois tive o entendimento que se tratava de uma espécie de metáfora sobre o que se abre mão em relação a ideais e crenças para alcançar o sucesso dentro de um padrão amplamente divulgado.

E para quem tem pele branca como a minha, talvez reconheça algumas situações, já que mesmo entre os chamados brancos há uma escala invisível de níveis, com seus próprios desrespeitos, humilhações e mudanças para se adequar aos chamados modelos. O que muda para as personagens que estão no livro e a maioria que vive fora das páginas é que tudo isso é acentuado e agravado pelo racismo.


Qualquer pessoa mais velha que nós ficaria decepcionada de saber que você existe.


E se muito de nós já choramos e sentimos raiva quando somos escanteados sem uma justificativa plausível, quando entra o racismo temos um soco direto na autoestima, como se fazer mais e melhor fosse apenas uma obrigação e não a diferença para ser reconhecido.

A outra garota negra também aborda a questão da diversidade nas empresas, existe uma ironia no uso marqueteiro de poucas pessoas diferentes do chamado padrão para qualificar como uma empresa de braços abertos para todo o tipo de pessoa, desde que, naturalmente, seja apenas um de cada tipo diferente. Mais do que isso já deixa de ser interessante e distorce muito o modelo. 


Olhe para você, e pense nisso. Você tem sido realmente você mesma nos últimos meses?


E o mais interessante de tudo é que essa mistura de reflexões e questionamentos são acompanhadas de uma escrita bem fluída, além de ser ambientada de forma contemporânea, onde não se pode usar que as situações descritas aconteciam antigamente, que nos dias de hoje não é assim.

Então fica a dica para quem procura livros com protagonistas negros, quer livros que discutam o racismo dentro do ambiente empresarial, quer ler escritores negros ou simplesmente procura uma boa leitura.

A outra garota negra
The other black girl
Zakiya Dalila Harris
Tradução: Flávia Rössler e Maria Carmelita Dias
Intrínseca
2021 - 384 páginas

Esta resenha não é patrocinada, a assinatura do clube citado é pago integralmente pela autora.