terça-feira, 29 de setembro de 2020

Cartada Final


Sinopse: Numa pequena cidade da Flórida, o advogado Keith Russo é morto a tiros em seu escritório. O assassino não deixa pistas e não há testemunhas, mas a polícia logo suspeita de Quincy Miller, um jovem negro que já foi cliente de Keith. Quincy é julgado, condenado e sentenciado à prisão perpétua. Por 22 anos ele continua jurando inocência. Só que ninguém lhe dá ouvidos. Desesperado, ele escreve uma carta à Guardiões da Inocência, uma pequena organização que luta contra condenações injustas e defende pessoas esquecidas pelo sistema.

O livro de setembro/2020 da TAG Inéditos foi Cartada Final, do escritor John Grisham. E o mimo foi um kit para preparar café, o que combinou perfeitamente com a histórica jurídica.

A história é narrada em primeira pessoa pelo advogado e pastor Cullen Post, que faz parte da pequena equipe dos Guardiões da Inocência, e uma rede de apoio de outros escritórios e associações de outros estados. Eles atendem mais de um prisioneiro, por este motivo há mais de uma história em paralelo, além da de Quincy Miller.

Duke retornará para os horrores da solitária, à espera de um novo dia para morrer.

Cartada Final começa justamente com Duke Russel, que está no corredor da morte e tem a sua execução suspensa quando realiza a última refeição. Com isso, a equipe dos Guardiões ganha mais um tempo na busca de provas pela inocência do seu cliente. O que consiste em encontrar divergências materiais ou inconsistência em depoimentos, assim como solicitar exame de DNA.

A seguir temos um retorno ao passado de Post e sua breve carreira como defensor público, assim como as razões que o levaram para a religião e para missão de buscar inocentes presos injustamente. Este é o link para apresentar as pessoas que fazem parte da Guardiões e o seu método de trabalho, que vai da leitura das cartas, a seleção dos que serão pesquisados, a conversa inicial até a aceitação de fato, quando se tornam representantes legais do preso, além do levantamento de receita para sustentar toda a estrutura, que depende de doações.

Não há recepcionista nem recepção, nem um lugar agradável para dar boas-vindas a nossos clientes. Todos eles estão presos.

Existe toda uma análise e pesquisa para verificar que as pessoas que enviam as cartas são realmente inocentes, e após analisar e pensar durante dois anos, o caso de Quincy Miller é aprovado para uma primeira conversa com Cullen Post. Com o caso aceito, os detalhes do crime passam a ser revirados, e isso acaba atraindo o olhar de quem desejava que um inocente morresse para que tudo fosse esquecido.

John Grisham aborda de uma forma muito didática o funcionamento do judiciário americano, misturando realidade e ficção para abordar diferentes situações que levam um inocente injustamente para trás das grades. De advogados com salários não muito altos, a seleção de defensores públicos despreparados a manipulação de provas pela polícia. Também há racismo, análises sem comprovação científica, e testemunhas ameaçadas, havendo também os famosos dedos-duros de cadeia que trocam informações nem sempre verídicas por redução ou suspensão de pena.

A vida dela era um pesadelo; por isso, ela era uma pessoa fácil de ser condenada.

Narrado em primeira pessoa, a história é bastante linear, há alguns momentos de mais tensão, assim como aqueles com descrições mais fortes, mas o foco não é a ação, e sim uma justiça injusta, que precisa ser sacudida para analisar as falhas de processos que acabam com a vida de quem não fez nada, ao mesmo tempo que coloca um grande ponto de interrogação na questão da pena de morte. 

Um ponto interessante é que John Grisham se inspirou em uma história real, que o levou a conhecer a Centurion Ministries, um dos grupos de pró-inocência americanos. Por este motivo, o título original Os Guardiões combina muito mais do que o dado na versão traduzida para o português, pois são as pessoas que lutam pela inocência os verdadeiros protagonistas da história.

Hoje tenho cinco casos, todos com condenações injustas, pelo menos ao meu ver.

Curiosamente ao ler a história eu a imaginava como um filme em preto e branco, e a voz do Post era do dublador do Personagem Espeto de Toy Story. Eu particularmente achei a história um pouco arrastada de início, e para o final ficou faltando algo para que fechasse aquele ciclo.

Mas ao contrário do que se pode imaginar, eu gostei da história, não achei maravilhosa, mas há bastante relevância, principalmente nos dias atuais, do que é abordado. Por isso fica a recomendação de leitura, principalmente para quem curte ficções jurídicas.


Cartada Final
The Guardians
John Grisham
Tradução Roberta Clapp e Bruno Fiuza
TAG - Arqueiro
2019 - 445 páginas

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Tudo de bom vai acontecer



Sinopse: Essa é a história de Enitan: uma jovem nascida na Nigéria dos anos 1960 e que atinge a maioridade em uma cultura que ainda insiste na submissão feminina. Enitan rejeita os sistemas familiar e político até ser confrontada com o único desejo precioso demais para perder em nome da liberdade pessoal: seu desejo por um filho. Tudo de bom vai acontecer evoca as visões e culturas da África, ao mesmo tempo que conta uma história sábia e universal sobre amor, amizade, preconceito, sobrevivência, política e o custo de lealdades divididas.

O livro de setembro/2020 da TAG Curadoria trouxe uma indicação da escritora nigeriana Ayòbámi Adébáyò, que indicou o livro Tudo de bom vai acontecer da também nigeriana Sefi Atta. O mimo foi um colorido quebra-cabeça que traz a pintura Freedom school da artista visual Synthia Saint James.

A história tem início em 1971 quando Enitan está com onze anos, naquela fase que se é meio criança, meio pré-adolescente. Ela possui uma grande admiração pelo pai, um advogado que dá uma vida de conforto para a sua família, e de estranhamento com a mãe, que se entregou a religião após a perda do filho caçula. Em um dia de tédio acaba conhecendo a menina da casa vizinha, pertencente a uma família a qual a mãe não desejava que ela não tivesse contato. Mas Sheri chama a atenção de Enitan e ali nasce uma amizade.

Nada, nada deteria minha mãe, dizia ele, até ela ter destruído tudo na nossa casa por causa daquela igreja dela.

Seguimos para 1975, Enitan e Sheri trocam cartas enquanto passam maior parte do ano morando em suas escolas. Em um colégio interno de meninas, Enitan vive em um ambiente em que todas se ajudam mutuamente para sobreviver, suas origens eram  diversas, assim como suas religiões e culturas. Mas é nas férias que ela vive um momento que irá marcar sua vida e direcionar o destino de Sheri.

Pulam-se dez anos, e Enitan estuda em uma universidade londrina, tornando-se advogada como o pai. Golpes seguem ocorrendo na Nigéria, mas isso não influencia tanto em sua vida quanto as relações amorosas. Em um primeiro momento é na Inglaterra que ela quer ficar, mas o frio e o tratamento recebido a empurram de volta para o lar paterno.

Meninas más eram estupradas. Nós todas sabíamos disso.

Muitas de suas opiniões e conceitos vão mudar na década de noventa, quando a política a atinge pessoalmente, seu ciclo de amizade se abre e em uma situação de tensão ela acaba conhecendo a situação de outras mulheres, e o seu mundo é subitamente ampliado com novas revelações, tanto pessoais quando do seu país.

Como vocês podem observar no resumo, o livro não é dividido por partes, mas por anos, acompanhamos a vida de Enitan de  1971 a 1995, sendo expectadores do seu crescimento de menina a uma mulher madura. Não há capítulos, apenas um espaço em branco maior que separa um momento de outro.

Nossas mães eram maravilhosas. Nos protegiam das verdades sobre nossos pais, permaneciam em casamentos ruins para nos propiciar uma chance.

Sefi Atta nos apresenta a visão de uma nigeriana classe média, em uma Lagos com seus prédios e condomínios suburbanos, muito distante daquela imagem padrão que os estrangeiros possuem, como se toda a África fosse igual ao comercial do Médicos Sem Fronteiras.

Através da mãe de Enitan, é pautada a questão religiosa, que tem um misto de cultural, com suas vestes e crenças, com a questão do dinheiro, quando o dízimo não é só pedido como exigido.

Se desejasse, podia bater na mulher, expulsá-la de casa, com ou sem os filhos, e deixá-la sem nada.

Há o machismo e a questão de os homens poderem se casar com mais de uma mulher, estupro, o fato de a esposa pedir permissão para a tomada de suas decisões. Assim como subjugar a capacidade pelo gênero, algo que ocorre tanto de estranhos como em família. E este fato não se concentra apenas entre os homens, já que muitas mulheres encontram justificativas para apontar ou emitir a sua opinião em relação ao estilo de vida da próxima.

Também é abordado a maternidade, embora não com o enfoque que é dado na sinopse. Sim, em dado momento Enitan deseja ser mãe, mas a grande questão é verdadeiramente abordada na relação mãe x filha, onde só na idade adulta ela passa a enxergar realmente por tudo que sua mãe passou, enquanto desmistifica a aura de perfeição atribuída ao pai.

O mundo da publicidade talvez não soubesse quem éramos, mas nós comprávamos os produtos destinados a outros mercados sempre que chegavam ao nosso país e quando viajávamos para o exterior.

A amizade entre mulheres também é algo forte na história, não só entre Sheri e Enitan, mas também com outras personagens que entram ao longo da história e vão criando uma rede de apoio. Na dica do livro, a TAG havia referenciado as personagens de Amiga Genial como comparativo, mas ouso dizer que aqui a única semelhança está na amizade de longa data. Em Tudo de bom vai acontecer não há disputas, não há inveja, e sim questionamentos naturais de pessoas que se querem bem, que dão força a outra quando esta precisa.

E por fim a questão política. Entre governos civis e militares, a Nigéria vive em uma constante ditadura, o quanto cada cidadão é afetado irá variar conforme ele está disposto a se manifestar. Pessoas são presas, pessoas somem, e seus familiares não sabem de nada.

Desde o início foi responsabilidade do povo, da pessoa física, lutar pela pátria e se agarrar àquilo.

Um livro sobre um país distante, de terceiro mundo como o Brasil, onde as diferenças de tratamento entre homens e mulheres são grandes, e cuja visão é ampliada após o final da leitura. Uma história que é mais do que distração, mas a possibilidade de conhecer outra cultura.


Tudo de bom vai acontecer
Everything Good Will Come
Sefi Atta
Tradução: Vera Whately
TAG - Editora Record
2012 - 367 páginas


Outros livros sobre a África com resenhas aqui no blog:

Adeus, Gana
O Mundo se despedaça
Tempo de Migrar para o Norte
As alegrias da maternidade
A menina sem palavras
Antes de nascer o mundo
Pequena Abelha


terça-feira, 22 de setembro de 2020

A Seca



Sinopse: Não chove em Kiewarra, Austrália, há dois anos. As tensões na comunidade agrícola tornam-se insuportáveis quando três membros da família Hadler são encontrados mortos em sua propriedade. Todos acham que Luke Hadler matou a esposa e o filho de seis anos de idade e depois cometeu suicídio. Apenas a filha mais nova, ainda bebê, sobrevive. O policial Aaron Falk retorna à sua cidade natal para os funerais e se vê atraído para a investigação. Enquanto a suspeita paira sobre todos os moradores da cidade, Falk é forçado a confrontar a comunidade que o rejeitou vinte anos atrás. Um segredo que ele pensou estar enterrado há tempos ameaça voltar à tona com a morte de Luke. Velhas feridas se reabrirão nesta cidade árida.

Aaron Falk é um policial federal especialista em crimes que envolvem dinheiro. Enxotado da sua cidade natal junto de seu pai durante a sua adolescência, sendo acusado de um crime em que ambos são inocente, se vê obrigado a retornar vinte anos depois quando o seu melhor amigo de infância Luke Hadler e quase toda a sua família são encontrados mortos.

Luke mentiu. Você mentiu. Esteja no funeral.

Os investigadores da cidade próxima fecham o caso como homicídio seguido de suicídio, relacionando com a seca que tem enlouquecido muitas pessoas devido a perdas financeiras. Mas os pais de Luke não acreditam isso, e usando o conhecimento de um segredo de Falk, o chamam até Kiewarra para o funeral e pedem o seu auxílio para que investigue o caso. 

Unindo-se ao policial novato responsável pela cidade, Greg Raco, Falk vê o seu tempo de estadia na cidade ser ampliado, conforme vai repassando os fatos e encontrando inconsistências, ao mesmo tempo que revisita o próprio passado, buscando respostas para duas situações me paralelo, quando os questionamentos da morte de uma amiga ainda o perseguem.

Não importa quem você seja, bebês de treze meses não dão boas testemunhas.

O apoio para seguir em busca da verdade acaba vindo dos poucos amigos do passado e de novos moradores, como o policial e o barman que aluga o apartamento onde está hospedado. O grande perigo aqui para Falk é deixar que toda a mágoa do passado intervira na investigação atual, já que a falsa acusação gerou uma ruptura com o seu pai, e isso pode interferir no foco das investigações. Ao mesmo tempo, ele vai desvendando segredos de seus antigos vizinhos, aos quais também deverá se manter discreto.

A Seca de Jane Harper é um livro bastante envolvente, ao mesmo tempo que vamos conhecendo os personagens que vivem na pequena cidade, sentimos junto com Falk todo o calor e a tensão do clima de hostilidade que ele enfrenta devido a antiga acusação não comprovada pela morte de Ellie, sua amiga de infância, cujo desfecho também foi suicídio.

É preciso que fique muito ruim para alguém se dispor a exigir qualquer mudança.

Para descobrir se a morte de Luke foi realmente um suicido, ele precisa nos levar até o passado, onde conhecemos ainda mais a personalidade de quem nos cerca, e desta forma a ter questionamento sobre as duas mortes, avaliando a cada nova conversa ou fato relembrado quem podem ser os possíveis suspeitos caso a família tenha sido assassinada. Convidando o leitor a fazer suas apostas sobre quem é culpado e quem é inocente em uma cidade altamente influenciável.

Escrito em terceira pessoa, a narrativa é extremamente fluida, e os acontecimentos inevitavelmente te empurram a ler mais uma página, a história é intensa e tem como desafio separar o que é real e o que é resultado dos desafetos de Falk por tudo o que aconteceu há 20 anos. 

As duas botas e todos os bolsos dos jeans estavam cheios de pedras.

Além disso ela funciona como um alerta dos cuidados que precisamos ter com o meio ambiente. O problema descrito ocorre realmente na Austrália, um dos países que sofre com o El Ninõ, e na ficção ganhou uma ampliação de dramaticidade, mostrando como isso afeta não só o local como se vive, mas também toda uma sociedade que depende da terra para sobreviver. Uma forma de lembrar que o desequilíbrio ambiental não se trata apenas de derrubar árvores, mas dos impactos permanentes em nossas vidas.

Gostei e recomendo, principalmente para quem gosta de livros policiais, pois o caso duplo com certeza irá prender os leitores fãs do gênero.

A Seca
The Dry
Jane Harper
Tradução: Claudia Costa Guimarães
TAG Inéditos - Morro Branco Editora
2016 - 364 páginas

terça-feira, 15 de setembro de 2020

A Troca



Sinopse: Leena Cotton está com 29 anos e não é mais a mesma. Eileen tem 79 e decidiu encontrar um novo amor. Elas são avó e neta e estão prestes a empreender uma mudança radical. Para colocar suas respectivas vidas de volta nos trilhos, as duas apostam na inusitada ideia de trocar de lugar.

O livro de setembro/20 da intrínsecos é a Troca da escritora Beth O'Leary. Exemplar de aniversário do clube de livros, trouxe como mimo um livro extra – chamado árvore dos desejos, botton e adesivos relacionados a mimos anteriores.

Em A Troca, as mulheres da família Cotton sofreram uma grande perda quando Carla não vence a sua luta para o câncer. Entre o luto e mágoas não resolvidas, Leena Cotton, irmã de Carla, entra em um esgotamento profissional que faz crer que ela esteja sofrendo de burnout. A solução da chefe de Leena, para não perder uma profissional de futuro brilhante, é lhe dar dois meses de férias remuneradas.

Achei de verdade que ia morrer naquela reunião.

Com um namorado tão workaholic quanto ela, Leena resolve visitar a avó no interior, de quem havia se afastado por esta morar próximo a sua mãe, ao qual ela acredita ter culpa na morte da irmã. Mas na casa da avó ela se depara com uma curta lista de possíveis pretendentes, e comenta que em Londres Eileen teria muito mais possibilidades. E aí surge a ideia, uma troca de lugar entre as duas durante o tempo de férias de Leena.

Eileen vai para Londres viver no apartamento que Leena compartilha com os amigos e cria um perfil em uma rede social. Leena permanece em Hamleigh-in-Harksdale com a lista de afazeres da avó, que inclui cuidar da sua mãe e participar da reunião dos patrulheiros do bairro. Um outro mundo se abre para as duas, e muitas ideias serão revistas.

Se quero encontrar o amor nesse ponto da vida, preciso ampliar meus horizontes.

Logo que iniciei a leitura pensei: tristeza de novo, não – pois ainda me lembrava de Querido Edward. Mas logo me vi gargalhando com Eileen, uma avó apaixonante em um livro maravilhosamente fofo, divertido e sensível.

A Troca aborda vários temas na aventura das Cottons. Iniciando pela questão do luto, onde Leena só consegue vivenciar e passar a administrar a sua tristeza ao conviver com as pessoas que conheciam a sua irmã e pronunciavam o nome de Carla naturalmente. Já sua mãe busca diferentes formas de consolo, embora não consiga reajustar um dos cômodos da casa.

Você não pode mudar um homem. Mesmo se ele tiver todos os dentes.

Também é abordado superficialmente a questão do sofrimento e escolha de tratamentos para o câncer, onde Leena transfere os questionamentos que gostaria de fazer para a irmã falecida para a sua mãe. Aqui temos ecos do que elas enfrentaram, aos quais elas precisam confrontar para recomeçar.

Outra questão é a da solidão na velhice, não apenas sobre o fato de não ter um companheiro, mas de não ter com quem conversar, de viver isolado em meio aos vizinhos e muitas vezes ser ignorado. E aqui está um dos grandes charmes da personagem Eileen, que acostumada a integração da cidade pequena, começa a trazer questionamento aos vizinhos, tanto os mais jovens quanto os idosos, na intensa Londres e a provocar mudanças.

Se está abraçando alguém apertado o suficiente, você pode ser ao mesmo tempo quem oferece o ombro e quem chora.

E como não podia faltar, relacionamentos amorosos, aqui há várias vertentes, do uso de aplicativos e perfis em rede, as séries de exigências que se faz para um futuro parceiro, e também sobre continuar em um relacionamento abusivo ou infeliz por motivos que não se justificam. Também há os cupidos e aquela questão de que o amor pode estar mais próximo do que imagina.

Utilizando a narrativa em primeira pessoa para neta e avó, tornando o leitor muito próximo das personagens, o impressionante de tudo, é que ao mesmo tempo que Beth O'Leary tem uma escrita leve, que facilmente te levam a um sorriso, por outro ela te faz refletir sobre uma série de assuntos sérios, que podem ficar martelando mesmo após o final da leitura.

São algumas das pessoas mais incríveis que conheci.

Sim, eu fui Eileenada e recomendo mil vezes A Troca, um livro que finalizei a leitura e fiquei com vontade de começar tudo de novo.

A Troca
The Switch
Beth O'Leary
Tradução: Ana Rodrigues
intrínseca
2020 - 350 páginas

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Dias de Abandono


Sinopse: Depois de quinze anos de casamento, Olga é abandonada por Mario. Presa ao cotidiano estilhaçado com dois filhos, um cachorro e nenhum emprego, ela se recusa a assumir o papel de poverella (a "pobre mulher abandonada"). Essa opção a projeta num turbilhão de obsessões, angústias e ímpetos violentos, capazes de afastar Olga do fato de que as derrotas precisam ser assumidas para que a vida possa enfim seguir adiante.

Olga queria escrever, possuía ideias firmes sobre a independência da mulher. Mas um dia conheceu Mário, se casou, teve um casal de filhos, um cachorro que ela não queria, e passou a procrastinar os seus planos. Um belo dia, após o almoço, Mario comunica a Olga que queria se separar, não era culpa dela, nem das crianças, mas ele estava confuso e cansado. 

Eu o conhecia bem, sabia que era um homem de sentimentos tranquilos, a casa e os nossos rituais familiares eram para ele indispensáveis.

Em um primeiro momento Olga fica em choque, após refletir e lembrar de outras vezes que Mario fez a mesma coisa, passa a esperar o seu retorno. A cada visita aos filhos, ela é extremamente educada com ele, esperando pelo dia em que o marido irá permanecer. Afinal, já superaram outras situações, e Olga sabe que Mario precisa deles.

Só que no dia em que ela percebe que não haverá volta, afinal o confuso possui outra mulher. A chave vira na cabeça de Olga e ela entra em uma espécie de surto. Olga passa a brigar com todos os conhecidos, deixa de se cuidar fisicamente, passa a ignorar os filhos, adota um palavreado chulo e começa a criar um paralelo com uma vizinha de infância, que foi se tornando vazia após ser abandonada pelo marido.

Você não pode me deixar aqui tendo esperança, quando na verdade você já decidiu tudo.

A comparação amplia a depressão de Olga, pois ela sempre julgou a mulher fraca por se entregar de tal forma, lembrando a todos que nunca sabemos quando as nossas palavras podem retornar afiadas para o nosso peito. Mas isso em um primeiro momento não lhe ajuda a sair de um caminho que só a destrói. 

O comportamento dos filhos é dividido entre o apoio e o deboche, conforme eles querem chamar a atenção da mãe, que parece cada dia mais distante, deixando ambos abandonados em uma casa onde as contas não são pagas, a mãe grita histericamente e muitas vezes simplesmente esquece deles. 

Hoje à noite o seu pai vem, temos que fazer tudo para que ele não vá mais embora.

Em um livro relativamente curto, Elena Ferrante se utiliza da narrativa em primeira pessoa para nos colocar no turbilhão que se torna a cabeça de Olga. Das memórias de infância, repassando pela relação com a mãe, até o que ela abriu mão para que o marido evoluísse enquanto ela permanecia como dona de casa. Sua obsessão em ter o marido de volta a levam quase a loucura, pois o amor já foi esquecido e o que permanece é o orgulho ferido pelo abandono.

O livro também aborda o fato de desconhecermos as pessoas mesmo após muitos anos dividindo o mesmo teto, conceitos arcaicos que se tornam mais fortes do que opiniões, assim como o dia D que define se você se entrega ou luta para recomeçar e se reencontrar.

Não é fácil passar da tranquila felicidade do passeio sentimental à desordem, a desconexão do mundo.

Como todos os livros de Elena, a leitura é fluída e impactante. Dias de abandono é particularmente pesado, enclausurando o leitor junto com os personagens no apartamento, e por mais que você queira fechar o livro para espairecer, você não encontra as chaves que irão te libertar, suspirando com o fim do peso somente após a última página.

Dias de Abandono
I giorni dell'abbandono
Elena Ferrante
Tradução: Francesca Cricelli
Biblioteca Azul
2013 - 183 páginas

Outros livros de Elena Ferrante resenhados no Blog
A vida mentirosa dos adultos
Amiga Genial
História do novo sobrenome
História de Quem foge e de Quem fica
História da Menina Perdida


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Querido Edward



Sinopse: Numa manhã de verão, Edward Adler, seus pais e o irmão mais velho embarcam em um voo de Nova York a Los Angeles, junto com outros 183 passageiros. Entre eles há um prodígio de Wall Street, um veterano ferido voltando do Afeganistão e uma mulher de espírito livre fugindo de um marido controlador. Algumas horas depois, no entanto, essas histórias são interrompidas bruscamente pela queda do avião. Todas, menos uma: Edward foi o único que sobreviveu.

O livro de agosto/20 da TAG Inéditos - sim, eu fiz mais uma assinatura de livros, culpa da pandemia - é o sensível Querido Edward, da escritora americana Ann Napolitano, sendo este o seu primeiro livro publicado no Brasil. E o mimo foi uma máscara para proteger os leitores da COVID-19 e um caderninho de anotações.

Resolveríamos tanta coisa se simplesmente ficássemos mais de mãos dadas.

Dividido em três partes, o livro possui duas narrativas em paralelo. Nos capítulos identificados por um horário o leitor irá passar por todos os procedimentos, desde o raio x no aeroporto de Newark até a queda do voo 2977 no estado do Colorado, acompanhando passageiros e tripulações em um voo até então igual a todos os outros.

Nestas horas temos Eddie, um menino de doze anos que possui uma doçura e tem uma grande admiração pelo irmão Jordan de quinze anos. Sua família é estruturada, e existe um cuidado entre eles, que vai da educação feita em casa pelo pai ao respeito que eles possuem um pelos outros. Fica claro o quanto eles se amam, o quanto os pais fortalecem o espírito dos filhos e as primeiras mudanças que os adolescentes estão passando.

Talvez porque ele tenha sido o último a ver vivas as pessoas que eles perderam.

Além da família Adler, histórias paralelas são pinceladas, há os que avaliam ações passadas, os que acham que tem todo o tempo do mundo, os que ainda não se descobriram, os que viveram muitas vidas, os que querem simplesmente ser felizes. Com alguns se cria uma empatia imediata, existem aqueles que te provocam uma tristeza a mais por terem um momento feliz interrompido.

Nos capítulos identificados por data, encontramos inicialmente no hospital um menino quebrado tanto fisicamente quanto na alma. Em plena transição de criança para adolescente, ele perde todas as suas referências, abandona o apelido e passa a utilizar o Edward. Uma redoma de proteção é construída a sua volta, mas se ninguém o diz, ele não percebe, ausente em seus silêncios. 

Para ela o passado é igual ao presente, tão precioso e próximo.

O leitor acompanha todo o luto do menino, que começa em junho de 2013, até ele aprender a administrar toda a sua tristeza e começar a sua reconstrução. E aqui entra o componente extra na história e razão do título: as cartas que os familiares dos mortos para o único sobrevivente da tragédia. Encontradas por acaso, elas são carregadas de histórias, saudades e algumas de desejos um tanto absurdos.

Com a guarda do sobrinho, os tios se veem administrando o medo da depressão que abate o menino, enquanto administram os próprios problemas, e no caso da tia Lacey a perda da própria irmã. Lacey vivia os seus próprios conflitos até Edward e as caixas da família caírem de paraquedas em sua casa. E apesar de não ser um personagem muito explorado, observa-se nos detalhes a forma como ela busca força de curar a própria dor através das roupas da irmã.

Você tem que voltar a fazer as coisas que qualquer pessoa normal faz.

Outra personagem muito interessante é Shay, a menina criada somente pela mãe que vira o apoio de Edward, cuja participação ativa na vida do guri o ajuda pouco a pouco conviver com os que lhe cercam e lhe dá um parâmetro de realidade.

Narrado em terceira pessoa, a escrita de Ann Napolitano é muito fluída, nos colocando ao lado de cada personagem e, muitas vezes, provocando uma espécie de reflexão sobre como aproveitamos o nosso limitado tempo. Afinal, estamos falando de um livro sobre perdas.

O momento final, fugaz, quando o avião ainda era um avião, e os passageiros ainda estavam vivos.

A história é triste, a ponto que me peguei pensando se o mimo não deveria ser uma caixa de lenço, mas não é piegas, nem uma novela mexicana, pelo contrário, há uma dose certa de humanidade, como que nos lembrando que independente de nossos erros e acertos, somos todos mortais.

Confesso que fiquei feliz em ler em um período de isolamento social, e não ter levando o livro para ler em um avião (o que poderia acontecer, já que eu não leio nada sobre o livro antes de finalizar a leitura), já que em terra firme ele já dá um grande nervoso.

Gostei, me emocionei e indico. E não se afaste dele pela pouca idade do personagem principal, pois não há nada de infantil na história, pelo contrário, estamos lendo sobre superação, perda, morte, vida e saudade. Uma espécie de sacudida que nos diz carpe diem.

Querido Edward
Dear Edward
Ann Napolitano
Tradução: Lígia Azevedo
TAG Inéditos - Paralela
2020 - 302 páginas

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Apenas um olhar



Sinopse: Quando Grace Lawson vai buscar um filme que mandou revelar, ela encontra, no meio das fotos de família, uma que não pertence ao rolo. É uma imagem de no mínimo 20 anos atrás, e, entre as cinco pessoas retratadas, está um homem que parece muito Jack, seu marido. Jack nega que seja ele, mas desaparece no dia seguinte, levando a fotografia. Agora, para salvar a família de um assassino violento e silencioso que não vai parar enquanto não conseguir a foto, Grace precisa confrontar as partes sombrias do próprio passado trágico...

O promotor especializado em ações penais contra políticos corruptos Scott Ducan tem presença solicitada por um assassino de aluguel que deseja lhe fazer uma revelação.

No final, talvez eu precise da ilusão de que há alguma humanidade em mim.

Três meses depois, Grace Lawson, uma artista talentosa que sobreviveu a uma tragédia em um show de rock tem colocado entre as fotos da família uma imagem com cinco jovens, onde uma das moças tem um x marcado no rosto.

Ao identificar o marido na foto e questiona-lo, ele não só fica bravo, como acaba sumindo com a foto original, sem saber que a esposa já havia feito uma cópia. Com a descrença da polícia que ele tenha sido sequestrado, é a amiga Cora que a ajuda a investigar o que pode estar acontecendo, e uma nova vida do seu marido se abre, levando Grace até uma irmã que lhe era desconhecida.

Grace queria saber mais, porém ele se recusava a falar, e, sentindo que havia algo sinistro no ar, ela não insistia.

Buscar as pessoas da foto parece ser a chave do mistério, mas logo ela irá descobrir que alguém não quer ir isso, e isso coloca ela e seus filhos em perigo, tornando Grace desconfiada de tudo e de todos.

Em paralelo ao desaparecimento, Grace precisa lidar com a reação das famílias a possível soltura do homem que causou a morte de dezoito jovens e lesões permanentes no seu corpo e memória no show de rock. Aqui temos Carl Vespa, um homem amargurado pela perda do único filho, que transfere parte do seu afeto e proteção para Grace.

Mas talvez aqueles filmes e livros tivessem sido curiosamente didáticos.

Enquanto o leitor tenta solucionar o quebra-cabeça com Grace, o livro aborda superficialmente outros temas como as verdades e segredos que existem dentro de um casamento, já que a própria personagem central sempre se esquivou em saber mais do passado do marido. Outro assunto dos tempos de hoje são os sites de relacionamento, onde o assassino possui vários perfis para encontrar as vítimas que atendem as suas necessidades, lembrando cuidados básicos que as pessoas devem ter ao passar informações pessoais.

Temos também uma pitada sobre o machismo, quando a polícia não leva a sério um desaparecimento, encarando o sumiço de Jack como um homem que decide abandonar a família ou que precisa de um tempo, algo extremamente comum, maduro e aceitável quando o marido se cansa da esposa.

Emma não usava nada que lembrasse o estereótipo de feminilidade.

Há também a filha de Grace e Jack que parece dar sinais de uma futura transição não observada pelos pais, visto que a menina quer ser chamada (e não é atendida) por um nome de menino, e escolhe roupas e acessórios que são mais associados ao gênero masculino.

Harlan Coben nos apresenta personagens principais e seus coadjuvantes a cada capítulo, descrições e situações iniciais fazem parte do enigma que precisa ser desvendado. Por isso a história impulsiona o leitor a avançar as páginas em sequência, comandado por sua curiosidade, ao mesmo tempo que exige atenção aos detalhes para ligar os pontos.

Haveria algum estranho egoísmo que vinha com a idade?

Como um bom livro de suspense não há acaso, existe violência, um toque psicológico, momentos de calmaria com  aquele toque de tensão. Não há humor, apenas um rastro de mortes sem sangue com tempo contado para ser resolvido, lembrando que o passado nunca pode ser totalmente apagado e existem perguntas cuja resposta é dolorosa.

Para preservar os segredos até o momento esperado, temos uma narrativa em terceira pessoa, o que permite ao leitor, assim como Grace, suspeitar de todos e criar suas próprias teorias. Entre os personagens que interagem diretamente com a história, adorei Charlaine, a dona de casa que tem toda a sua rotina alterada e utiliza-se da didática de livros e filmes para saber como agir nas situações tão diferentes do seu cotidiano.

Não tinha vontade de perguntar por que ele mentira por tanto tempo.

Uma curiosidade sobre a história, é que a tragédia pelo qual Grace passou e a limita fisicamente foi inspirada em fatos reais, sendo inclusive citadas pela personagem, que são as mortes ocorridas nos shows do The Who e dos Rolling Stones, dando uma pitada de rock in roll na história.

Para quem curte ler e assistir, o livro virou inspiração para uma série francesa em 2017 com o nome de Juste un regard.

Nunca poderia ser inocentado, porque não era inocente.

Eu, que adoro quebra-cabeças e livros de suspense, adorei a história, e se você como eu gosta de ver seus achometros confirmados ou ser surpreendido por algo que você não tinha ideia, vai curtir muito ler este livro.

Apenas um Olhar
Just One Look
Harlan Coben
Tradução: Ricardo Quintana
TAG Inéditos - Arqueiro
2004 - 425 Páginas

Outra resenha de livro do Harlan Coben aqui no blog: