quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Antes de Nascer o Mundo





Antes de nascer o mundo é um livro sobre um início e um fim. O fim de Silvestre Vitalício, um marido que na busca de adormecer as tristes lembranças pela morte da amada, se isola em uma terra de ninguém com os filhos, o criado e uma jumenta. E o início da vida de Mwanito, o pequeno filho de Silvestre e narrador da história, que se descobre gente em meio à homens, sem conhecer outra vida que não a que lhe foi apresentada em Jesusalém - a terra batizada pelo pai e que seria, ao seu entendimento, o único lugar do mundo que restara.

De forma poética, o autor nos transporta para uma história sobre a vida do menino Mwanito, do irmão Ntunzi, do pai Silvestre Vitalício, do militar e criado Zacaria Kalash, da jumenta Jezibela, única presença feminina entre eles, e do tio Aproximado, o cunhado de Silvestre que apesar de não viver no sítio, tem importância vital na narrativa. É ele que, ironicamente, aproxima a família das peripécias que mudará suas vidas, e leva a realidade ao mundo imaginário em que são reféns. É através de Aproximado, também, que somos apresentados a Marta e Noci, duas personagens ligadas pela perda do mesmo homem.

Mia Couto é um dos maiores autores africanos em língua portuguesa. Sensível como só um poeta pode ser, transborda sentimento e conduz de forma maestral a história. Aborda assuntos pontuais e atuais como o modo que apresenta o negro, em especial as mulheres, com trejeitos bonitos e desejáveis, além da forma como retrata a natureza e a igualdade entre humanos e animais. Enlaça à narrativa, também, um pouco da história pós guerra que afetou a zona rural de Moçambique. Ora mesclando narrativas de dois personagens (Mwanito e Marta), fica evidente sua capacidade de ser cativante e expressivo usando vozes tão opostas. Consegue transbordar sentimentos, impressões, causar reflexões. Prende o leitor em cada página, principalmente por ser uma narrativa extremamente visual, que transporta o leitor como que para dentro de um filme.

Poesia, imagem e a reflexão sobre a solidão. A receita certa de um bom livro. E para aguçar a vontade de ler, cumpre o papel a frase de Mwanito: “A primeira vez que vi uma mulher tinha 11 anos e me surpreendi subitamente tão desarmado que desabei em lágrimas.”


*COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 280 p.; 21 cm.

2 comentários:

  1. Nas primeiras páginas, achei esse livro uma viagem. Mas ele te pega pela mão, e como um amante experiente, vai te seduzindo, até te provocar suspiros e arrepios.

    Um livro que impacta só usando os sentimentos. De uma delicadeza impar e uma beleza inquestionável.

    Parabéns pela resenha, Karen.

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