Sinopse: Ambientado entre o fim dos anos 1940 e 1970, Corregidora conta a história da personagem Ursa Corregidora, mulher negra, cantora de blues, no Kentucky. Ao mesmo tempo que busca conquistar espaços para desenvolver sua carreira e viver de sua arte, Ursa atravessa relacionamentos tumultuados e ocasionalmente violentos. Em uma das agressões sofridas, passa por uma histerectomia e precisa lidar com a frustração e a angústia por não ser capaz de atender ao apelo de suas antepassadas para “dar à luz novas gerações”, o que seria fundamental para continuar a tradição oral que evitaria o apagamento da realidade da vida sob a escravatura.
No mês de junho/25 recebi da minha assinatura da TAG Curadoria a indicação do escritor Jeferson Tenório: Corregidora da escritora norte-americana Gayl Jones. O mimo foi doce e saboroso, pois vieram mini alfajores da Odara que eu adoro.
Após uma violenta briga com o marido, Ursa Corregidora não apenas sofre um aborto como passa por uma histerectomia devido à gravidade dos danos sofridos. Fazendo com que ela não possa gerar descendentes e assim repassar a história dos seus antepassados, conforme foi tão pedido por sua avó.
Passado que atende por um homem chamado Corregidora e tem como profissão ser traficantes de escravos no Brasil. Um português que assombrou a vida de sua bisavó e avó, cuja memória dos atos interferem até hoje em Ursa e em sua mãe.
Eu dizia que não cantava apenas pra me sustentar. Dizia que cantava porque era algo que devia fazer, mas ele nunca entenderia isso.
Afetando suas amizades, relações familiares e também as amorosas. Onde os traumas e a dor parecem aprisionar a personagem principal em um clico vicioso eterno.
E é esta mistura de escravidão, violência contra a mulher e transmissão da história familiar que irão conduzir o leitor ao ritmo do blues no decorrer das páginas.
A escrita de Gayl Jones
A autora norte-americana Gayl Jones é conhecida como uma das figuras centrais na literatura afro-americana é conhecida pelo seu trabalho como escritora, poetisa e professora universitária.
Corregidora é justamente o seu primeiro romance, publicado em 1975 e editado por Toni Morrison (O olho mais azul), e já apresenta o estilo literário pelo qual ela seria conhecida, com a exploração de temas como violência, loucura e opressão sofrido pelas mulheres negras.
O velho Corregidora, um português que reproduzia escravizados e era cafetão.
Durante suas pós-graduações surgiu o interesse pelo Brasil, o que se reflete no livro Corregidora e em um livro recente chamado Quilombo dos Palmares.
No geral sua escrita é bastante direta, em Corregidora a autora utiliza muito o recurso dos diálogos, o que pode exigir mais atenção do leitor para não se perder sobre quem está dizendo o que.
Agora não é hora de se agarrar a nada. Qualquer mulher se agarra a qualquer coisa. Por medo.
Pela metade da história, há mais parágrafos descritivos, amenizando assim o cansaço inicial de acompanhar todas as discussões, e também reduzindo assim possíveis desentendimentos sobre o que está ocorrendo na narrativa.
O que eu achei de Corregidora
Corregidora foi um livro que me causou vários estranhamentos. Começando pela citação da escravidão no Brasil, que em um primeiro momento eu achei que fosse uma mudança na tradução e depois descobri que havia sido realmente uma escolha da autora.
Só que essa brasilidade acabou me gerando o tempo todo a dúvida: como é que a avó dela foi parar nos Estados Unidos em um pós escravidão, se eram tão pobres? Confesso que este ponto mais me atrapalhou do que acrescentou, me parecendo que o uso da escravidão americana seria mais adequada, ou esta parte da história também poderia ser contada.
Era como se eu quisesse que vissem o que ele tinha feito, que ouvissem. Todos aqueles sentimentos tristes.
O segundo estranhamento foi em relação as relações do círculo social da personagem principal, o que de certa forma demonstra que sofrer e ser empático não são características que necessariamente andam juntas. Principalmente o seu comportamento em relação a amiga que a ajudou, e depois ela se afastou por um preconceito bobo.
Também fiquei com o sentimento de que a escravidão mais trabalhada na narrativa não é primeira que nos vem à mente e citada na contracapa, mas sim do ciclo vicioso de relacionamentos abusivos e violência contra a mulher. Sendo neste ponto uma narrativa ainda muito atual, já que ainda temos muitas Ursas ao nosso redor, independente de cor e classe social.
Tenho tudo o que elas tiveram, menos os descendentes. Não posso criar descendentes.
Fazendo com que várias vezes eu me perguntasse afinal qual o motivo da personagem querer ter um filho só para repassar todos os traumas que carrega? É uma espécie de terapia não aprovada? Só passando para a próxima geração a pessoa irá se sentir mais leve?
Por outro lado, achei interessante como ela aborda as figuras femininas, seja através da competição por um mesmo homem, a forma como lidar com a própria sexualidade, as relações familiares que não garantem liberdade de comunicação.
Como se agora ele não fosse exigir as mesmas coisas. Seriam exigências diferentes. Mas ainda teria exigências.
Assim como os caminhos escolhidos pela Ursa, que a tornam próximas de tantas mulheres que não conseguem sair do lugar, que apenas acumulam situações e sonhos, sem nunca os realizar ainda nos dias de hoje.
No geral achei a narrativa de Corregidora interessante, embora longe de ser a melhor leitura feita no ano, ela propõe reflexões que podem gerar debates pós leitura, principalmente no que envolve o universo feminino, tornando uma leitura que não some da mente no dia seguinte após fechar a última página.
Corregidora
Gayl Jones
Tradução: Nina Rizzi
TAG - Instante
2025 - 175 páginas
Publicado pela primeira vez em 1975
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