quinta-feira, 27 de junho de 2019

Nove do Sul



Vinte anos de silêncio separam os novos da velha geração. Nesses vinte anos a paisagem mudou e as condições se alteraram. O Rio Grande do Sul deixou de ser a ilha verde de vida tranquila para se tornar campo de batalha. A velha geração ficou onde estava, tida, mantida e publicada. A nova geração encontrou silêncio, descaso e editoras fechadas. Vinte anos durou a fase, onde ir para o Rio era descobrir a América e, pelo menos, tentar uma nova vida.

Assim começa a apresentação de um livro de contos que em meio a mudanças saiu da casa da minha mãe e foi encontrado perdido entre as minhas prateleiras em uma limpeza.

Nove do Sul trás, como diz o título, nove escritores gaúchos e seus contos. Os estilos são diferentes, não havendo nada mais em comum do que o estado em que nasceram. O livro fino é um convite para conhecer vários autores nacionais de uma só vez.

Quem começa é Cândido de Campos, que trás seis contos rápidos que trazem o cotidiano: O cortejo, O espião, Um beijo, Santinha, Suspeita e Lugar de ladrão. Neles você encontra a morte, as descobertas da adolescência, amores não correspondidos, mudanças e desconfianças. Tudo em uma escrita bastante fluída, às vezes reflexiva outra cômica.

Em seguida temos Josué Guimarães com dois contos mais encorpados: Odete do Oliveira e A morte do caudilho. No primeiro temos toda influência de uma mãe no amadurecimento e escolhas de sua filha.  O segundo já explora mais o comportamento do antigo gaúcho em situações de conflito. São histórias interessantes, que envolvem o leitor de forma que o mesmo parece estar vivendo ao lado dos personagens cada situação.

Entre as poucas mulheres participantes está Tânia Jamardo Faillace com A descoberta e Um navio. Confesso que desconhecia a autora cujos contos são mais intimistas. Ambos são narrados em primeira pessoa, como se o leitor fosse um amigo ao qual os personagens precisam para serem ouvidos ou aconselhados.

Sérgio Jockymann – outro autor desconhecido por mim – trás quatro contos: Jimmy, Compulsão, Torta com chocolate e Tabernáculo do Senhor. Os dois primeiros trazem uma repetição de tema, o de chocolate nada tem de doce e foi um conto que, em minha opinião, deixou a desejar e o último aborda as múltiplas crenças de uma família, onde ele utiliza o recurso de um longo parágrafo, em um estilo similar a Saramago.

A segunda e última mulher é Lara de Lemos, que apresenta os contos Um ser delicado, Em meio da noite, Vertigem e D. Eufrásia. As histórias são curtas e de rápida leitura. De dois casais observando outro cliente em um restaurante, do fogo que queima, a busca por um endereço e a vizinha que a todos ajuda. 

Conhecido jornalista, Ruy Carlos Ostermann trás Moderato cantábile, Extinção do mundo e Tiodoro. Contos curtos de pouco ou nenhum diálogo onde três personagens compartilham um momento da sua vida.

Sergio Ortiz Porto vem com O louco, Noite de Carnaval e Jurik. Suas histórias possuem um olhar mais social, com uma mistura de intensidade e sutileza que agradam ao leitor, e pedem uma pausa antes de seguir para o próximo escritor.

O oitavo escritor é Moacyr Scliar com Três histórias de busca, Peixes e Almoço de domingo. Por ser o autor que mais conhecia em termos literários acabou sendo o de maior expectativa. Os dois primeiros vão pela linha fantástica, sendo Peixes o mais interessante em minha opinião. Almoço de domingo trás uma cena familiar onde à figura central é um pai dominador.

Quem fecha é Carlos Stein com A greve dos lixeiros, Os preguiçosos e Mar e Fome I e II. Os quatro tratam do comportamento humano em diferentes situações, sendo apenas um narrado em terceira pessoa e os demais temos apenas a visão do personagem que nos conta para situações que beiram o extremo, mas não o incomum.

O livro é originalmente e 1962, e mesmo passado tanto anos não perderam atualidade, e o gosto ou desgosto vai conforme as preferências do leitor. No geral foi um achado pra mim, e por serem histórias relativamente curtas, mesmo as literaturadas foram fáceis de ler.

Nove do Sul
Autores Diversos
Instituto Estadual do Livro
1962 – 139 páginas

segunda-feira, 10 de junho de 2019

O Garoto no Convés



Sinopse: Aos catorze anos de idade, o órfão John Jacob Turnstile perambula pelas ruas de Portsmouth, no sul da Inglaterra, cometendo pequenos furtos. Dois dias antes do Natal de 1787, porém, o que tem início como apenas mais uma delinquência resulta numa série de acontecimentos que mudarão sua vida para sempre. Para escapar da prisão, embarca às pressas num navio da marinha inglesa na função de criado do capitão. Seu plano é fugir na primeira oportunidade, mas o que o aguarda é uma aventura de proporções épicas, na qual não faltarão conflitos entre membros da tripulação, tempestades, portos exóticos, ilhas paradisíacas e um motim, que acabaria por se tornar o mais famoso na história naval.

Misturando ficção e fatos históricos o autor John Boyne leva o leitor pelos subúrbios da antiga Inglaterra, passando por marés recém descobertos na visão de um jovem menino, cuja vida não é nada fácil, para contar uma nova versão do motim ocorrido no navio da marinha britânica HMS Bounty.

Mas ele a pronunciou não para insultar, mas com o desprezo natural pelas outras formas de vida que só um cavalheiro inglês podia ter.

O livro é dividido em cinco partes, que vão da proposta para Turnstile embarcar até o seu retorno em terra firme. Por ter como fundo fatos reais, para os mais curiosos são disponibilizadas as referências utilizadas além de um mapa com a viagem do Bounty.

A história começa em 1787, quando Turnstile conversa sobre livros com um fidalgo francês e rouba o seu relógio. Enquanto já imagina a ceia que teria com a venda do objeto acaba preso. E então o jovem que desconhece seus pais e vive em uma casa cheia de meninos como ele, supervisionados por um homem que só os explora, se vê entre duas escolhas: um ano na prisão ou dois anos navegando em um navio da marinha britânica.

Mas um jovem como você devia ter sempre acesso aos livros. Eles enriquecem o espírito, sabe? Fazem perguntas sobre o universo e nos ajudam a compreender um pouco mais o nosso mundo.

A missão do navio é buscar mudas de fruta-pão para alimentar os escravos das colônias inglesas. A missão de Turnstile é atender as ordens do capitão do navio William Bligh. E assim o menino aprende a conviver em um ambiente às vezes hostil, às vezes formal, às vezes perigoso e às vezes tedioso. 

É neste cenário que o leitor vai conhecer mais da história de Turnstile e ser apresentado pouco a pouco aos personagens desta história, que vão do capitão, aos oficiais, passando pelos marinheiros até o cozinheiro. Não são dias fáceis, pois além de ter que aprender a viver em um ambiente totalmente diferente, era obrigado a tolerar alguns abusos quase tão cruéis quantos os vividos anteriormente em terra.

Os ricos sempre consideram ignorantes os garotos como eu, mas às vezes demonstram ignorância igual ou maior, se bem que de outro tipo.

Nos diálogos entre o capitão e o jovem é possível ter uma ideia da cultura social do período, não raro Turnstile questiona, em pensamento, algumas linhas de raciocínio, onde as diferenças econômicas permitem aos mais poderosos ações bastante equivocadas para o leitor de hoje.

Só que ao chegar à ilha todos parecem se igualar, depois de quase um ano navegando, a variedade de frutas e mulheres que se mostram disponíveis aos tripulantes cria a ideia de que outro estilo de vida é possível. E se a viagem até ali havia sido tranquila, sem maiores brigas ou castigos, os seis meses de sol trataram de mudar os desejos de vida para aqueles homens.

E após um motim, Turnstile que ainda guarda ecos do seu primeiro amor se vê amontoado com aqueles que apoiaram o capitão em uma barca abandonada em meio às águas. A busca para casa trás ainda mais reflexões e completa o amadurecimento de Turnstile.

De onde vinha esse controle, eu não sei. Talvez fosse a solidão ou a segurança daquela aparência familiar. Talvez fosse o fato de nenhum de nós jamais ter conhecido coisa diferente na vida.

O garoto no convés é um livro que te leva a virar páginas, a questionar preconceitos, e descobrir um pouco mais da história da navegação. Narrado em primeira pessoa, Turnstile convida o leitor a sentir as mesmas alegrias e dores, sendo difícil ficar indiferente.

Um livro que eu literamei e recomendo para quem busca uma ótima leitura.

O garoto no convés
Mutiny on the Bounty
John Boyne
Tradução: Luiz A. de Araújo
Companhia das Letras
 2008 – 493 páginas