quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Por que sou gorda, mamãe? - Cíntia Moscovich




Neste livro, a escritora gaúcha, misturando drama e humor, conta sua trajetória para perder peso depois de ter acumulado vinte e dois quilos extras, ou cento e dez tabletes de manteiga, como ela mesma refere. 

Procurando as causas de seu tamanho, faz um reencontro com seu passado, vivido no seio de uma família judaica de pai e mãe, onde comida não podia faltar jamais, era acompanhamento para alegria ou tristeza. 

As lembranças da infância da autora-personagem e de seus parentes desfilam divertidas pelos capítulos, alternados com a narrativa do sacrifício para emagrecer, considerando o histórico de comilança de uma vida inteira e a predisposição genética às formas arredondadas. 

O truncado relacionamento com a mãe é abordado com humor um pouco ressentido: nenhum filho sai imune às marcas do convívio materno – seja para o bem ou para o mal. Ainda mais quando o amor de um filho nunca é suficiente para uma mãe judia, a menos que ele, dentre muitas outras exigências, telefone e a visite, no mínimo, todos os dias da semana, bem como dê mais atenção à vida da mãe judia que à sua própria. 

A autora brinca com seu passado e seu presente, de forma irônica e engraçada, mas não deixa de emocionar quando fala da perda do pai e das dificuldades de lidar com a mãe. A leitura é agradável e fluente de capa a capa, permitindo que o todo responda à pergunta que intitula o livro.

domingo, 9 de agosto de 2009

O Mundo de Sofia


Sinopse: Às vésperas de seu aniversário de quinze anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos. Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo em que vivemos. Os postais foram mandados do Líbano, por um major desconhecido, para uma tal de HildeKnag, jovem que Sofia igualmente desconhece. O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste fascinante romance, que vem conquistando milhões de leitores em todos os países em que foi lançado. De capítulo em capítulo, de "lição" em "lição", o leitor é convidado a trilhar toda a história da filosofia ocidental - dos pré-socráticos aos pós-modernos -, ao mesmo tempo em que se vê envolvido por um intrigante thriller que toma um rumo surpreendente. 


Ao retornar da escola, Sofia abre a caixa de correspondência e se depara com envelopes,folhetos de propaganda e uma pequena carta endereçada a ela. Entrando em casa, ela abre o envelope curiosa, mas ali só consta uma pergunta: Quem é você?

A questão fica ecoando em sua cabeça, trazendo fatos familiares, descontentamento com o aspecto físico... até ela encontrar um segundo envelope que lhe pergunta: De onde vem o mundo?

Depois de pensar um pouco sobre o fato de existir, Sofia não pôde deixar de pensar também que um dia desapareceria.

E o terceiro bilhete, dirigida a alguém chamada Hilde com a assinatura carinhosa de quem se identifica como Papai indicava que aquelas perguntas eram um presente para ajuda-la a crescer como gente, e que ele encaminhava a Sofia por ser a forma mais fácil encontrada por ele. Embora Sofia não conheça a menina em questão.

Dizem que para tudo tem a sua hora, no meu caso, isso incluí alguns livros. Quando li os primeiros capítulos do chamado Romance da história da filosofia, achei a história de Jostein Gaarder um pé no saco, fechando-a e devolvendo a biblioteca, tentando não pensar naquela leitura inacabada. 

Pela primeira vez em sua vida ela pensava que era praticamente impossível viver num mundo sem ao menos perguntar de onde ele vinha.

Passado alguns anos, resolvi enfrenta-lo. Mas desta vez O mundo de Sofia tinha novas cores e foi com curiosidade e alegria que folheei cada página e me aproximei de Sócrates, Aristóteles, Kant, Marx, entre outros. 

De forma simples, mas nem por isso fácil, Sofia e os leitores são defrontados com as perguntas mais antigas das humanidades, e o que os grandes filósofos acharam disso. Como a menina adolescente, muitas vezes é necessário reler os textos ou olhar pela janela para pensar e ouvir a resposta que vem da própria alma (mesmo que ela seja um "não sei”). 

Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar por que a vida é assim como é.

Indo do início do mundo, ao identificar o primeiro capítulo como O Jardim do Éden, passando por referências literárias, como A Cartola, , passando por mitos, destino, idade média até chegarmos ao nosso próprio tempo.

E assim acabamos refletindo junto com Sofia sobre o passado, presente e futuro da humanidade e sobre si, já que elas estão intrinsecamente ligadas.

Os cínicos diziam que a verdadeira felicidade não depende de fatores externos como o luxo, o poder político e a boa saúde. Para eles, a verdadeira felicidade consistia em se libertar dessas coisas casuais e efêmeras.

Naturalmente Sofia é muito mais esperta que os seus leitores, mas por isso mesmo ela se torna a grande porta de entrada para desbravar o mundo dos pensadores. O importante é relaxar e depois das quinhentas e poucas páginas, selecionar os seus ídolos e criar novas teorias. Afinal... somos apenas poeira em um universo que se contrai e se distende.

O Mundo de Sofia - Romance da História da Filosofia
Sofias verden
Jostein Gaarder
Tradução: João Azenha Jr.
Companhia das Letras
1991 - 555 páginas

domingo, 2 de agosto de 2009

Gomorra


Sinopse: As mercadorias "frescas", logo que nascem - objetos de plástico, roupas de grife, videogames, relógios -, desembarcam diariamente no porto de Nápoles para serem armazenadas e escondidas em prédios propositalmente esvaziados de tudo. Já as mercadorias "mortas", vindas de toda a Itália e de boa parte da Europa, sob a forma de resíduos químicos, material tóxico e até mesmo cadáveres e esqueletos humanos, são clandestinamente "despejadas" nas terras da região da Campânia. E lá contaminam, dentre toda a população, os próprios boss da Camorra, que constroem, sobre aqueles terrenos, suas mansões luxuosas e nababescamente absurdas - datchas russas, villas hollywoodianas, verdadeiras catedrais de cimento ornadas com os mais preciosos mármores -, que não servem somente para demonstrar a conquista do poder, mas também para revelar utopias delirantes, pulsões messiânicas e obscurantismo milenares.

O que um contêiner com homens e mulheres chineses mortos, a roupa que a atriz Angelina Jolie usou em uma cerimônia do Oscar, mulheres ocupando cargos elevados, pessoas mortas por balas perdidas, o IVA - Imposto Sobre Valor Agregado, tráfico de droga, disputa de território e corrupção tem em comum? 

Não, não é o morro do Rio de Janeiro, nem um dos filmes de mafiosos distribuídos por Hollywood, apesar dos integrantes dos clãs, pertencentes ao sul da Itália, imitarem a ficção. 

Suas portas mal fechadas se abriram bruscamente e dezenas de corpos começaram a cair.

Roberto Saviano descreve no seu livro de estreia algo que se tornou mais globalizado que o próprio capitalismo: o poder dos criminosos, nesse caso específico, a Camorra. 

Não é uma ficção, o jornalista se infiltrou na máfia napolitana para entender o que ela é, o seu modo de operação, seus tentáculos pelo mundo e as consequências disso.

Na tevê, Angelina Jolie pisava a passarela da noite do Oscar, vestindo um terno de seda branca, belíssimo. Aquela roupa tinha sido costurada por Pasquale numa fábrica clandestina de Arzano.
O primeiro lugar que somos apresentados é justamente ao porto de Nápoles, é neste ponto que chegam milhares de containers, com produtos de todos os tipos, e também os registros e as classificações para cobrança de impostos, onde o caro para o consumidor pode ser extremamente barato para a alfândega, até o descarregamento de mercadoria clandestina.

Na sequencia vamos para o funeral de um rapaz de quinze anos morto por policiais ao assaltar casais com arma de brinquedo, para depois ser apresentados para os estranhos leilões realizados pelas grandes grifes. E assim, página a página, vamos descobrindo mais e mais de como o sistema de uma organização realmente impressionante funciona.

Afinal, um império não se divide com um aberto de mão, mas cortando-se uma delas com um cutelo.

Gomorra não poupa detalhes. Em algumas páginas o leitor precisa realmente ter estômago, enquanto Saviano descreve as torturas ou os teste de novas drogas que são feitas em viciados. Não existe escapatória, pode ser pobre, padre, político ou arrependido, a única certeza para os que contrariam a Camorra é a morte. 

A Camorra são vários clãs criminosos, chefiada na sua maioria por homens jovens que acabam reféns do seu próprio poder. Debocham da velha máfia, pois são politicamente independentes. Suas fontes de dinheiro são variadas, podem vir da venda de armas para países em guerra ou de roupas fabricadas sob medida para populares atrizes desfilarem. 

Na guerra já não é possível ter relações de amor, ligações, relacionamentos, pois tudo pode se tornar um elemento de fraqueza.

Gomorra não é um romance. É um tapa na cara em um texto jornalístico narrado em primeira pessoa, onde depoimentos pessoais se misturam a investigações e histórias do passado. 

A narrativa de Saviano é forte, sua escrita tem fluidez e detalhes que nos fazem não só compartilhar o seu olhar, como sentir os acontecimentos. Desde a primeira página, quando o manobreiro conta num misto de pavor e incredulidade sobre os corpos com crachás pendurados no pescoço que caiam de um contêiner, o estômago aperta como um aviso, o que vem a seguir não é brincadeira.

Ser atingido na cabeça evita tremer de medo, mijar ou soltar fedor do interior dos buracos na barriga. 

Também é um banho de água fria nos que adoram uma grife e anunciam para toda imprensa que colaboram para a construção de um mundo melhor. Pois eles também contribuem, indiretamente ou por simples ignorância, para a máfia italiana. 

A propósito: Gomorra é uma das cidades destruídas por Deus, conforme é descrito no Gênesis, uma cidade, como muitas na Itália e em outros locais do mundo, onde a destruição, por uma escolha, um celular ou uma palavra, se tornam banais. Onde os honestos não têm vez e apenas os imorais possuem o poder sobre a vida e a morte.

São rapazes, mortes falantes, mortos vivos, mortos que se movem... Belos ou não, te pegam e te mantam, mas a vida já está mesmo perdida...

Um livro para quem quer entender mais o que consome, para quem leu a Série Napolitana da Elena Ferrante e quer saber mais, um livro para compreender como as organizações criminosas funcionam e são mais resistentes que qualquer governo. Um livro que eu simplesmente recomendo a leitura.

Gomorra
Roberto Saviano
Tradução: Elaine Niccolai
Bertrand Brasil
2006 - 349 páginas