domingo, 27 de dezembro de 2009

Nosso homem em Havana


Sinopse: Certamente o mais bem-sucedido "passatempo" ou "diversão" de Graham Greene, este cômico jogo de espionagem na Cuba pré-Fidel Castro apresenta um insignificante vendedor de aspiradores que se transforma num agente do M16 - ou "nosso homem em Havana. Contudo, as mentiras que Greene forja nos relatos do seu personagem começam a se tornar reais nesta sátira publicada em 1958. Embora tenha uma profunda e melancólica tragédia oculta no seu passado, a história permanece deliciosamente absurda, fruto dos melhores esforços do escritor. E é em parte uma reminiscência do clássico O Agente Secreto, de Joseph Conrad, no qual um anarquista travestido de comerciante recebe pagamento como espião por nada fazer (dinheiro que lhe permite manter a companhia de uma bela mulher).

Jim Wormold é um inglês que mora a muitos anos na capital cubana, da relação ficou a guarda da sua filha Millie, uma adolescente que estuda em uma escola no convento americano, possui gostos caros e é o que preenche o vazio dos seus pais.

Não obstante, um estranho poderia ter a impressão de que se extinguiria primeiro, pois as sombras lá estavam - sombras de angústia que estão além do alcance de um tranquilizante.

Um dia, em sua vazia loja de aspiradores, recebe a visita do engraçado agente do M16 Hawthorne, que vê nele características para se tornar o espião que eles precisam. Em um primeiro momento Wormold não quer considerar a proposta, mas seu amigo alemão de mais de 15 anos, Hasselbacher, lhe dá a ideia de forjar relatórios e assim ficar com o dinheiro.

Pensando em resolver os seus problemas financeiros e atender aos desejos da adorada filha, ele resolve adotar a ideia e assim entra em um universo paralelo, inventando diversos agentes, utilizando-se de nomes de pessoas reais aos quais não mantém nenhum contato, e utiliza os desenhos das peças dos aspiradores que vende para criar plantas de fábrica.

Se ao menos tivéssemos nascido palhaços, nada de mau poderia acontecer-nos, salvo algumas contusões e manchas de alvaiade.

Nas primeiras semanas Wormold se sente feliz em sua aventura, pois tem o sentimento de estar fazendo algo interessante sem se preocupar com dinheiro. Tudo muda quando um de seus falsos agentes é assassinado e sua própria vida passa a correr risco. 

Mas ao mesmo tempo que corre contra o tempo para que não tenha mais nenhuma vítima, Wormold experimenta após muitos anos a paixão por uma mulher. Mudando de vez a sua pacata vida de vendedor de aspiradores.

Pela primeira vez, ocorreu-lhe que aos olhos deles - fossem eles lá quem fossem - ele havia recebido dinheiro sem que houvesse dado nada em troca.

Misturando comédia, espionagem, conflitos políticos e análise psicológica, Graham Greene consegue em Nosso homem em Havana divertir e interessar o leitor da primeira a última página. Narrado em terceira pessoa e dividido em cinco partes, a escrita do autor é muito fluída, instigando o leitor a virar mais uma página para descobrir como o personagem irá se desenrolar de toda essa confusão.

Nosso Homem em Havana
Our man in Havana
Graham Greene
Tradução: Brenno Silveira
RBS Publicações
1958 - 286 páginas

domingo, 20 de dezembro de 2009

Manhattan – Louca e Desvairada


Sinopse Jogos de Espelhos: A grande chance na carreira de Ariel Kirkwood aparece quando o escritor Booth DeWitt a escolhe para interpretar o papel de Elizabeth Hunter, a cruel ex-esposa dele. E Ariel queria mais do que ser atriz principal de um filme autobiográfico de Booth. Mas será que conseguiria convencê-lo de que ela era uma mulher real?

Ariel é uma atriz em ascensão, há cinco anos ela interpreta a mesma personagem de uma popular novela diurna. Aos 25 anos de idade, é uma jovem mulher otimista e de bem com a vida, que acredita no melhor das pessoas.

Mas isso não quer dizer que ela não tenha problemas, afinal, estamos falando de um romance de Nora Roberts. 

Alguma atriz algum dia é ela mesma?

De início Ariel nunca foi apaixonada por ninguém, ela ainda espera encontrar alguém que lhe faça os joelhos tremerem. o que ela encontra no diretor Booth De Witt, um diretor de cinema que busca a atriz perfeita para fazer o papel de sua ex-esposa. 

A escolha do tema foi a terapia de Booth, ao transferir toda a sua raiva para as palavras, ele desiste de jogar tudo na gaveta e se expor em nome do que considera a sua melhor obra. E ao ver Ariel representar tão perfeitamente a causadora de toda a dor, será atingindo por sentimentos conflitantes.

Bastava-lhe ver seu sorriso, ouvir sua risada, ouvi-la falar sobre algo que não necessariamente fizesse sentido.

Em paralelo ao novo relacionamento ela tem o desafio de enfrentar os avós maternos de seu sobrinho, ao qual deseja adotar por acreditar que ele não é feliz. 

Sinopse Um Herói em Nova York: A especialidade de Mitch Dempsey era criar super-heróis, não exatamente ser um deles. Mas havia algo na tímida Hester Wallace e em Radley, seu filho de nove anos, que despertava em Mitch o desejo de protegê-los, honrá-los e amá-los para sempre.

Hester e Radley acabaram de se mudar, o garoto, fã de quadrinhos, se prepara para ser a novidade no bairro e na escola entre os mais jovens. O menino não gosta que a mãe se sinta infeliz pelo seu pai ter ido embora.

Hester vive as aflições de uma mãe em criar um filho, com o adicional de não ter com quem dividir as suas preocupações e decisões.

Ele não precisava mesmo de um pai, porque tinha ela.

Enquanto isso o seu vizinho Mitch Dempsey precisa de ideias para suas novas histórias, é quanto o erro do entregador de pizza lhe dá a oportunidade de conhecer de perto a sua vizinha. Se Hester é toda fechada neste primeiro encontro, enquanto Radley vai a felicidade pura ao conhecer o criador de seu personagem em quadrinhos favorito.

O encanto do menino Radley pelo homem bonito e criativo, somado ao fato do garoto sonhar em ter um pai de verdade - pois pais de verdade não vão embora como o seu pai biológico -, tornam a segunda história particularmente interessante, pois o que poderia ser um dramalhão mexicano é apenas um reflexo do comportamento de homens que abandonam suas famílias na vida real. 

Às vezes é melhor não cavar fundo demais quando na verdade não se quer saber.

Não há lágrimas nos olhos do menino, apenas uma saudade que faz o leitor sentir vontade de abraça-lo, enquanto relaxa e se emociona com as histórias de Nora Roberts.

As duas histórias se utilizam da narrativa em terceira pessoa e exploram o romântico, ficando centralizada no casal principal e poucos secundários. Não é um livro para filosofar, pensar ou debater, mas para relaxar e se deixar levar pelos personagens.

Afinal, uma leitura leve também é sempre bom para nos tirar do stress do dia-a-dia.

Manhattan - Louca e Desvairada
Truly, Madly, Manhattan
Nora Roberts
Tradução: Alda Porto
Harlequin Books
1985 - 444 páginas
Onde comprar: Amazon

domingo, 13 de dezembro de 2009

Uma Vida Inventada


Sinopse: É inútil tentar separar realidade e fantasia em Uma vida inventada. Em seu segundo livro, Maitê Proença mistura literatura e vida, verdade e imaginação, brincando com o leitor de esconder e revelar. Mais importante do que a realidade é o jogo narrativo em que ela nos envolve. "Eu mesma, no íntimo, sou bastante comum", revela a autora para, logo em seguida, nos arrebatar com histórias incríveis, valendo-se de uma linguagem extremamente pessoal, às vezes lírica, às vezes dramática. Com muito sendo de humor e ironia, ela desfia casos surpreendentes, entremeados com a história de uma menina que quis desbravar o mundo e, descobrindo-o, descobriu a si mesma. 


Com duas histórias ocorrendo em paralelo, confirmamos o que é descrito na orelha inicial do livro, é difícil saber o que é ficção e o que é autobiográfico no livro escrito por Maitê Proença. 

Uma menina vive entre um pai em fúria que lhe conta sobre uma separação e uma mãe tranquila e alegre que afirma a filha que só havia concordando em considerar tal possibilidade para acalmar o marido.

E assim procurava encontrar o caminho para os porões ocultos onde agora vivia seu pai, e, quem sabe, trazê-lo de volta para um momento já transcorrido, em que tudo seria possível... se aquilo fosse possível.

Mas a própria mãe acaba buscando abraços mais gentis, o que gera revolta em seu irmão e deixa a mente da menina confusa, que vive envergonhada de si e da figura materna que a guiava.

Quando entramos nas memórias da autora, ela inicia nos contando sobre o seu tumulto interno, suas primeiras vezes, suas relações afetivas. Do temperamento da família que não consegue medir consequências, até a sorte que tem de não ter sido consumida pelas drogas que usou.

Esta noite num perrengue de casal fiz o de sempre, o de ontem, de há dez anos, vinte: comparei um amor com outro para desmerecer esse que amo agora.

E o que se segue não tem pudores, e a forma como ela conecta os seus próprios traumas, como de uma gravidez ao dezesseis anos que foi seguida de um aborto, assim como o fato da mãe ter sido vítima de feminicídio, fez com que me sentisse em uma sala ouvindo suas histórias mais íntimas, como um encontro entre amigas, onde dividimos o que está na nossa alma e assim aliviamos nossas mágoas, para em seguida relembrar nossas alegrias.

Se em um momento o narrador em terceira pessoa irá contar a história de uma menina que tem a vida totalmente alterada pelo fato do pai ter assassinado sua mãe, do outro, em primeira pessoa, a autora conta sobre diversas passagens de sua vida sem meias palavras, citando a filha, familiares, amigos, amantes e aventuras. 

Minha mãe foi uma mulher extraordinária. Era alegre, vibrante, gostava de brincar, dançar, falar, e era muitíssimo inteligente.

Em comum temos a figura de mulheres, reais e imaginárias, seus dilemas, problemas, personalidades, características e saudades. Maitê, como a menina, perdeu a sua, e a descreve a com um misto de carinho e saudade.


Se o início é traumático, onde amor e ódio, vida e morte são separados por uma linha tênue, no decorrer das páginas será possível identificar também alegria, ironia, maturidade e loucura, nos lembrando que nos dois mundos, o real e o da imaginação, há equilíbrio. 

Não existe sentimento mais forte que uma imensa paixão. A gente sofre, cega, emburrece, se adoenta e sara. E depois, como se nada houvera, se apaixona de novo.

O que nos leva a crer que se entregar a tudo o que a vida oferece não significa acabar com as dúvidas, afinal, os questionamentos são combustíveis para seguirmos os dias. Nem que a beleza e a fama são garantias de um felizes para sempre. 

Nesse momento, percebe-se que verdades e mentiras se misturam, podendo-se acreditar que tudo o que está descrito em ambas as narrativas aconteceu, como imaginar que tudo não passa de um “Se” com “S” em maiúsculo mesmo.

A mãe observou a filha minuciosamente, como jamais havia feito, e comoveu-se ao perceber que havia muito dela mesma naquela criança. 

Ao mesmo tempo é possível perceber que entramos em um universo totalmente feminino, onde é impossível não se identificar com uma ou mais situações, assim como os sentimentos ali descrito, tornando essa conversa ainda mais íntima, compartilhando risadas e apoio. 

Uma única coisa é certa, Maitê, nós leitores e suas personagens parecem estar sempre na mesma busca diária: o dia em que nos encontraremos. 

Uma vida inventada - Memórias trocadas e outras histórias
Maitê Proença
Editora Agir
2008 - 214

domingo, 29 de novembro de 2009

Dublinenses


Sinopse: Em Dublinenses, James Joyce nos permite observar por um tempo determinado, sem que sejamos vistos, diferentes pessoas em situações da vida cotidiana. A única coisa que todas elas têm em comum é o fato de viverem em Dublin. Quanto ao restante, cada caso é diferente dos demais, embora não possamos deixar de reconhecer traços de caráter comuns a muito dos personagens, como, por exemplo, a inclinação para a bebida.

Transformando os leitores em voyers, o escritor James Joyce nos leva para a sua terra natal, onde em quinze contos nos dá um gostinho de uma típica rotina na vida dos irlandeses.

Religião, sexo, inveja e nostalgia se misturam, assim como as idades diversas. Tudo isso sem surpresas e muito menos lições de moral, apenas circunstâncias normais, onde os valores e costumes da região irão encaminhar os personagens em histórias que não possuem realmente um final, já que fica claro que muita coisa ainda deve vir. 

Se estivesse morto, pensava, eu veria o reflexo das velas nas cortinas escuras, pois sabia que duas velas devem ser deslocadas à cabeceira de um defunto.

O conto que abre a história é As irmãs começa com um diálogo, onde o narrador é informado que o padre Flynn, está morto e em sequencia descobrimos um pouco mais sobre o falecido. 

Em Um encontro, meninos descobrem em uma pequena biblioteca o Oeste Selvagem e isso serve de combustível para as suas aventuras até o encontro com um velho senhor.

Afirmou que meu amigo era um menino muito rude e perguntou-me se ele era açoitado na escola muitas vezes.

Uma rua tranquila dá as boas-vindas em Arábia, onde um menino tem a curiosidade despertada entre os os pertences de um inquilino falecido e o encontro com o seu primeiro amor.

O quarto conto tem nome de mulher e uma personagem principal: Eveline. Nas memórias de infância os que já se foram e os que haviam crescido, e uma decisão, é hora de ir embora.

Falavam alto e alegremente e suas capas flutuavam sobre os ombros. O povo abria-lhes caminho.

São os carros que recebem o leitor em Após a corrida, onde muitos se aglomeram para vê-los passar no topo de uma colina. Em cada um, pilotos de diferentes nacionalidades e características, assim como o grupo que acompanhava tudo de uma carroceria.

É o crepúsculo de um domingo de verão que nos trás Dois galantes, dois jovens que descem uma ladeira lado a lado em uma conversa sobre relacionamento com o sexo oposto, em comentários machistas que podem ferir os mais sensíveis.

Sentia agudamente o contraste entre suas vidas, que lhe parecia injusto.

Uma mulher forte, que conseguiu dispensar o marido bêbado e inútil em um país extremamente católico, nos é apresentada em A pensão, junto com os seus hóspedes e seus filhos.

O reencontro de dois amigos após oito anos de separação é a base para Uma pequena nuvem, onde mais do que o tempo, mas as escolhas de cada um os tornaram muito diferentes, causando sentimentos conflituosos no que permaneceu na cidade de origem.

As frases surradas, as falsas demonstrações de pesar, as palavras do repórter subornado para ocultar os detalhes de uma morte vulgar, revolviam-lhe o estômago.

Um homem cuja atenção é chamada com frequência no trabalho é o fio condutor de Contrapartida, um personagem que me deixou particularmente muito incomodada.

A expectativa de Maria por uma noite de folga é o início de Argila, uma mulher calma e trabalhadeira que ainda tem muito carinho por uma família que a empregou.

Estava silencioso por dois motivos. Primeiro, razão já suficiente, por não ter nada a dizer. Segundo, por considerar inferiores os seus companheiros.

Já em Um caso doloroso temos um senhor que quer distância da sua cidade de origem e sozinho mora em uma casa velha, mobiliada por ele, e mantida sempre organizada, até que um dia é surpreendido por uma mulher.

O nome do conto Dia de hera na lapela já possui por si só uma história, já que é relacionado ao aniversário de morte do líder do partido irlandês Charles Steward Parnell.  Na história de James Joyce os personagens estão envolvidos com as eleições municipais.

O chapéu rolara alguns metros e suas roupas estavam sujas da imundície que escoava no lugar em que havia caído de rosto no chão.

Organizar uma série de concertos, esta é a tarefa de Holohan em Mãe, mas quem realmente toma as rédeas é a senhora Kearney, uma mulher que por praticidade casou com um homem mais velho, mas que nunca abandonou os sonhos antigos.

Em Graça temos um homem caído no chã de um lavatório, que reconhecido por um jovem da Polícia Real é levado para casa, onde a esposa lamenta o seu estado.

Será que apesar de todo seu proselitismo ela teria uma verdadeira vida interior?

O livro é encerrado com o conto mais longo entre os 15. Os mortos tem como personagem de ligação Gabriel Conroy cuja chegada em um baile anual nos apresenta diferentes personagens, enquanto segredos acabam sendo revelados.

Mesmo sendo histórias comuns, a forma da narrativa envolve o leitor, podendo fazer com que este recorde de fatos lidos ou até vividos. Pois, independente da época ou lugar, todos vivem momentos em que precisam tomar uma decisão ou são simplesmente levados por aquilo que chamamos de destino.

Quando alcançou a idade de casar, foi enviada a muitas casas, onde seu talento e suas brilhantes maneiras eram muito admiradas.

E embora tenha um toque de fatalidade, onde a tensão e a reflexão sobre o que é lido estão interligados, a escrita de James Joyce me capturou, me transportando para as ruas de uma Dublin mais antiga, ao mesmo tempo que despertou o desejo de conhecer a sua versão atual com os meus próprios olhos.

Um livro para quem gosta de contos, para quem gosta de ler sobre o cotidiano ou simplesmente para quem gosta de boas histórias.

Dublinenses
Dubliners
James Joyce
Tradução: Hamilton Trevisan
RBS Publicações
1913 - 222 páginas

domingo, 22 de novembro de 2009

As Cidades Invisíveis


Sinopse: Neste fabuloso trabalho, a narração fica por conta do famoso viajante veneziano Marco Polo, e o ouvinte é Kublai Khan, o velho e imperador dos tártaros. À medida que Marco Polo começa a descrever as cidades que supostamente visitou - com nomes de mulheres sedutoras, Diomira, Isidora, Dorotéia, Zaíra e tantas outras -, elas parecem joias, tais como manuscritos medievais. Gradativamente, as histórias circundam elementos do mundo moderno, e suas imagens começam a ganhar cor, conforme os olhos do viajante se movem no tempo e no espaço. No fim, o imperador é levado a acreditar em cidades que ainda não existem, mas que existirão no futuro.

Passado, presente (e talvez futuro) se misturam nas descrições de diversas cidades que o viajante veneziano , Marco Polo, faz em detalhes para o imperador dos tártaros Kublai Khan. ele os descobre, invade e investiga através de um homem, que passa um longo tempo fora e depois retorna, cheio de histórias. 

O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade.

Cada cidade encontra-se em uma categoria, pode ser memória, desejo, símbolo, delgada, troca, olhos, nome, mortos, céu, oculta ou contínua. E desta forma, o livro é dividido, mostrando em cada parte suas semelhanças e diferenças. 

Aquela manhã em Dorotéia senti que não havia bem que não pudesse esperar da vida.

Embora a sensação de dejavu venha entre cidades de categorias diferentes. O que parece descrições de ruas, acaba virando as diversas facetas do ser humano, deixando o leitor sem saber se as cidades são os espelhos de sua população ou se a população é um reflexo dos caminhos, muros e divisas de onde moram. Levando a crer que, no final das contas, as cidades nada mais são do que críticas as pessoas que estão por perto ou a própria humanidade.

Retornou de países igualmente distantes e tudo o que tem a dizer são os pensamentos que ocorrem a quem toma a brisa noturna na porta de casa.

Utilizando-se de pessoas reais para escrever a sua ficção, em capítulos curtos, quando utiliza a narrativa em primeira pessoa, é como se estivéssemos junto com o imperador tártaro escutando as histórias e viajando junto com Marco Polo em suas descrições.

Deste modo a cidade repete uma vida idêntica deslocando-se para cima e para baixo em seu tabuleiro vazio.

Quando muda para terceira pessoa, acompanhamos os diálogos entre os dois, onde em um primeiro momento Kublai Khan questiona a falta de dados de valor, como minas e preços vantajosos, enquanto Marco Polo segue firme em sua argumentação movida a sentimentos.

Você, que explora em profundidade e é capaz de interpretar os símbolos, saberia me dizer em que direção a qual desses futuros nos levam os ventos propícios?

O grande feito do escritor Ítalo Calvino nesse livro é permitir que o leitor tire a sua própria conclusão. É possível criar teorias, ou apenas relacionar as cidades descritas com aquelas que vemos no cotidiano. Sendo-se livre para ver, refletir ou desacreditar nesta mistura de fantástico e indefinível.

As Cidades Invisíveis
Le città invisibili
Italo Calvino
Tradução: Diogo Mainardi
RBS Publicações
1972 - 158 páginas

sábado, 14 de novembro de 2009

A Linha de Sombra


Sinopse: Última obra-prima escrita por Joseph Conrad, A Linha de Sombra marca o limite - tão indefinível e incompreensível, quanto inquietante e doloroso - que num determinado momento da vida configura, de modo irrevogável, o fim da juventude. Para o protagonista deste romance intenso, a ultrapassagem dessa fronteira coincide com uma experiência excepcional e dramática: oficial da marinha mercante, em seu primeiro comando se defronta com uma interminável calmaria no clima insalubre dos mares do Sudoeste Asiático, enquanto vê sua tripulação ser dizimada por uma violenta epidemia de febre.

Narrado em primeira pessoa por um protagonista sem nome, acompanhamos um episódio de sua juventude, quando ele descarta subitamente o seu posto em um navio a vapor em um porto oriental, mesmo se considerando feliz na embarcação e com os companheiros de bordo, para retornar para casa.

É um privilégio do começo da juventude viver adiante de seus dias, em toda a bela continuidade de esperança que não conhece pausas ou interrupções.

Sem passagem de retorno comprada ou algo lhe esperando, surge uma oferta inesperada de comandar o navio Melita, em direção a Bancoc. Encargo que ele aceita e se prepara para partir no mesmo dia, enquanto se acostuma a ser chamado de capitão.

Dos primeiros sentimentos de conhecer a sua tripulação e sentar em uma cadeira já habitada por muitos outros homens, começam as novidades em relação ao navio, como uma certa tensão, ou o fato da embarcação nunca ter tido a sua capacidade aproveitada ao máximo, e claro, os seus mistérios.

Eu não conseguia ver nem ouvir mais ninguém, mas quando falei abertamente, murmúrios tristes de resposta encheram o tombadilho, e sias sombras pareciam se mover aqui e ali.

Logo ele se vê cheio de complicações a serem resolvidas, sendo a maior delas o tempo ao ter vários homens doentes, não era mais questão de dinheiro, mas também de vidas, enquanto tenta levar o navio para o mar e assim retornar para o porto de origem.

Mas o navio avança lentamente, consumindo recursos físicos e psicológicos de seus tripulantes, onde as teorias para um tempo parado que faz a embarcação se arrastar, pareça muito mais do que o acaso.

A barreira de pavorosa imobilidade que nos encerrara por tantos dias, como se estivéssemos sob uma maldição, estava rompida.

Em A Linha de Sombra o escritor Joseph Conrad utiliza-se da lentidão da embarcação para narrar as etapas e dificuldades do amadurecimento pessoal e profissional do rapaz. Ao fazer o protagonista lidar com uma soma de dificuldades para quem lidera uma equipe pela primeira vez, com o agravamento de não ter nenhum preparo para a função. 

Qualidades naturais, dor, culpa, se misturam, fazendo surgir cicatrizes invisíveis. Um livro curto, mas bastante envolvente, indicado principalmente para os que possuem ambição em serem líderes, pois a tripulação adoecida é muito parecida com algumas das equipes de trabalhos da atualidade.

A Linha de Sombra
The Shadow-line
Joseph Conrad
Tradução: maria Antonia Van Acker
RBS Publicações
1916 - 159 páginas

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Blackwater

A Blackwater USA é uma empresa norte americana dedicada a um segmento que tradicionalmente é de competência do poder público. Trata-se de uma iniciativa bem sucedida por oferecer serviços inovadores, de eficiência comprovada e a preços competitivos. Até aí nada de mais, seria apenas um entre tantos exemplos da política de privatizações. O que chama atenção nesse caso é o ramo de atuação da companhia: a guerra.

Fundamentado em uma pesquisa rigorosa, o jornalista americano Jeremy Scahill traça um minucioso panorama da trajetória da Blackwater. De sua origem, como um moderno campo de treinamento para as forças armadas dos EUA, até seu estabelecimento como a mais poderosa milícia paramilitar a serviço do governo americano, ou seja, um exército mercenário. Essa história de sucesso tem como pano de fundo a ascensão do partido republicano ao governo dos EUA e a histeria provocada pelos ataques terroristas de 11 de Setembro. A invasão e conseqüente “reconstrução” do Iraque forneceriam o ambiente ideal para a prosperidade dos negócios da Blackwater. E o lucro, neste caso, está intimamente relacionado com a execução de civis – alguns, a serviço da própria empresa.

Sem ser panfletário ou maniqueísta, o texto expõem de modo claro as manipulações por trás dos bilionários contratos da empresa. Dá uma ênfase especial aos discursos e manifestações públicas dos executivos – entre eles, ex-diretores e espiões da CIA – que beiram o surrealismo em sua retórica politicamente correta, abundante em expressões como paz, solidariedade e humanismo.

Por tratar de um assunto com tantas implicações na vida de todos – para nós, latino americanos, especialmente o interesse das empresas na “guerra contra o narcotráfico” - o livro é sem dúvida um documento imprescindível para quem quer entender o tipo de mundo em que vivemos. Ao final da leitura, a impressão que fica é de que algo parece escapar sobre a compreensão da realidade, ou talvez tentemos evitar a constatação de que, cada vez mais, vidas humanas são reduzidas a simples estatísticas.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Jogo do Anjo



Sinopse: Barcelona, anos 20. David Martín, jovem escritor caído em desgraça, recebe uma oferta irrecusável. Andreas Corelli, homem tão amável quanto misterioso, lhe encomenda um livro capaz de impactar o rumo da História. Para David, estão em jogo sua saúde e uma fortuna em dinheiro. E, possivelmente, muito mais do que isso... Em O Jogo do Anjo, Carlos Ruiz Zafón retorna à cidade do Cemitério dos Livros Esquecidos e guia seus leitores através de um labirinto de segredos onde o amor pelos livros, a paixão e a amizade se misturam. 


Carlos Ruiz Zafón nos leva novamente a Barcelona, agora em 1920, e apresenta o jovem David Martín, cuja ambição é viver da escrita e por ela acaba vivenciando o inimaginável. 

Um escritor nunca esquece a primeira vez em que aceita algumas moedas ou um elogio em troca de uma história.

O Jogo do Anjo é surpreendente. Zafón leva o leitor calmamente em uma narrativa em primeira pessoa, fazendo-o pensar que é uma nova versão de A Sombra do Vento. Mas conforme as páginas vão passando, novos desejos, medos e surpresas vão se apresentando, mostrando claramente ser uma peça diferente de um mesmo quebra-cabeça. 

David é um jovem escritor de livros baratos, que atendendo ao pedido de seu grande amor, acaba reescrevendo o livro de um grande e rico amigo, responsável em apoia-lo financeiramente após a morte de seu pai. 

Lá aprendi que nessa vida quase tudo se esquece, a começar pelos cheiros, e que, se eu aspirava a alguma coisa nesse mundo, era não morrer num lugar como aquele.

Seus sentimentos tornam-se contraditórios quando o livro escrito em nome do seu amigo se torna um grande sucesso e o que possui o seu nome é rechaçado pela crítica. Nesse momento, um editor surge em sua vida, encomendando um livro misterioso que irá mudar toda a sua vida e valores. 

Ao fechar o livro, é impossível desprender da história, que chega a ser surreal. O que se é capaz de fazer por dinheiro? Até que ponto mudamos por amor? O que podemos fazer para se obter a vida eterna? O que é ter fé? 

Preferi não perguntar como podia saber que me encontraria naquele lugar, se eu mesmo não sabia onde estava.

Somado a isso, temos o adorável retorno à livraria Sempere e ao cemitério dos livros esquecidos, que acabam tendo parte de seus segredos revelados, enquanto David se divide entre amizade, mistério, morte e o seu único dom: a escrita.

Mais uma narrativa fantástica de Zafón, que se tornou um dos meus escritores favoritos, o que me faz recomendar a leitura de seus livros sempre.

O Jogo do Anjo
El Juego del Ángel
Carlos Ruiz Zafón
Tradução: Eliana Aguiar
Editora Suma
2008 - 410 páginas

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Meu Guri - David Coimbra




Li “Meu Guri” do David Coimbra. Me rendi, o livro é ótimo. Digamos que eu gostaria de tê-lo escrito, mas com a visão materna. Quem sabe? 

Quando uma amiga me recomendou, fiz bico e disse que não gostava do que o autor escrevia. Mas tem razão quem redigiu as orelhas do livro ao dizer que o filho transformou-o e que o assunto “paternidade” passou a ser o melhor assunto do David. 

Eu mesma já tinha constatado isso nas crônicas “pós-parto” do autor, antes mesmo de ter minha percepção confirmada por mais alguém nas orelhas do livro. Dá para ver que o livro foi escrito com amor de pai, recém descoberto. 

É cheio de pequenas histórias que vão desde o espermograma, passam pela gravidez da mulher, o nascimento e a sequência de meses de vida do gurizinho. Têm algumas narrativas de chorar de tanto rir, como aquela em que a mulher inventa de fazer um book fotográfico nua e a que ele narra sua primeira troca de fraldas. 

Em compensação, também dá para se emocionar com o autor descobrindo o amor pelo filho quando de seu nascimento e ao falar da avó em seus últimos dias, comparando o amor da senhora pelo autor com aquele que ele sente pelo filho: é incondicional. 

Ainda assim, basta um sorriso daquele pequeno ser para tudo ser recompensado. A conclusão a que se chega é que qualquer ser humano, por mais insensível, não resiste a um bebê, não tem como não se apaixonar por um filho.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Cordilheira




Anita é uma jovem e talentosa escritora. Ela acaba de levar um fora de seu namorado. Para piorar seu momento, uma de suas melhores amigas resolve se suicidar. 

E é neste espaço de tempo, que a escritora decide ir à Buenos Aires para o lançamento da tradução argentina de seu romance. Ainda sob o impacto do fim do relacionamento e da perda da amiga, Anita conhece José Holden - também escritor e seu fã. 

A partir do momento que os protagonistas vão se conhecendo, eles vão se envolvendo - apesar de ambos relutarem. Anita quer realizar seu sonho: engravidar e regressar para o Brasil (já que não pôde ter um filho com Danilo, decide engravidar de José). E José é daqueles escritores que encarna o personagem - essa é a sua prioridade. Aliás, seus amigos- também escritores, fazem o mesmo.

Cordilheira é o terceiro romance de Daniel Galera. A obra faz parte da coleção Amores Expressos - projeto no qual autores brasileiros escrevem romances ambientados nas mais diversas cidades do mundo.

domingo, 13 de setembro de 2009

Marley & Eu


Sinopse: John e Jenny haviam acabado de se casar. Eles eram jovens e apaixonados, vivendo em uma pequena e perfeita casa e nenhuma preocupação. Jenny queria testar seu talento materno antes de enveredar pelo caminho da gravidez. Ela temia não ter vindo com esse "dom" no DNA, justamente porque matara uma planta por excesso de cuidado: afogando-a. Então, eles decidiram ter um mascote. Vão a uma fazenda, escolhem Marley, ao tomar contato com uma ninhada, porque também ficaram encantados com a doçura da mãe, Lily; só depois têm uma rápida visão do pau, Sammy Boy, um cão rabugento, mal-encarado e bagunceiro. Rezam para que Marley tenha puxado à mãe, porém suas "preces" não são atendidas. A vida daquela família nunca mais seria a mesma.

Utilizando-se de leveza e emoção, o jornalista John Grogan escreveu a biografia do seu casamento, tendo como base um simpático e trapalhão labrador, que muda toda a rotina calma do jovem casal com suas travessuras. 

Quem você decidir levar hoje vai viver com você por muitos e muitos anos.

Comportamento comum nos casais atuais, Grogan e sua esposa compram um filhote para se prepararem antes de terem filhos, o que eles não contavam é que o lindo filhote iria crescer muito, esconder objetos e coloca-los em algumas situações constrangedoras. 

Utilizando a sua própria voz, John Grogan convida o leitor para acompanhar, como num big brother escrito, treze anos na vida da família do autor. E isso vai além do Marley, já que temos a chegada dos filhos, a vida profissionais, os altos e baixos de uma convivência a dois.

 
Ele espanava mesinhas de centro, espalhava revistas, derrubava as molduras de fotografias das prateleiras, fazia zunir garrafas de cerveja e copos de vinho.

Incertezas, decisões e experiências de um jovem casal dividem espaço com destruições caninas em seu novo lar. Engraçado e relaxante, Marley & Eu utiliza-se da simplicidade para emocionar os leitores mais sensíveis. 

Aos insensíveis, fica a dúvida se Marley não é apenas uma forma de Grogan conquistar os seus quinze minutos de fama, já que em um dos capítulos é relatado o convite ao cão para participar de um filme, e seu dono fica sonhando em ser chamado para atuar e assim, se tornar uma celebridade - fato que se tornou concreto com o sucesso do livro, que entrou rapidamente para a lista dos mais vendidos.

Mesmo sendo marinheiros de primeira viagem como futuros pais, sabíamos que não poderíamos prender nossos filhos na garagem com uma vasilha de água ao sair para trabalhar.

E isso é facilmente entendível, pois a escrita de Grogan permite facilmente o leitor se sentir parte de sua família e compartilhar os sentimentos ali descritos. 

Para os que se aventurarem na leitura, preparem-se para algumas risadas e lágrimas. Para os amantes do mundo animal, existe uma grande chance de relembrar velhos amigos. 

Nem todo mundo aprovava a confiança que depositávamos em nosso cão.

Aos que possuem medo - usando um termo mais aceito: fobia canina - ou receio que divide entre a responsabilidade de cuidar de um animal e a curiosidade em descobrir o tão falado amor canino, fica o conselho: observe o pai e a mãe do filhote, pesquise a raça, para não ganhar de companheiro alguém ao qual não tem pique para acompanhar.

E um pedido, caso queira comprar um labrador, tenha um pátio para que ele consiga gastar toda a energia característica da raça, tenho um vizinho que mantém um cão desta raça em um apartamento pequeno, e o olhar triste do bicho é de cortar o coração.

Para quem curte o leia o livro, veja o filme, há uma versão cinematográfica com Owen Wilson e Jennifer Aniston no papel do casal principal.

Marley & Eu - A vida e o amor ao lado do pior cão do mundo
Marley & Me
John Grogan
Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta e Elvira Serapicos
Ediouro
2005 - 302 páginas

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Por que sou gorda, mamãe? - Cíntia Moscovich




Neste livro, a escritora gaúcha, misturando drama e humor, conta sua trajetória para perder peso depois de ter acumulado vinte e dois quilos extras, ou cento e dez tabletes de manteiga, como ela mesma refere. 

Procurando as causas de seu tamanho, faz um reencontro com seu passado, vivido no seio de uma família judaica de pai e mãe, onde comida não podia faltar jamais, era acompanhamento para alegria ou tristeza. 

As lembranças da infância da autora-personagem e de seus parentes desfilam divertidas pelos capítulos, alternados com a narrativa do sacrifício para emagrecer, considerando o histórico de comilança de uma vida inteira e a predisposição genética às formas arredondadas. 

O truncado relacionamento com a mãe é abordado com humor um pouco ressentido: nenhum filho sai imune às marcas do convívio materno – seja para o bem ou para o mal. Ainda mais quando o amor de um filho nunca é suficiente para uma mãe judia, a menos que ele, dentre muitas outras exigências, telefone e a visite, no mínimo, todos os dias da semana, bem como dê mais atenção à vida da mãe judia que à sua própria. 

A autora brinca com seu passado e seu presente, de forma irônica e engraçada, mas não deixa de emocionar quando fala da perda do pai e das dificuldades de lidar com a mãe. A leitura é agradável e fluente de capa a capa, permitindo que o todo responda à pergunta que intitula o livro.

domingo, 9 de agosto de 2009

O Mundo de Sofia


Sinopse: Às vésperas de seu aniversário de quinze anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos. Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo em que vivemos. Os postais foram mandados do Líbano, por um major desconhecido, para uma tal de HildeKnag, jovem que Sofia igualmente desconhece. O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste fascinante romance, que vem conquistando milhões de leitores em todos os países em que foi lançado. De capítulo em capítulo, de "lição" em "lição", o leitor é convidado a trilhar toda a história da filosofia ocidental - dos pré-socráticos aos pós-modernos -, ao mesmo tempo em que se vê envolvido por um intrigante thriller que toma um rumo surpreendente. 


Ao retornar da escola, Sofia abre a caixa de correspondência e se depara com envelopes,folhetos de propaganda e uma pequena carta endereçada a ela. Entrando em casa, ela abre o envelope curiosa, mas ali só consta uma pergunta: Quem é você?

A questão fica ecoando em sua cabeça, trazendo fatos familiares, descontentamento com o aspecto físico... até ela encontrar um segundo envelope que lhe pergunta: De onde vem o mundo?

Depois de pensar um pouco sobre o fato de existir, Sofia não pôde deixar de pensar também que um dia desapareceria.

E o terceiro bilhete, dirigida a alguém chamada Hilde com a assinatura carinhosa de quem se identifica como Papai indicava que aquelas perguntas eram um presente para ajuda-la a crescer como gente, e que ele encaminhava a Sofia por ser a forma mais fácil encontrada por ele. Embora Sofia não conheça a menina em questão.

Dizem que para tudo tem a sua hora, no meu caso, isso incluí alguns livros. Quando li os primeiros capítulos do chamado Romance da história da filosofia, achei a história de Jostein Gaarder um pé no saco, fechando-a e devolvendo a biblioteca, tentando não pensar naquela leitura inacabada. 

Pela primeira vez em sua vida ela pensava que era praticamente impossível viver num mundo sem ao menos perguntar de onde ele vinha.

Passado alguns anos, resolvi enfrenta-lo. Mas desta vez O mundo de Sofia tinha novas cores e foi com curiosidade e alegria que folheei cada página e me aproximei de Sócrates, Aristóteles, Kant, Marx, entre outros. 

De forma simples, mas nem por isso fácil, Sofia e os leitores são defrontados com as perguntas mais antigas das humanidades, e o que os grandes filósofos acharam disso. Como a menina adolescente, muitas vezes é necessário reler os textos ou olhar pela janela para pensar e ouvir a resposta que vem da própria alma (mesmo que ela seja um "não sei”). 

Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar por que a vida é assim como é.

Indo do início do mundo, ao identificar o primeiro capítulo como O Jardim do Éden, passando por referências literárias, como A Cartola, , passando por mitos, destino, idade média até chegarmos ao nosso próprio tempo.

E assim acabamos refletindo junto com Sofia sobre o passado, presente e futuro da humanidade e sobre si, já que elas estão intrinsecamente ligadas.

Os cínicos diziam que a verdadeira felicidade não depende de fatores externos como o luxo, o poder político e a boa saúde. Para eles, a verdadeira felicidade consistia em se libertar dessas coisas casuais e efêmeras.

Naturalmente Sofia é muito mais esperta que os seus leitores, mas por isso mesmo ela se torna a grande porta de entrada para desbravar o mundo dos pensadores. O importante é relaxar e depois das quinhentas e poucas páginas, selecionar os seus ídolos e criar novas teorias. Afinal... somos apenas poeira em um universo que se contrai e se distende.

O Mundo de Sofia - Romance da História da Filosofia
Sofias verden
Jostein Gaarder
Tradução: João Azenha Jr.
Companhia das Letras
1991 - 555 páginas

domingo, 2 de agosto de 2009

Gomorra


Sinopse: As mercadorias "frescas", logo que nascem - objetos de plástico, roupas de grife, videogames, relógios -, desembarcam diariamente no porto de Nápoles para serem armazenadas e escondidas em prédios propositalmente esvaziados de tudo. Já as mercadorias "mortas", vindas de toda a Itália e de boa parte da Europa, sob a forma de resíduos químicos, material tóxico e até mesmo cadáveres e esqueletos humanos, são clandestinamente "despejadas" nas terras da região da Campânia. E lá contaminam, dentre toda a população, os próprios boss da Camorra, que constroem, sobre aqueles terrenos, suas mansões luxuosas e nababescamente absurdas - datchas russas, villas hollywoodianas, verdadeiras catedrais de cimento ornadas com os mais preciosos mármores -, que não servem somente para demonstrar a conquista do poder, mas também para revelar utopias delirantes, pulsões messiânicas e obscurantismo milenares.

O que um contêiner com homens e mulheres chineses mortos, a roupa que a atriz Angelina Jolie usou em uma cerimônia do Oscar, mulheres ocupando cargos elevados, pessoas mortas por balas perdidas, o IVA - Imposto Sobre Valor Agregado, tráfico de droga, disputa de território e corrupção tem em comum? 

Não, não é o morro do Rio de Janeiro, nem um dos filmes de mafiosos distribuídos por Hollywood, apesar dos integrantes dos clãs, pertencentes ao sul da Itália, imitarem a ficção. 

Suas portas mal fechadas se abriram bruscamente e dezenas de corpos começaram a cair.

Roberto Saviano descreve no seu livro de estreia algo que se tornou mais globalizado que o próprio capitalismo: o poder dos criminosos, nesse caso específico, a Camorra. 

Não é uma ficção, o jornalista se infiltrou na máfia napolitana para entender o que ela é, o seu modo de operação, seus tentáculos pelo mundo e as consequências disso.

Na tevê, Angelina Jolie pisava a passarela da noite do Oscar, vestindo um terno de seda branca, belíssimo. Aquela roupa tinha sido costurada por Pasquale numa fábrica clandestina de Arzano.
O primeiro lugar que somos apresentados é justamente ao porto de Nápoles, é neste ponto que chegam milhares de containers, com produtos de todos os tipos, e também os registros e as classificações para cobrança de impostos, onde o caro para o consumidor pode ser extremamente barato para a alfândega, até o descarregamento de mercadoria clandestina.

Na sequencia vamos para o funeral de um rapaz de quinze anos morto por policiais ao assaltar casais com arma de brinquedo, para depois ser apresentados para os estranhos leilões realizados pelas grandes grifes. E assim, página a página, vamos descobrindo mais e mais de como o sistema de uma organização realmente impressionante funciona.

Afinal, um império não se divide com um aberto de mão, mas cortando-se uma delas com um cutelo.

Gomorra não poupa detalhes. Em algumas páginas o leitor precisa realmente ter estômago, enquanto Saviano descreve as torturas ou os teste de novas drogas que são feitas em viciados. Não existe escapatória, pode ser pobre, padre, político ou arrependido, a única certeza para os que contrariam a Camorra é a morte. 

A Camorra são vários clãs criminosos, chefiada na sua maioria por homens jovens que acabam reféns do seu próprio poder. Debocham da velha máfia, pois são politicamente independentes. Suas fontes de dinheiro são variadas, podem vir da venda de armas para países em guerra ou de roupas fabricadas sob medida para populares atrizes desfilarem. 

Na guerra já não é possível ter relações de amor, ligações, relacionamentos, pois tudo pode se tornar um elemento de fraqueza.

Gomorra não é um romance. É um tapa na cara em um texto jornalístico narrado em primeira pessoa, onde depoimentos pessoais se misturam a investigações e histórias do passado. 

A narrativa de Saviano é forte, sua escrita tem fluidez e detalhes que nos fazem não só compartilhar o seu olhar, como sentir os acontecimentos. Desde a primeira página, quando o manobreiro conta num misto de pavor e incredulidade sobre os corpos com crachás pendurados no pescoço que caiam de um contêiner, o estômago aperta como um aviso, o que vem a seguir não é brincadeira.

Ser atingido na cabeça evita tremer de medo, mijar ou soltar fedor do interior dos buracos na barriga. 

Também é um banho de água fria nos que adoram uma grife e anunciam para toda imprensa que colaboram para a construção de um mundo melhor. Pois eles também contribuem, indiretamente ou por simples ignorância, para a máfia italiana. 

A propósito: Gomorra é uma das cidades destruídas por Deus, conforme é descrito no Gênesis, uma cidade, como muitas na Itália e em outros locais do mundo, onde a destruição, por uma escolha, um celular ou uma palavra, se tornam banais. Onde os honestos não têm vez e apenas os imorais possuem o poder sobre a vida e a morte.

São rapazes, mortes falantes, mortos vivos, mortos que se movem... Belos ou não, te pegam e te mantam, mas a vida já está mesmo perdida...

Um livro para quem quer entender mais o que consome, para quem leu a Série Napolitana da Elena Ferrante e quer saber mais, um livro para compreender como as organizações criminosas funcionam e são mais resistentes que qualquer governo. Um livro que eu simplesmente recomendo a leitura.

Gomorra
Roberto Saviano
Tradução: Elaine Niccolai
Bertrand Brasil
2006 - 349 páginas

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Brida - Paulo Coelho




A obra Brida pode ser caracterizada como um texto de auto-ajuda de esoterismo, pois narra a trajetória de uma jovem que procura a compreensão de si mesma através do descobrimento de conhecimentos de magia. 

Como os demais textos do gênero, em geral, apresenta-se como um guia, uma metodologia para a conquista do sucesso material ou realização pessoal, que no caso consubstancia-se através da história da personagem e seu crescimento pessoal, descobrindo-se como feiticeira. 

O autor, utilizando-se da fórmula da auto-ajuda, aproveita-se da constante busca do ser humano por poder, status, felicidade, etc, para apresentar soluções fáceis, baseadas em uma filosofia rasa, que vai seduzir as camadas médias urbanas – principal consumidora dessa literatura. 

No primeiro capítulo de Brida, já se percebem os primeiros elementos característicos do livro de auto-ajuda: o autor quer ensinar algo. Por meio da experiência da personagem na floresta escura sozinha, o autor quer mostrar que a fé pode fazer a pessoa sentir-se protegida e vencer o próprio medo. A evocação de Deus naquele momento, de trechos da bíblia que a avó da moça costumava recitar para ela, bem como de outras lembranças de sua infância fazem com que se sinta calma e vença o medo de estar sozinha na floresta à noite, tanto que consegue relaxar e adormecer. 

Quer o autor ensinar que as pessoas também, a exemplo de Brida, se tiverem fé em Deus, ou em algo que acreditem, vencerão seus medos. Para ilustrar, transcreve-se o seguinte trecho, retirado da página 24: “Tinha fé. E a fé não deixaria que a floresta fosse de novo povoada por escorpiões e cobras. A fé manteria seu Anjo da Guarda acordado e velando. Recostou-se de novo na rocha e dormiu sem perceber.” Na medida que a personagem vai aprendendo e tirando lições dos acontecimentos é que se percebe a intenção do autor de que o leitor também tire lições. 

Brida é o leitor, que está sendo ensinado. Está, também, visível, no texto, outro elemento da literatura de auto-ajuda, que é a ilusão da onipotência, isto é, promessa de apresentar algo que vai mudar a vida do leitor, que vai fazê-lo superar o que o aflige. No caso, o autor apresenta um tipo de crença, ligada à magia, que vai preencher a lacuna deixada pela religião na busca pela solução dos problemas existenciais das pessoas. 

Essa crença vai sendo apresentada no livro na medida em que vai se dando o aprendizado da personagem a esse respeito. Geralmente é uma solução mais fácil e imediatista ,que seduz o leitor a aceitá-la, pois responde aos seus anseios. 

O autor se utiliza também da repetição, outro elemento característico da auto-ajuda, para desenvolver a história. Recorre a todo tempo às lições que Brida angariou de suas experiências de magia com o Mago e com Wicca, sua mestre, e vai acrescentando outras. Verifica-se essa retomada em vários trechos do livro, quando a personagem relembra a experiência na floresta, e associa com fatos cotidianos, dizendo que “a vida é uma noite escura” e refere-se às revelações da lua para interpretar outros fatos que lhe acontecem. 

A presença de elementos do imaginário popular (crenças) como filosofia espiritual estão em todo o texto como linha norteadora. No caso, ele explora a crença de que certas pessoas possuem um determinado dom para a magia que as permite entender e interpretar o mundo de maneira diferente e aqueles que dominam o dom podem ajudar os outros que não têm. 

Conforme ensina RÜDIGER , os textos de auto-ajuda utilizam-se, também, de relatos de pessoas que aplicaram as técnicas para a solução de seus problemas, atuando como modelos para os leitores, que acabam se convencendo de que, se outras pessoas conseguiram, eles também conseguirão. É uma maneira de aproximar a realidade ao leitor, para que não fique apenas absorto na teoria demonstrada. 

O autor apresenta a teoria e a comprova com o testemunho de alguém que teve sua vida modificada pela auto-ajuda. Os relatos podem ser místico, egoísta ou ascético. No relato místico, o interelocutor utiliza-se dos exemplos de pessoas que encontraram a solução para seus problemas no seu “eu interior”. O remédio para os seus males reside no controle da mente e no contato com o eu superior. 

A felicidade e a paz de espírito requerem a superação dos desejos egoístas, encontram-se no caminho contínuo e insistente do conhecimento. Já no relato egoísta, a exploração ordenada dos recursos interiores e do potencial humano não objetiva de maneira imediata a solução dos conflitos morais que vitimam nosso eu, mas se relaciona antes com o desejo de “fazer com que as pessoas não apenas o estimem”, mas também “realizem aquilo que você deseja”, nos vários campos da vida social. 

No relato ascético, o entendimento terapêutico combina o crescimento pessoal e a prática do pensamento positivo. Determinada pessoa conta para o leitor como, através de uma atitude mental positiva, atingiu o sucesso. Partindo da máxima de que o pensamento é a forma mais potente de sugestão, relata como o subconsciente transforma um desejo ardente em realidade quando o indivíduo acredita que pode alcançá-lo, fazendo com que aja para conquistar seus objetivos. 

Essa experiência apresenta um elemento a mais que os relatos anteriores, consubstanciada na atitude positiva na direção do que almeja. Na obra Brida, verifica-se a utilização de um tipo narrativa que se aproxima do relato místico. 

Apesar de ser uma obra de ficção, a história de Brida funciona como uma parábola, em que há espaço para a interpretação do leitor, no sentido de que busque em sua crença pessoal a solução de seus problemas. Explica-se o sucesso da literatura de auto-ajuda pelo fato de que a própria mídia estimula a busca da realização pessoal, por meio da divulgação de novos fenômenos que propiciam o crescimento do ser humano e, então, nomenclaturas comumente relacionadas a esoterismo, pensamento positivo, etc., passam a fazer parte do dia-a-dia e a serem exploradas pelos autores. 

Daí que podemos afirmar que o público-alvo dessa literatura é a classe média urbana, sedenta por resolver seus problemas por meio das “receitas de sucesso” apresentadas, especialmente por autores intitulados “magos” como é o caso de Paulo Coelho. A linguagem utilizada, como no caso de Brida, vai estar relacionada com termos e assuntos esotéricos ou do pensamento positivo. 

O leitor, diferentemente do self-made man do passado, que precisava trabalhar para atingir seus objetivos, será estimulado a simplesmente aplicar as técnicas esotéricas ou mentais ensinadas para obter sucesso. Basta seguir a fórmula ali indicada, e a pessoa alcançará o que almeja. 

Os livros de auto-ajuda pretendem ocupar a lacuna deixada pela religião, oferecendo soluções fáceis de bem-estar. Há uma promessa, que é apresentada no texto de resolver os anseios do leitor, onde, ao final, será demonstrada “a fórmula”, “a solução” de como fazê-lo. Geralmente convencem o leitor de que a técnica já foi amplamente testada e comprovada, tornando o caminho mais fácil, pois o leitor não precisa entender como e por que ela funciona, basta acreditar nos seus efeitos para provar seus frutos.

No caso de Brida, o autor não chega a apresentar uma fórmula pronta, mas conduz o leitor à crença de que é possível resolver seus próprios problemas com sua força interior e que será feliz quando encontrar sua outra metade. Essa “receita" de como apreender o real através da força da mente ou força interior (ao invés do trabalho, estudo, etc.) é que faz com que os livros de auto-ajuda sejam amplamente consumidos atualmente, pois em conformidade com a velocidade das transformações de um mundo globalizado, onde o imediatismo regula as relações e as pessoas não tem tempo para esperar os resultados, querem as respostas imediatas.

sábado, 11 de julho de 2009

Quem nasceu para cintilante nunca chega a francesinha- Magali Moraes




O livro é tão divertido quanto o título sugere. A leitura simples e engraçada permite uma rápida identificação de nós mulheres com as situações vivenciadas pela personagem Marcela, uma mulher comum que se pune por não ter tempo de fazer as unhas. 

Como disse o Luís Augusto Fischer na apresentação do livro, é uma “crônica espichada” ou uma “novela cronicada”. Permite-nos refletir sobre o universo feminino e tudo que envolve entre a escolha de um impensável esmalte cintilante e uma chiquérrima unha à francesinha, passando por dificuldade para fazer dieta, falta de tempo para a academia, análise psicológica dos donos de cachorro de apartamento, um sutiã azul esquecido no banheiro do trabalho, as insuportáveis festas de aniversário de criança, o marido e sua saída à francesa das responsabilidades, além, é claro, da falta de tempo para fazer as unhas. 

 A história de Marcela é narrada com humor e leveza e prende até o final. Quando você vê, leu o livro numa assentada. Leitura de férias, anti-stress!

domingo, 24 de maio de 2009

Morte em Veneza


Sinopse: Levado por um misterioso impulso, o famoso escritor Gustav Aschenbach resolve passar alguns dias na cidade às margens do Adriático, onde encontra Tadzio, um belo adolescente que parece encarnar de forma absoluta os cânones neoclássicos que haviam impregnado toda a literatura de Gustav. E o escritor dedica-se inteiramente a esse sonho de beleza, chegando mesmo a cair no ridículo ao chamar a atenção do rapaz, num crescente paroxismo de atração perturbadora e autodestrutiva.

Thomas Mann tem como personagem principal, em um romance curto, mas nem por isso rápido, um famoso escritor chamado Gustaw Aschenbach, que após conquistar fama e prestígio, encontra-se impaciente. 

Era vontade de viajar, nada mais; mas, na verdade, irrompera como um acesso e se intensificara, atingindo o nível passional, sim, até beirar a alucinação. 

Sem saber o que busca, esse senhor arruma suas malas e sai em busca de um lugar que acalme seus pensamentos e aflições. Em suas andanças, Aschenbach vai parar em Veneza, onde irá conhecer um pré-adolescente e mudar completamente seus planos. 

A paixão platônica pelo menino irá fazer com que Aschenbach ignore a epidemia de cólera, que afasta os turistas da cidade, enquanto segue o seu alvo em um primeiro momento com os olhos e depois com as próprias pernas. 

As pessoas não sabem por que elas tornam famosa uma obra de arte.

Morte em Veneza é extremamente descritiva, detalhando todos os locais, vestes e devaneios do escritor e do seu amado, dando a sensação de estar percorrendo a cidade junto com os personagens. 

Para os que não apreciam longos detalhes, o livro pode tornar-se cansativo, fazendo com que suas poucas páginas pareçam centenas. Mas para os fãs de clássicos e adoradores de longas descrições, Thomas Mann trás uma mistura de arte, psicologia e representação plástica do ambiente que envolve a sua narrativa.

Não encontrava seus olhos, pois uma preocupação covarde forçava o pobre desnorteado a controlar receoso seu olhar.

Além disso há uma visão interessante de um homossexualismo e pedofilia velado no início de 1900 - o livro foi publicado pela primeira vez em 1912 - em uma sociedade de classe alta. Sendo mais uma prova de que alguns dos assuntos que discutimos hoje não são nenhuma novidade.

Morte em Veneza
Der Tod in Venedig
Thomas Mann
Tradução: Eloísa Ferreira Araújo Silva
RBS Publicações
1912 - 94 páginas

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Elogio da Loucura




Elogio da Loucura foi escrito, em 1501, pelo teólogo Erasmo Desidério ou Erasmo de Rotterdam, como ficou conhecido. 
Na obra, Rotterdam critica os costumes de sua época, onde no decorrer da leitura, o leitor pode constatar que muito destes costumes perduram até hoje. 

Segundo a própria Loucura- que é a narradora irônica em tempo integral- o homem deve muito a loucura, pois é ela que move o mundo. Ela está presente no dia-a-dia. A loucura se encontra tanto nas amizades quanto nos relacionamentos e, está inserida na sociedade. Pode-se afirmar que, também, se encontra na ciência e na filosofia. E, claro, na religião- um dos alvos principais do autor. 

O livro está cheio de exemplos. A cada área que o escritor ironiza, ele cita inúmeros exemplos e situações corriqueiras, fazendo com que nós, leitores, nos identifiquemos com as situações triviais abordadas. 

A prosa do autor é totalmente sarcástica, muitas vezes beirando um "humor ácido". Certamente o autor dominava o escárnio, para escrever uma obre repleta de ironia- ainda mais para a sua época. Agora, resta ao leitor ter, no mínimo, alguma afinidade com o sarcasmo, para assim ter um melhor entendimento do livro, pois apesar de ter muita coisa explícita, o livro também possui mensagens nas entrelinhas. Cabe ao autor encontrá-las.

domingo, 10 de maio de 2009

O Mago

Sinopse: Fernando Moraes, o autor que ajudou a fundar a biografia como gênero literário no Brasil, volta sua verve investigativa para o personagem brasileiro que se converteu no grande mito de nossa história recente: Paulo Coelho - um escritor universal que alcançou a astronômica marca de 100 milhões de livros vendidos e a façanha de ser o autor vivo mais traduzido de todo o planeta. O Mago é a eletrizante trajetória do popstar requestado por príncipes, xeiques, rainhas e presidentes. Uma história com que nem os roteiristas mais criativos seriam capazes de sonhar.

A biografia do escritor Paulo Coelho não deixa de ser um registro da própria sociedade brasileira nas últimas décadas. Ao mesmo tempo em que Fernando Morais mostra a personalidade do escritor, ele detalha e compara os seus posicionamentos em diversas épocas do Brasil. 

O comportamento dos jovens com a ditadura, a relação com as drogas e a música. O uso de textos de protesto para atingir o sucesso. A alienação completa. Nomes famosos que ainda buscavam os seus caminho e outros que viraram mito, como Raul Seixas. 

Os aplausos parecem não ter fim. Sem conter o choro, o brasileiro agradece várias vezes, cruzando os braços no peito e fazendo uma leve inclinação para a frente.

O jovem Paulo Coelho passou por colégios rígidos e sanatórios. Seus pais, como os outros da época, desejavam para o seu filho uma profissão tradicional. Pressão e narcóticos levaram o perdido Paulo a surtos e uma vida de vagabundagem extrema. 

Claro que existe muita coisa escondida, mas as relatadas são muito fortes, como o desejo de Paulo de ser um grande escritor (algo despertado cedo e sufocado por seus pais) assim como sua insegurança. Uma personalidade interessante e conflitante, já que ele pode ser gentil e generoso, mas também pode ser arrogante e sem caráter. 

Considerando todo o seu histórico escolar, do maternal à universidade, a aprovação no exame de admissão foi o único momento de glória em sua vida estudantil.

Algumas vezes o leitor pode ler um capítulo e achar que ele era doidão, no seguinte verificar que ele era muito doidão e lá pelas tantas achar que ele é um baita de um filho da puta. O Mago não permite que se feche um capítulo sem que se tenha alguma opinião sobre o seu personagem. 

Paulo Coelho contrariou os bancos da faculdade, que afirmam ser necessário ler os grandes autores para escrever boas obras. Balela. O escritor chegou a ler 75 livros por ano, entre eles muitos clássicos, e isso não fez nenhum de seus livros ser considerado uma obra-prima (muito pelo contrário, e o pau constante que ele leva dos críticos não ficou de fora da sua biografia – o que não deixa de ser uma resposta para os mesmos). 

De repente ele se viu sozinho, trancado num hospício, com um fichário escolar debaixo do braço e um agasalho nas costas, paralisado.

Aliás, O Mago mostra também o funcionamento do dinheiro e do poder na literatura, onde generais podem impedir um acesso a ABL (Academia Brasileira de Letras) ou as esperanças de constar em um testamento podem tornar alguém imortal (o fato de Paulo Coelho não ter filhos consta como um ponto positivo para sua eleição). Contratos milionários, pequenas vinganças, desafetos e mudanças temperam o mundo real das letras assim como personagens memoráveis recheiam livros. 

A biografia descreve o óbvio: Paulo Coelho se tornou o grande nome brasileiro no mundo das letras. Não adianta os intelectuais brasileiros virarem a cara, nem descarta-lo de comitivas de escritores brasileiros. Ele sempre está nos eventos mais importantes, e convidado por aqueles que realmente detém o poder. 

Não há mais liberdade no Brasil. Meu campo está sob uma censura idiota e filha da puta.

Além disso, a sempre uma legião de fãs o esperando, seja na Rússia, Alemanha ou qualquer outro lugar do mundo. Se o seu sucesso é devido à força do pensamento, satanismo ou santos, nunca saberemos, e isso nem mesmo a sua biografia irá esclarecer. Mas que em O Mago, Paulo Coelho dá uma lição de persistência e quebra paradigmas, isso ninguém pode negar.

O Mago
Fernando Moraes
Editora Planeta
2008 - 630 páginas

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Onde andará Dulce Veiga?



Nesse romance de Caio Fernando Abreu, o narrador é o próprio protagonista que procura por Dulce Veiga, uma cantora da década de sessenta, que desaparecera misteriosamente. 

O leitor embarca com o narrador nessa busca frenética, vinte anos depois do desaparecimento da cantora, que vira uma fixação para o protagonista, revelando-se uma procura por ele mesmo, mais do que isso, confunde-se com a do próprio autor. 

A narrativa começa demonstrando a apatia do personagem principal perante a vida, mesmo tendo conseguido um emprego como jornalista, que poderia tirá-lo do marasmo e da falta de dinheiro. No decorrer da trama, entende-se a razão daquele torpor: uma paixão intensa por outro homem, Pedro, que apareceu e desapareceu de sua vida misteriosamente, deixando-o desnorteado, tira-lhe o prazer e o gosto de viver. 

O homossexualismo, caracterizado em muitos contos de Caio Fernando Abreu, transpassa toda a obra, bem como o medo da AIDS, que aterroriza o jornalista e a roqueira Márcia, que não têm coragem de procurar um médico quando caroços sintomáticas da doença começam a aparecer no pescoço e outras partes do corpo. 

A dúvida em saber se seriam ou não soro positivo atormenta os personagens e faz pensar se não seria reflexo do mesmo tormento que assolava o autor e que ele deixa transparecer no romance. Há, ainda, o fantasma de Igor, namorado da roqueira Márcia, que teria morrido de AIDS, retratando a realidade difícil da perda de pessoas, na época, vítimas da enfermidade, quando ainda não se sabia direito o que era essa doença. 

O romance foi escrito entre 1985 e 1990. Daí explica-se o tema da ditadura, também recorrente, pois ainda presentes seus efeitos, remetendo os leitores a um período em que as pessoas desapareciam por questões políticas, dando a entender que Dulce Veiga teria sumido por se envolver com pessoas ligadas a assuntos contrários aos interesses de quem estava no poder na época. 

Outras questões também são tratadas pelo autor, como a violência urbana, as drogas, o desencanto com o movimento das “diretas já”, que não atingiu seu objetivo. 

Embora haja uma seqüência cronológica - cada capítulo tem o nome de um dia da semana –, há vários flashbacks, pois o narrador lembra de vários fatos do passado, dele com Pedro e de quando teria entrevistado Dulce Veiga. 

Não deixa de ser um tempo psicológico, pois o romance em muitos momentos é intimista, há o pensamento do personagem, e esse não é linear, não corre de acordo com andamento cronológico dos fatos. O narrador está completamente confuso e perdido na vida, e, por isso deixa transparecer várias ambigüidades: mostra-se inseguro para lidar com seu homossexualismo ou heterossexualismo (não sabe se gosta de homem ou mulher); a busca por Dulce Veiga se confunde com a própria busca por si mesmo. 

Há uma tentativa do personagem desesperada de se encontrar e por isso ele começa a enxergar Dulce Veiga em vários locais, como uma alucinação, que ele segue como um louco, numa alusão à perseguição da compreensão que ele visa a atingir sobre o seu eu. 

Ao final, o encontro com Dulce Veiga revela um eu egoísta, que abandona tudo para buscar a si mesmo. No caso, Dulce Veiga deixou de lado a filha pequena, o marido, os amigos, a própria carreira, como se, para encontrar a si mesma, fosse necessário renunciar a todo o resto. As pessoas sofrem sua ausência - principalmente a filha Márcia, mas também os fãs e o amante Saul, que enlouquece – porém ela parece não se importar, porque ela própria está feliz, em um lugar distante, e isso lhe basta. 

As semelhanças com a vida do autor não são por acaso, visto que ele vivia uma situação de conflito, pela descoberta da AIDS e toda a angústia e sofrimento pela incerteza e percepção da efemeridade da vida que isso acarreta. Talvez o desaparecimento de Dulce Veiga significasse o seu próprio desaparecimento precoce em virtude da AIDS, onde deixaria tudo e todos para trás, porém com a recompensa (ou esperança?) de ir para um lugar melhor, onde dor e medo não existiriam, apenas a felicidade alcançada pela compreensão do significado da própria existência.