Sinopse: livro de estreia de Pagu, Parque Industrial é um marco na literatura brasileira. Publicado pela primeira vez em 1933, este romance proletário trata da vida de operários no bairro paulistano do Brás. Aqui, os conflitos fabris são conjugados a dramas cotidianos e íntimos, formando uma pintura intricada da sociedade brasileira do começo do século XX.
Na década de 1930 o maior parque industrial da América do Sul ficava em São Paulo. No bairro do Brás moradores de ruas inteiras caminham em direção as fábricas. Lanches são embrulhados em papel pardo e verde enquanto as moças compartilham o perfil de homem ao qual gostariam de se casar, indo do trabalhador ao sonho de se casar com um homem rico.
Pelas cem ruas do Brás, a longa fila dos filhos naturais da sociedade.
Nas oficinas é proibido conversar, mesmo que seja para afastar o perigo. Malandro, Vagabunda são usados em uma época que não existe a mínima possibilidade de processar alguém por assédio moral.
Há os que se indignam, homens e mulheres que tentam captar a atenção de seus colegas para o fato de os operários não serem valorizados, mesmo sendo os principais responsáveis pela produção que gera a riqueza de seus donos. Partidos e sindicados começam a aparecer como solução em uma vida de muitas horas de trabalho, crianças sozinhas em casa e demissão fácil.
Que importa morrer de bala em vez de morrer de fome.
Em paralelo mulheres são enganadas, se tornam mãe solo e se veem despejadas e desempregadas. Para elas só restam trabalhar onde a vida não é nada fácil ou enlouquecer.
Há também as que conquistam o seu passe para a vida de luxo, e logo se esquecem dos que ainda possuem uma vida difícil.
O Carnaval continua. Abafa e engana a revolta dos explorados. Dos miseráveis.
Um pequeno pedaço de Brasil com muitas faces, como ocorre em todas as épocas desde 1500.
A escrita de Pagu
Pagu ou Patrícia Galvão, escreveu este livro aos 22 anos com o pseudônimo de Mara Lobo. Sua escrita é rápida, fluída e direta, sem filtros nos diálogos ou situações da época. Os capítulos não possuem números, mas títulos que dão uma dica do que será abordado.
Trazendo para o leitor do século XXI a realidade nua e crua das mulheres que trabalhavam na indústria têxtil paulistana nos primórdios do século passado.
As criancinhas da classe que paga ficam perto das mães. As indigentes preparam os filhos para a separação futura que o trabalho exige.
Por ser ela própria uma militante do Partido Comunista, muitas referências são feitas a ele entre os personagens que lutam por um meio de trabalho melhor. Mas mesmo eles eram conservadores em relação a escrita de Pagu, que escancarou a desigualdade de classes, falou de sexo, perversão e corrupção em Parque Industrial.
Mas o que era um choque na época, com o tempo tornou Parque Industrial uma amostra de o porquê ela ter se tornado um dos grandes nomes do movimento modernista, que completou cem anos em 2022.
O que eu achei de Parque Industrial
As cento e onze páginas de Parque Industrial foram rapidamente percorridas por mim. Como um retorno ao passado, consegui enxergar através do olhar de Pagu as ruas cheias e vazias, as festas, as reuniões, os confrontos nas manifestações, os amores e as decepções.
O trabalho nada fácil, as cobranças e o se ajudar. Me fazendo refletir que apesar de ainda termos situações bastante críticas, conseguimos sim evoluir muito nas questões trabalhistas e no papel da mulher.
Grupos agiram, na manifestação, cartazes rubros, amassados. A tinta borrada dos impressos pede mais pão.
Mas não, o livro não é para se conformar, mas para inspirar na busca por mais igualdade, por mais respeito e claro, mais oportunidades.
Confesso que me surpreendi com a escrita de Pagu, sua história é ao mesmo tempo fluída e reflexiva. E para quem como eu que não viveu na década de 1930, a primeira pergunta é o que tem de ficção e de realidade?
Como posso dormir sabendo que meus filhinhos sofrem fome?
E mesmo tendo alguns diálogos que levam ao panfletarismo do que a jovem Pagu acreditava na época, isso não atrapalha em nada a leitura, mesmo que você não se identifique com a posição política da escritora, pois o olhar, como o crítico Kenneth David Jackson salientou é de um "documento social e literário".
E foi justamente isso que me fez gostar do livro, este retorno a um Brasil que parecia tão distante, mas cujos ecos de sua realidade ainda ecoam nas comunidades mais pobres. Pois talvez os mais desavisados podem achar que evoluímos muito nestes quase cem anos.
A mãe fora educada na cozinha de uma casa feudal, de onde trouxera a moral, os preceitos de honra e as receitas culinárias.
Mas basta um olhar mais atento para os que se tornaram invisíveis para uma parte da sociedade para saber que entre os mais pobres os anos de 1932 é agora.
É agora porque ainda existem mães que precisam deixar os seus filhos sozinhos para atender os herdeiros das classes mais altas. É agora quando ainda existe trabalho escravo e lugares insalubres, onde se ignora a idade de quem trabalha.
Por que nascera mulata? É tão bonita! Quando se pinta, então! O diabo é a cor.
É agora quando para muitas só resta a prostituição para viver um dia de cada vez. É agora quando milhares de brasileiros passam fome enquanto escrevo estas linhas.
E não é necessário compartilhar as ideias políticas de Pagu para saber que existem situações que são inaceitáveis pela sua desumanidade. Então por todos estes motivos eu recomendo e muito a leitura.
A dor do pobre é o dinheiro.
E seguindo a dica do Geraldo Galvão Ferraz, que faz o prefácio do livro, já coloquei na minha fila de leituras futuras Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade, para fazer a comparação sugerida de dois livros do período do Modernismo.
Parque Industrial
Pagu
Companhia das Letras
Edição 2022
111 páginas
Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.
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