quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Intérprete de Males



Sinopse: Celebrando vinte anos de lançamento, Intérprete de males continua mais relevante do que nunca, abarcando todas as consequências possíveis de um mundo globalizado. Jhumpa Lahiri nos toma pela mãe e, a cada história, nos apresenta personagens que se encontram no meio do caminho de um fio condutor identitário: em meio a deslocamentos e realocações, quantas origens e culturas podem habitar uma pessoa?

Tendo como curadora a jovem escritora indiana Rupi Kaur, a TAG Curadoria trouxe no mês de setembro o livro de contos Intérprete de Males, que se tivesse que ser resumido em uma única frase eu diria que ele fala sobre a alma humana.

Composto por nove contos, cujas histórias divergem - mas ao mesmo tempo se complementam -, Jhumpa Lahiri nos fala de sentimentos sem precisar dizê-los. O comportamento de seus personagens nos faz sentir o mesmo que eles, envolvendo o leitor de uma forma gentil, mesmo nas histórias mais fortes.

Os contos

Uma questão temporária nos trás um casal de indianos que moram em Boston. Logo de início o leitor percebe que a algo errado na relação. Em sua rotina uma mudança: temporariamente a eletricidade será cortada por uma hora, durante cinco noites.

Na escuridão a esposa sugere ao marido que eles contem alguma coisa um para o outro que nunca foi contada antes. E neste momento passado e presente são revelados não só para os leitores, como para o casal, iluminando as entranhas do relacionamento.

Quando o Sr. Pirzada vinha jantar temos uma menina que nos conta a história de um homem que ia à sua casa nos Estados Unidos acompanhar as notícias de sua terra que estava em guerra. No seu lar distante estão sua esposa e sete filhas, com a qual tentava toda semana ter contato via correio sem sucesso.

Neste conto além da situação de guerra no Paquistão no ano de 1971 é explicada a partição que dividiu a Índia de uma forma muito clara, afinal, quem está perguntando é uma criança.
O conto possui toda uma delicadeza, ao mesmo tempo em que relata a cultura indiana, ela cita a introdução da cultura americana na família. 

Intérprete de males é o conto que dá título ao livro, aqui temos o guia de turismo Sr. Kapasi que está transportando pela índia um casal filhos de indianos que nasceu nos Estados Unidos.

Durante o caminho eles passam a conversar e é quando o guia revela que possui outro emprego como intérprete para médicos. Tal revelação faz com que a mulher comece a conversar mais com ele, e assim o leitor vai desvendando a vida de cada um.

Um durwan de verdade conta a história de Buri Ma, uma mulher de sessenta e quatro anos que não possui casa e sobrevive limpando um prédio que não possui durwan, isto é, um síndico.

Para os moradores vive a contar sobre a riqueza que possuía no passado e que perdeu após ser deportada de Calcutá depois da partição da Índia. Mas tudo irá mudar quando uma das famílias melhora financeiramente e uma pia é colocada para uso geral dos moradores.

Sexy é o único conto cuja personagem central é uma americana. No seu dia-a-dia ela vive entre as confidências da colega indiana cuja prima havia sido abandonada pelo marido e o seu relacionamento com um indiano casado.

E ao contrário do que se possa imaginar, o foco da história não é a diferença cultural, mas a visão que Miranda tem de si, desde suas roupas até o que ela se sujeita sem precisar.

A Sra. Sen trás novamente a voz de uma criança. Aqui temos um garoto americano com quem a mãe não tem com quem deixar e a Sra. Sem, a esposa de um professor que precisa aprender a dirigir.

Através do olhar do menino entramos na rotina desta mulher que todas as tardes corta vários vegetais e desenha uma pinta acima das sobrancelhas. Sua adaptação ao novo estilo de vida parece tão complicada quanto guiar um carro.

Esta casa abençoada é sem dúvida o mais divertido dos contos. Aqui temos Sanjiv e Twinkle, ambos indianos, casados por um arranjo familiar. 

Em sua nova casa nos Estados Unidos, ela passa a encontrar peças cristãs, virando uma espécie de caça ao tesouro enquanto ele tenta argumentar que os itens não fazem parte da sua cultura.

O tratamento de Bibi Haldar é junto com Um durwan de verdade os contos pesados do livro. Bibi sofre de um mal, vive em uma peça cedida pelo primo e trabalha para ele.

A mulher já passou por vários tratamentos, mas nenhum resolveu, até que vem a sugestão de que para curar ela necessita de um marido. 

O bacana deste conto é que se não simpatizamos com o primo e a sua esposa, existe uma sonoridade entre as mulheres que rodeiam Bibi que dão leveza a história.

O terceiro e último continente temos um indiano que já passou pela Índia, por Londres e agora está nos Estados Unidos trabalhando na biblioteca do MIT.

Recém-casado, precisa se organizar para trazer a esposa que mal conhece, enquanto isso ele aluga um quarto na casa de uma senhora centenária, aonde um diálogo irá se repetir por muitas noites.

A escrita de Jhumpa Lahiri é suave, sendo muito fácil ler as suas histórias, mesmo que depois você as fique digerindo. Ao mesmo tempo em que ela nos apresenta um pouco da cultura indiana, ela nos faz refletir por sentimentos comuns a todos os seres humanos, que vão da felicidade, inveja, amor, tristeza e esperança.

Eu amei este livro, foi uma das minhas melhores leituras de 2019, o que faz com que eu mais do que o recomende. 

Intérprete de Males
Jhumpa Lahiri
Tradução: José Rubens Siqueira
TAG – Biblioteca Azul
1999 – 207 páginas

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Todos Nós Adorávamos Caubóis



Sinopse: Era o ar da serra, nós estávamos ali, com cinco ou seis anos de atraso, mas ali, finalmente ali. Tínhamos sobrevivido a uma briga que continuava pairando sobre nós, a Paris, a Montreal, à loucura das nossas famílias. Aquela viagem era mais um fracasso irresistível.

No mês de Agosto a indicação de Noemi Jaffe para a TAG Curadoria foi a Road Trip da escritora Carol Bensimon pelo interior gaúcho.
Todas as ótimas ideias já pareceram más ideias em algum momento.
Narrado em primeira pessoa pela personagem Cora, temos uma jovem adulta, filha de pais separados, que atualmente mora em Paris. Após ser avisada pelo pai que o seu meio-irmão iria nascer, ela utiliza a passagem oferecida para colocar um antigo plano em ação.

Assim ela chama sua amiga e objeto de desejo Julia para fazer uma viagem pelas estradas do interior do Rio Grande do Sul. As duas não se veem a anos, desde que Julia resolveu ir embora para Montreal.

Por alguns instantes, nós ficamos sozinhas ali, sem saber se batíamos palma ou coisa que o valha.

O plano é seguir sem rumo, mas com destino final a cidade natal de Julia. Mas aqui não estamos falando de um livro de descobertas, e sim um livro de fuga, Cora, como boa menina mimada prefere correr a encarar a realidade.

O livro é curto e de rápida leitura, mas também é superficial devido à escolha narrativa da escritora. Cora é uma mulher alienada, que vive ao redor do próprio umbigo. De seus diálogos pouco se aproveita, de seus pensamentos temos apenas reclamações e julgamentos.

O reencontro. A proposta da viagem. Tudo agora pressupunha alguma lógica.

Nada é bom para a pobre menina rica. Ela desdenha, desqualifica tudo e todos. Parece ter sempre um dedo pronto para apontar e julgar. E pronta para espernear caso se sinta julgada.

Sobre Julia temos apenas a visão de Cora. Sabemos que como a narradora ela também não sabe lidar com as emoções, que as relações familiares apresentam problemas, e a sua vida até ali foi bem diferente da amiga.

De novo eu pensei em como seria ir embora dali de repente.

E se Julia é uma personagem que ajuda a seguir com a leitura, é também o ponto de questionamento pela história não ter relatado o lado dela, já que a mesma parece ser muito mais rica em conteúdo e informações do que a pessoa que nos conduz.

Os demais personagens, assim como as paisagens, são apenas relances, figurantes que servem para observar o caráter de Cora, que julga o vinho ruim, as cidades tristes, as hospedagens decadentes. 

Era meu lado meio adolescente rebelde que ainda não havia se apagado de todo.

A soma disso tudo tornou essa uma das resenhas mais difíceis de escrever, pois é o tipo de história que você não ama nem odeia, mas simplesmente esquece. Ao virar a última página fica o sentimento se não deveria ter ocupado o tempo com outro livro.

Talvez o fato mais surpreendente de tudo seja que o livro tinha uma base muito rica para se construir o tipo de história que prende o leitor, mas a narrativa fraca impediu qualquer envolvimento maior.

Todos Nós Adorávamos Caubóis
Carol Bensimon
TAG – Companhia das Letras
2013 – 196 páginas

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

A Mão e a Luva



Sinopse: Publicado inicialmente em formato de folhetim, A mão e a luva foi lançado como livro em 1874. Nesta obra, o célebre Machado de Assis apresenta ao leitor uma de suas tramas mais românticas: Guiomar, uma jovem adotada pela madrinha baronesa, precisa escolher um dos seus três pretendentes. Essa dúvida envolve o conflito permanente da protagonista, que se vê angustiada com a dicotomia entre emoção e razão. O autor utiliza as reflexões para fazer uma análise complexa da alta sociedade da época, na qual, ao que tudo indica, não havia espaço para sonhadores e ingênuos. 

Terceiro e último exemplar dos clássicos enviados pela TAG como mimo do mês de julho, A Mão e a Luva é o segundo romance de Machado de Assis, que foi inscrito para um folhetim no jornal O Globo.
O romance é anterior ao século XX, mas a personalidade forte da personagem Guiomar faz com que a história possa ser de qualquer época. Embora bela e delicada, a moça se mostra dona do seu nariz, sabendo usar de sua esperteza para ajustar os acontecimentos conforme as suas vontades.

Na história Guiomar é uma jovem órfã criada por sua madrinha, uma mulher de posses que a trata como filha. A união das duas tiveram grandes perdas: Guiomar perde os seus pais, e a baronesa tem na afilhada uma forma de substituir a filha falecida precocemente.

Mas o primeiro personagem a ser apresentado ao leitor Estêvão, um apaixonado por Guiomar há muitos anos que não consegue conquistar o seu amor devido à personalidade um tanto indecisa. Ou em outras palavras um cara tão perdido na vida que chega a ser chato.

Outro pretendente para a moça é o sobrinho de sua madrinha. O casamento de Guiomar e Jorge representam a realização da senhora, tal desejo faz com que a governanta inglesa, Mrs. Oswald, tente ser o cupido da história. O que falta aqui é qualquer sentimento de amor, já que a união entre os dois parece ser mais uma forma do rapaz ficar com toda a herança da tia.

Fechando o trio de pretendentes está o ambicioso e objetivo Luís Alves, amigo de Estevão, o advogado que sabe bem controlar as suas emoções tem como objetivo ser político, e trata Guiomar com cortesia, às vezes até com certo desinteresse.

Inicialmente Guiomar é um mistério para o leitor. Sua mistura de gentileza e frieza no tratamento que dispensa aos rapazes que lhe fazem a corte não permitem saber os seus reais sentimentos. A única certeza inicial que temos é do seu apreço pela madrinha. Mas no decorrer dos atos é possível entender o que ela procura.

A forma narrativa utilizada por Machado de Assis é bastante interessante, pois a maior parte do tempo ele nos conta a história em terceira pessoa, mas em certos momentos é como se o escritor conversasse diretamente com os seus leitores - na qual ele julgava serem na verdade apenas leitoras.

A Mão e a Luva é um livro de leitura rápida e bastante fácil, como um bom folhetim ele desperta a curiosidade de quem o acompanha para saber quais os verdadeiros pré-requisitos para conquistar o coração da protagonista da história.

Reviravoltas sutis acontecem para dar mais emoção ao enredo que às vezes é quase linear, principalmente nas partes que temos o personagem Estevão ocupando o centro da trama. Uma leitura para ver que os clássicos brasileiros não são sinônimo de leitura sofrida.

A Mão e a Luva
Machado de Assis
TAG – L&PM Pocket
1874 – 175 páginas

terça-feira, 8 de outubro de 2019

O Epinício de Sangue



Sinopse: O ar medieval de Toledo, antiga capital da Espanha, sempre instigou a imaginação de Triana. Quando uma série de eventos misteriosos e sinistros acontecem, ela sente-se no limite da insanidade, incapaz de diferenciar entre fantasia e realidade. No entanto, seus instintos persistem em alertá-la do perigo e revelam que as ruas sinuosas e estreitas se transformaram no palco de confrontos entre anjos, demônios e decaídos, que acreditam que ela é a peça chave de uma antiga profecia.

Foi comentando um blog de literatura que o meu caminho virtual cruzou com a da autora brasileira Sinéia Rangel, que gentilmente me enviou o seu livro para ler e agora eu divido as minhas impressões nesta resenha.

O cenário de O Epinício de Sangue é a cidade medieval de Toledo, na Espanha, cujas ruas e locais históricos encantam e mexem com a imaginação dos seus visitantes.
Os decaídos, como ficaram conhecidos, perderam seu halo, suas asas e com eles sua imunidade à dor e ao sofrimento.
Na história a cidade é o lar de Triana, uma jovem estudante que está no ano final da escola, possui pais amorosos e uma melhor amiga que adora se apaixonar.

Mas toda a sua rotina muda quando figuras místicas a cercam, e ela descobre toda a verdade sobre as origens da sua família paterna.
Ao contrário da maioria dos adolescentes que conhecia, era a sensação de viver num século passado o que mais gostava.
Por ser um livro indicado ao público jovem com mais de 16 anos, há também romance, e aqui temos Martín, um anjo que se prepara para se tornar arcanjo e nada mais nada menos que filho de Miguel. Sua missão é observar Triana, mas ele acaba se apaixonando pela moça e precisa se decidir em desafiar ou não as regras celestiais.

Ao ler esta fantasia juvenil me vieram na memória cenas da série Supernatural, e de livros como Apocalipse, onde anjos e demônios estão sempre preparados para a guerra, enquanto o equilíbrio dos humanos é ameaçado. 

Mas o grande diferencial, e no qual eu considero um mérito do livro, é trazer uma nova face para Lúcifer, quebrando o que temos em nossa imaginação.  E apresentar para o público jovem figuras como Lilith, a primeira mulher que teria sido criada por Deus.
Lúcifer nunca desejou a destruição dos homens, tampouco queria governar, seu único pecado foi apaixonar-se.
A narrativa é predominantemente em primeira pessoa, sendo narrado a maior parte do tempo por Triana em uma linguagem rápida, onde a ação dos seres místicos divide espaço com questionamentos típicos adolescentes, que vão da personalidade, passando pelo sexo até os relacionamentos.

Cada capítulo usa uma frase, que pode ser de uma música - para quem busca playlist existe uma com o nome do livro no spotify - ou de outros livros, entre eles o clássico de Miguel de Cervantes: Don Quixote, cujo fidalgo possui relação com a cidade de Toledo.
Havia tantas páginas marcadas pelo desgaste, resultante do manuseio frequente, que abria nos meus trechos favoritos sem qualquer esforço.
Eu, como leitora adulta, senti falta de mais detalhes em relação aos anjos, ambiente menos explorado na história, assim como do próprio Miguel, já que Lúcifer e Samael possuem uma participação mais ampla. Ficando a sensação que uma nova história poderia surgir deste meio.

O livro é vendido em formato de e-book, tornando mais fácil seu acesso principalmente pelo público alvo. A mistura de fantasia e romance pode ser uma boa pedida para quem procura uma leitura rápida ou ficou órfã de livros no estilo Saga Crepúsculo, só que agora com um toque brasileiro.

Sinéia Rangel
436 páginas – 2019
Produzido pela escritora, o livro é vendido pela Amazon.com.br