domingo, 31 de dezembro de 2017

As Três Marias


Publicado originalmente em 1939, pela forma fluída e direta poderia ter sido lançado ontem. Em uma obra que mistura autobiografia e ficção, Rachel de Queiroz leva o leitor de volta a sua infância em um internado de freiras.

Entre imagens de santas tristes e romances franceses, três Marias, como as estrelas, se tornam amigas. Maria Augusta, Maria da Glória e Maria José são tão diferentes e tão parecidas, como sempre são as melhores amigas.

A questão familiar é forte, todas são órfãs de certa forma. Maria da Glória perdeu os pais, vive sonhando e é a mais sensível, bonita, é a que possui a história mais romantizada por não se fazer tão presente.

Maria José viu o pai abandonar a mãe por outra e deixa-las junto com os irmãos a própria sorte. Leva a religião católica a sério, é quem mais julga e se assusta, sendo o oposto da última Maria, e embora estejam sempre juntas, também não se sabe exatamente o que ocorre em seu coração.

Maria Augusta ou Guta é uma mulher moderna em uma época de guerras e sociedade mais rígida no interior. Órfã de mãe, não se sente a vontade com a madrasta e irmãos. Existe nela uma tristeza só amenizada pela ânsia de conhecer o mundo. Sim, aqui temos Raquel, a autora, colocando sua personalidade questionadora em uma menina que se torna mulher no decorrer das páginas. É nela que a história está toda centralizada.

Um livro para todas as idades, que leva o leitor a refletir sobre os próprios caminhos enquanto acompanha as três Marias traçando os seus. 

Para quem ler a edição da TAG há três adicionais: uma carta aberta de Heloisa Buarque de Hollanda e as críticas literárias de Elvia Bezerra e Mário de Andrade.

As Três Marias
Rachel de Queiroz
Edição TAG – José Olympio
1939 – 223 páginas

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

As Alegrias da Maternidade



Maternidade: Estado, qualidade de ser mãe. Laço que liga a mãe aos filhos - Fonte: Dicionário On-line (Google)

Buchi Emecheta trás através da figura de Nnu Ego todos os extremos em relação a casamento e maternidade na machista sociedade nigeriana. Em uma história que possui um toque autobiográfico e foi escrito após uma decepção com sua filha.

Nnu Ego é filha de um importante líder de aldeia e sua amante, uma mulher corajosa e impetuosa, que infelizmente não vive tempo suficiente para ensinar a própria filha.

O primeiro contato com ela será em um momento de desespero. Após a morte do seu primeiro filho ela entra em desespero e seu único desejo é encerrar tamanha tristeza. Ela é salva e o leitor passa a acompanhar sua vida desde a sua concepção até a sua morte.

Ainda muito jovem vê o seu pai escolher o seu primeiro marido. E se no início ela se sentia feliz, vê a demora em engravidar tornar o seu tormento. Uma segunda esposa surge e o seu comportamento a levará de volta para casa.

Mas é no seu segundo casamento, em uma cidade maior, longe da força familiar, que ela terá que viver entre a submissão e superação. Não, ela não é estéril. Não, o marido não é o tipo de homem que ela escolheria para casar. Não, ela não possui escolhas.

Violência doméstica, criar e sustentar sozinha os filhos, fome, doenças, uma vida de martírio. E nenhum reconhecimento. A descriminação e desunião feminina, o julgamento sem apoio, a culpa colocada na vítima.

Não há alegrias na maternidade de Nnu Ego. É uma leitura reflexiva, sobre respeito, vida em sociedade, tradições, dúvidas e situações que ainda estão em muitas casas. E talvez este seja o choque maior, ver que uma história ambientada antes de 1950 possui comportamentos tão atuais ainda em 2017.

Em paralelo está um pouco da história da Nigéria, as tradições de cada povo que a compõe, a colonização inglesa, os impactos da segunda guerra mundial, a mudança de visão em relação aos estudos dos meninos nigerianos (já que as meninas são investimentos com retorno financeiro ao se casarem).

O incrível deste livro, que apesar de muito triste, é ele possuir uma narrativa de fácil leitura. Em nenhum momento ele cansa, as páginas fluem enquanto os dias na vida da personagem e sua família voam.

Um livro sobre ser mulher, esposa e mãe. Um livro sobre não ser homem, marido e pai. Um livro sobre ser filhos. Um livro para todos aprenderem que nada é fácil. Um livro para agradecer o que há de bom e mudar o que não satisfaz, pois ao contrário de Nnu Ego, o leitor possui escolhas e sim, ainda pode mudar o seu destino.

As alegrias da maternidade
Buchi Emecheta
Tradução Heloisa Jahn
TAG - Dublinense
320 páginas - 1979

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Reino Grande do Sul


Procurando um livro para uma menina que apesar de brasileira nasceu em terras distantes, encontrei a coleção Reino Grande do Sul na Feira do Livro de Porto Alegre.

Substituindo a realeza por prendas e peões, histórias clássicas como Cinderela, A Pequena Sereia e o Gato de Botas ganharam hábitos da tradição gaúcha misturados com a base das originais. Além é claro de se passarem em cidades do sul do Brasil, como Tramandaí e na Fronteira.

O resultado é uma forma divertida de conhecer a cultura do Rio Grande do Sul, desde a sua gastronomia até a sua forma de falar, tanto que ao final do livro há um glossário explicando o significado de algumas palavras.

A coleção é composta por quinze títulos, e os livros são muito bem feitas, arte gráfica, ideia e estrutura. É muito legal mudar o sotaque de personagens clássicos como Rapunzel - ou melhor - Prenda de Tranças, pensar que o baile da Prendarella é no CTG, tornando a leitura interessante para todas as idades.

Reino Grande do Sul
Série Prendas e Peões
Edibook

terça-feira, 28 de novembro de 2017

A Louca da Casa


Quando amamos muito livro, podemos nos questionar como o autor conseguiu nos levar pela mão daquela forma? Alguns irão querer saber como surgiu àquela ideia fantástica. Tem aqueles que se apaixonam pelo personagem. E ele pode se tornar nosso livro de cabeceira por anos a fio.

E sem ter uma linha divisória entre o real e a ficção que Rosa nos leva em uma mistura de memórias, opiniões, histórias e estórias. Ali estão os ingredientes que seguram o leitor: paixão, amor, ciúmes, ego, dor... afinal, como diz Rosa “Falar de literatura é falar da vida”.

A Louca da Casa é um livro para escritores e os que desejam entrar neste mundo. Escrever, revisar, respirar um mundo até que a ideia realmente nasça e você continue ou recomece do zero. Ali estão as regras do jogo, o que alguns fizeram e como outros terminaram. Está o machismo que escondeu algumas vozes, está o feminismo empoderando quem merece respeito.

A Louca da Casa é para os leitores, pegando dicas de livros, conhecendo histórias de outros escritores e entendendo um pouco a mente de quem muitas vezes no liberta de rotinas extenuantes nos dando uma válvula de escape.

O livro é uma conversa em que só um fala. Parece que você está sentado em almofadas com as pernas cruzadas vendo ela agradavelmente divagar entre memórias, opiniões, histórias e estórias.

E existe M., uma paixão de Rosa que pode ou não ser de carne e osso. Cabe ao leitor escolher o seu caminho favorito.

Uma narrativa divertida e ao mesmo tempo perigosa, visto que ela pode acordar a louca que está dentro de quem lê. E o que fazer com ela não está no post scriptum.

A Louca da Casa
La Loca de la Casa
Rosa Montero
Tradução Paulina Wacht e Ari Roitman
Editora HarperCollins
2003 – 176 páginas

domingo, 29 de outubro de 2017

Ragtime



Para contar os primeiros anos do século XX, o autor E.L. Doctorow escolhe um gênero das comunidades afro-americanas para dar o ritmo a narrativa. Nunca ouvi músicas deste estilo, mas a história possui um ritmo constante, pontuada por alguns momentos de mais emoção, até chegar ao momento chave e virar espuma na beira do mar.

Ragtime mistura pessoas comuns (a maioria sem nome, indicando que poderia ser qualquer um) com personagens históricos como Henry Ford e Harry Houdini, que direto ou indiretamente interagem e se misturam a essa ficção dividida em quatro partes. 

Na Nova York de 1902 vivem famílias de brancos, representada por uma família típica onde o pai era dono de uma fábrica de apetrechos patrióticos. Vivem imigrantes europeus buscando uma vida melhor e encontrando miséria e olhares desconfiados da polícia, e aqui temos uma família de judeus. E como o livro é um ritmo afro-americano, temos os negros representados por uma jovem que tenta abandonar o filho e acaba sendo acolhida pela mãe da família de brancos e seu noivo, um músico de ragtime cheio de classe que desperta a ira e inveja de outros brancos do bairro.

Traições, assassinatos, racismo e mudanças dão o toque a essa história fluída, fácil de ser devorada enquanto o leitor descobre que o início do sonho americano não era doce. Não existe um aprofundamento no psicológico dos personagens, mas sim dos fatos que descrevem como era a sociedade no início do século XX. Resumindo: Ação e Reação em anos de muita dificuldade, mas também de oportunidades.

Ragtime
E.L. Doctorow
Tradução A. Weissenberg
Editora Record
Edição TAG
1974 – 336 páginas

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Uns e outros – Contos Espelhados



Esta coletânea é um verdadeiro desafio a qualquer escritor. Realizar a releitura de clássicos, e ter o seu texto submetido após a leitura de originais muito bem escritos, instigadores e que levam o leitor a carregar a ideia em seu pensamento durante horas e às vezes até dias.

Quem dá as boas-vindas ao leitor é James Joyce e sua Eveline, onde medos e promessas cruzam a personagem em um momento crucial, aquele em que ela deve escolher a oportunidade de buscar a felicidade ou continuar abraçada ao passado e ser engolida por um não futuro que ela já conhece muito bem. A releitura foi realizada por Beatriz Bracher em A Morte da Mãe, onde a uma inteligente mudança do personagem, um olhar diferente, não dando continuidade ao original. A escritora optou em transcrever trechos de outros contos de Joyce e isso me pareceu ter prejudicado a fluidez do texto. Se no original temos uma prisioneira da violência, no segundo as grades são um momento, embora frágeis, elas não limitam o físico, sendo sombras na mente. 

A segunda dupla é encabeçada por um autor que gosto muito: Ernest Hemingway, cujos textos são atemporais. Com sutileza ele vai situando o leitor até chegar ao último ponto final. Não fica claro de início o que os personagens representam em O Fim do Algo, embora o local tenha simbologia de término. Luiz Antonio de Assis Brasil inverte o foco dos personagens em seu Inicio de Alguma Coisa, agora o local tão bem utilizado por Hemingway está num terceiro plano. Em alguns diálogos me fez lembrar a brincadeira de telefone sem fio pelas sutis mudanças do original. Mas é impossível não sorrir com o seu final. 

Os Desastres de Sofia de Clarice Lispector é recheado de detalhes pelo perfil importuno da menina, existe uma perda, existe a compensação ao se agarrar em um amor platônico por uma pessoa que parece tão sem nada como ela. Existe medo ao ver uma reação e tudo se mistura de forma filosófica, fazendo o leitor ter carinho por esta menina. Já Eliane Brum trás em seu Simplício um toque de Lolita, tendo também utilizado a troca de personagens para se colocar na visão de um professor. Linguagem de imagens fortes e de certa fome da alma transferida para os alimentos.

Saindo do tenso vamos para o cômico e super atual Teoria do medalhão, onde Machado de Assis coloca um pai explicando no aniversário de 21 anos a forma de se realizar política. Praticamente um manual prático conforme é possível observar nas páginas do jornal. Aqui está à releitura que menos gostei, com o título de O Futuro Político (Primeiro Ato), Milton Hatoum utiliza a formatura em direito de um filho de advogado, entre acusações e troca de profissão, seria o combate entre um discurso antigo e o facebookiano. Existe a clara comparação dos tempos, se o filho de Machado escuta, o de Milton discute. Mas se o de Machado está entrando na vida adulta, o de Milton fala muito, mas depende da família, a independência está em seu discurso, e só.

O racismo em dois tempos, se mesclando quase como continuação, e não releitura. A Negrinha de Monteiro Lobato é filha de escravas, órfã, sendo criada como um saco de pancada de uma virtuosa e cristã senhora. Ali está a menina pobre sem brinquedos, sem amor, sem futuro. É um conto dolorido, que ainda não acabou e encontra eco no Negrinha! Negrinha! Negrinha! De Ana Maria Gonçalves, onde o ato da adoção que deveria trazer o amor encontra na fonte de educação a dor, o descaço, a diferença, a tolerância com o intolerável.  Entre imagens a ser preservadas, está o coração de uma criança e nas mãos de uma mulher se ela irá realmente ser mãe.

Em mais um conto de Machado de Assis (campeão das escolhas para releitura), Pai contra Mãe trás a visão de um caçador de escravos, fonte do sustento da sua família. Profissão que se torna comum conforme falta trabalho e todos os que precisam de dinheiro aderem em busca das recompensas. Em um mundo sem escolha há pouco espaço para o diálogo e quem dirá pena. Entre você e eu, é sempre você que ficará com a pior parte. Misturando Brasil e África, Paulo Lins conta a história de Pipa Sande que de vendedor se torna produto. Entre voltas e reviravoltas, o autor mistura história e ficção em um conto de leitura rápida e interessante.

Katherine Mansfield trás o casamento de William e Isabel em seu Marriage à La Mode. No original, temos a visão do marido, um homem que trabalha a semana inteira em outra cidade e tenta passar os finais de semana em família. Tenta pelo fato do final de semana narrado os filhos estão fora, a casa está tomada de escritores e afins, todos amigos da esposa, e esta que não trabalha, sustenta os gostos dos mesmos. Ivana Arruda Leite em sua Rainha das Fadas resolveu dar voz a um destes amigos: Moira. Em um texto que me pareceu às vezes feminista, mas que não consegue esconder a superficialidade de Isabel. Se no primeiro conto fica a impressão de que o casal precisa conversar, no segundo dá vontade de mandar Isabel trabalhar.

Em Um Homem Célebre Machado de Assis (sim, ele novamente) nos apresenta a Pestana, um homem que sonha em fazer sucesso com uma música clássica, mas o encontra nas polcas, e isso o deprime de forma intensa, em um conto onde o que idealizamos impede de ser feliz com a realidade. José Luís Peixoto usou o mesmo título e personagem, mas o transformou em escritor. Mas ao contrário do primeiro, seu público é menor, e sim, ele escreve o que considera clássico, e inveja os escritores best-sellers. E isto possibilita realizar uma brincadeira com o leitor, o que dá um charme a mais no que parecia ser apenas uma troca de profissão com atualizações tecnológicas.

Eu já conhecia O Colar de Guy de Maupassant, onde a ambiciosa Mathilde paga um preço alto ao desprezar o que tem para parecer o que não tem. Ele sempre me lembrou das histórias da Disney, onde parece haver uma lição de moral, mas sua narrativa fluída e a agonia dos personagens não deixam de mexer com o leitor. Na releitura de Maria Valéria Rezende o conto vira Um Simples Engano e a antiga Paris virá o Rio de Janeiro nos dias de hoje, com sua periferia e violência. Foi a releitura mais fraca na minha opinião, e o final me pareceu um pouco inverossímil pelo bem escolhido para substituir o colar.

Para fechar o amor, na versão masculina está nada menos que Liev Tolstói e seu Depois do Baile, onde Ivan conta sobre uma paixão que mudou sua vida. A versão feminina vem através da Beatriz de Cristovão Tezza e O Herói da Sombra. Em comum o que os faz desistir de uma paixão no seu auge e uma escrita fluída, que prende o leitor e encerra com chave de ouro.

Um livro para os leitores se divertirem e os escritores brincarem imaginando o que gostariam de reescrever ou atualizar. Como toda coletânea haverá os preferidos e os literaturados. Os clássicos foram muito bem escolhidos, e a organização no todo está de parabéns.

Uns e Outros  - Contos Espelhados
Organização Helena Terra e Luiz Ruffato
Editora Dublinense
Edição TAG
2017 – 272 páginas

sábado, 23 de setembro de 2017

A Livraria Mágica de Paris



Bula:
Indicado para quem perdeu a motivação, possui grandes mágoas e cegueira para o que acontece a sua volta.
Efeitos colaterais: Vontade de pegar a estrada e sair rumo a si.

Perdu possui um barco-livraria, mas ele não vende o que as pessoas procuram, mas o que a suas almas precisam. O farmacêutico literário realiza o diagnóstico com um olhar e perguntas simples. Só que em suas caminhadas entre a rue Montagnard e o Sena não permitem que cure as suas próprias feridas.

Sua vida muda ao doar uma mesa. A porta do passado é arrombada e ele precisa novamente enfrentar a bela Manon para se reencontrar e abrir o seu coração para todos a sua volta. Mas ele não estará sozinho, pois nesta jornada todos os tipos de amor devem ser enfrentados.

Nina George também nos toca a alma em um romance que é pura poesia. Ela nos transporta para a França de forma que conseguimos sentir gostos e cheiros. Seus personagens misturam sensibilidade à objetividade masculina. Aqui não temos mocinhas chorosas, mas grandalhões que também sentem a pressão e em determinado momento da vida precisam baixar a guarda.

Sentimentos como orgulho, mágoa, perda, insegurança, vergonha e cegueira são as chaves que atravancam caminhos. E o medo a grande barreira que nos deixa plantados em locais incômodos, em que nos obrigamos a adaptar por motivos que nem lembramos mais.

Mas não pense que o livro é uma tristeza só. De forma alguma. A história também é divertida, pois ao sair navegando loucamente em um barco parado há anos muitas coisas imprevisíveis acontecem. Existe vida nas páginas, com sorrisos, lágrimas, brigas e abraços. 

E livros. Estamos falando de uma livraria, e eles se fazem presentes através de volumes, outras histórias e escritores. São os remédios que podem libertar pelo conhecimento ou simples divertimento que proporcionam.

A Livraria Mágica de Paris é apaixonante e perigosa. Sua narrativa em terceira pessoa é íntima, e abraça o leitor sem que ele perceba. Não é um livro para se ler correndo, ele deve ser apreciado como um bom vinho, para que cada capítulo seja digerido e pensado.

P.S. Não deixe de ver os mapas desenhados atrás da capa e contracapa. Para leitores que também amam viajar, um roteiro interessante surge à mente.

A Livraria Mágica de Paris
Das lavandelzimmer
Nina George
Tradução: Petê Rissatti
Editora Record
2013 -306 páginas

domingo, 27 de agosto de 2017

A Garota no Trem



Rachel tem a vida resumida em ir e voltar de trem da cidade de Londres.
Megan está perdida, sendo levada para situações que nem ela compreende.
Anna tenta ser feliz no papel da outra que virou oficial.

Assisti primeiro ao filme e fiquei com a sensação de intrigante e loucura. O livro me levou para outra dimensão, para a mente destas três mulheres superficialmente tão diferentes, mas em seus conflitos e situações tão iguais.

Paula Hawkins usa a narrativa em primeira pessoa para levar o leitor a tentar descobrir quem assassinou Megan, no decorrer das páginas este deve entender que o mistério é a chave para libertar ou acabar de vez com Rachel.

A história começa devagar, com Rachel em seus devaneios, uma alcoólatra sem emprego, divorciada, que mora de favor, e vê em um casal a vida perfeita que ela não tem. Sua mente é confusa, perturbada pelos brancos da bebedeira e a sensação de vergonha. Claramente ela precisa de ajuda, mas está sozinha. Sua relação com a mãe é via e-mail. Sabemos o motivo pelo qual ela busca o álcool, mas não o seu isolamento. 

Megan é a mulher do casal perfeito de Rachel. Pela janela do trem parece ter um marido carinhoso e ser uma mulher culta, que vive um relacionamento cheio de amor e parceria. No mundo real ela busca fechar um vazio, tem dificuldade para dormir e não aceita ser rejeitada. Conforme ela vai retirando os seus véus para o terapeuta, mais dolorosa se torna a sua morte. Mesmo sendo uma ficção, é difícil não sentir uma pontada de dor pelo seu desfecho.

Anna era a amante do marido de Rachel. Ao engravidar, vira a oficial e se vê obrigada a assumir o papel da anterior, vivendo na casa que a outra escolheu, com os mesmos móveis e o eterno barulho dos trens passando. Agora é ela quem fica a espera, que ouve desculpas e tenta não sentir saudades da época em que era desejada.

Aparência, sexo, violência e mentiras são ditas, mascaradas e afloradas a cada capítulo, em alguns momentos de forma mais lentas, em outras mais rápidas, como os trens que passam pelas casas vitorianas de um aparente pacato bairro residencial.

Um livro de leitura rápida pela curiosidade que desperta, mas para isso é necessário deixar se envolver pelas três, trocar qualquer julgamento pelos seus sentimentos, e sentir junto com elas toda a pressão psicológica que as envolve.

A Garota do Trem
The Girl on the Train
Paula Hawkins
Tradução: Simone Campos
Editora Record
2015 – 377 páginas

sábado, 12 de agosto de 2017

Retrato de uma Mulher Desconhecida



Na Inglaterra do século XVI somos apresentados a Meg Griggs, uma jovem curiosa e inteligente, filha adotiva do filósofo Thomas More, autor de Utopia que foi canonizado pela Igreja Católica por morrer de forma trágica defendendo a sua fé.

Misturando fatos reais e ficção a autora usa a personagem Meg para mostrar a famosa educação dos filhos de More (que não fazia distinção entre meninos e meninas), a história dos Plantagenetas e dos Tudors, a relação com humanistas como Erasmo de Roterdã e o pintor Hans Holbein (que também faz o papel de narrador em alguns momentos da história).

Vanora Bennett escreve uma história cativante, onde os sentimentos podem ser tão reais quanto aos fatos. Da competição e inveja entre irmãs, ao fato do pai se açoitar para expurgar pecados. De casamentos infelizes a pessoas queimadas na fogueira.

Meg mostra suas qualidades e fraquezas durante todas as páginas do livro, como se fosse um gato ela vai desenrolando um novelo de lã invisível, onde segredos são revelados e sua visão de mundo cada vez mais ampliada, tornando suas escolhas conscientes.

Ela irá caminhar entre católicos fervorosos e pobres que se rendem a palavra de Lutero, este conquista corações ao traduzir a palavra de Deus, tornando-a mais próxima daqueles que desconhecem o latim. Um submundo onde a fome e a tortura andam lado a lado, e questionamentos são realizados a todo o momento.

Outro que passa por esta Europa que começa a se dividir é o pintor alemão Hans Holbein, que em sua estada para retratar a família More se apaixona por Meg e com seu olhar torna o novelo de lã visível. Um dos capítulos mais interessantes é o que descreve o significado dos objetos na obra Os Embaixadores, onde toda a turbulência de um período é descrito, assim como ocorre com o segundo quadro pintado da família More. 

A narrativa em primeira pessoa torna o leitor ainda mais próximo dos personagens. Apesar de saber que a história real possui um final infeliz, a de Vanora termina um pouco antes, o que torna o final com um significado ainda mais grandioso.

Retrato de uma mulher desconhecida
Portrait of an unknown woman
Vanora Bennett
Tradução: Anna Olga de Barros Barreto
Editora Record
2006 – 514 páginas

domingo, 18 de junho de 2017

O Códex 632



As vésperas da celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, um professor morre deixando criptografada uma pesquisa encomendada por uma fundação americana sobre o assunto.

Tomás Noronha, professor de criptografia e línguas antigas, é chamado para desvendar e recuperar junto à viúva o material, e conforme ele segue os passos do antecessor descobre que o foco não era o Brasil e sim a misteriosa origem de Cristóvão Colombo.

Códex 632 trás a discussão política dos descobrimentos, assim como a história dos judeus e sua participação em importantes fatos históricos. Intrigas, laços de família, segredos e disputas se misturam nesta ficção histórica que despertam a curiosidade sobre personagens estudados na escola e muitas vezes esquecidos no decorrer do tempo.

O detalhe neste livro é que ele na realidade possui duas histórias: a da busca sobre a origem de Cristóvão Colombo e a vida pessoal do personagem, que se divide entre aulas, desvendar o mistério, filha, esposa e amante. 

A segunda seria uma justificativa para as escolhas de Tomás, se era para criar empatia, no meu caso surgiu um efeito contrário. Algumas vezes me pegava pensando que era por isso que normalmente os personagens que se envolvem em mistérios são solitários, já que a história paralela reduzia o meu ritmo de leitura e me fez achar o final do personagem feliz demais para tudo o que ele não foi para a família.

Agora se a escolha do autor foi para quebrar a figura do herói, substituindo por um homem fraco, facilmente manipulável, funcionou muito bem. Em nenhum momento a figura de Tomás faz sombra ao mistério envolvendo Cristóvão Colombo, fazendo com que o leitor quase implore para os pormenores do professor serem substituídos pelos detalhes de um homem tão misterioso.

Mas a leitura de O Códex 632 vale a pena, e ao término da leitura será irresistível dar uma pesquisada no Google sobre a origem do descobridor da América do Sul.

O Códex 632
José Rodrigues dos Santos
Editora Record
2010 - 517 páginas

sábado, 25 de março de 2017

O Papai é Pop



Para fazer um filho são necessárias duas pessoas. Curiosamente as palavras filhos e maternidade parecem ser a mesma coisa, transformando assuntos como educação, birras, rotina e escolhas quase como se fossem assuntos exclusivos de um universo feminino.

Marcos Piagers quebra este paradigma com suas colunas semanais em um jornal do Rio Grande de Sul de tal forma que elas viraram livros. E sim, vale a leitura para todos os tipos de público, de quem já tem ou terá filhos ou de quem já assinou o termo de que nunca irá beber desta água.

O primeiro volume apresenta aos leitores um filho sem pai, que aprende todos os dias com as mulheres que estão em sua vida, como sua mãe, sua esposa e suas duas filhas. Não é autoajuda, nem manual de como se criar um filho, são situações do cotidiano, ora engraçada, ora opinativa, fragmentos da rotina familiar de quem faz escolhas e opta em tentar acompanhar mais a vida das filhas.

É um livro sobre emoções simples, momentos ora felizes, ora constrangedores. Sobre culpa e responsabilidade. Sobre tentar e dividir. E principalmente, sobre filhos e paternidade também serem a mesma coisa quando o pai também ocupa o seu espaço.

Livro super-rápido de ler, narrativa leve e fluída, inspiração para sorrir e ao mesmo tempo repensar alguns valores.

O Papai é Pop
Marcos Piangers
Editora Belas-Letras
2015 - 101

domingo, 5 de março de 2017

Rita Lee uma autobiografia



Quando eu era pequenina no século passado eu perguntava para a minha mãe por que o meu nome não era Rita Lee de Carvalho? Na vida adulta, consegui assistir alguns shows da rainha do rock brasileiro, e quando minha mamãe noel me perguntou o que eu queria de natal pedi a sua autobiografia.

Rita conta sua história de forma rápida, o texto em nenhum momento é cansativo, eventualmente há um vai e vem no espaço. Se o livro começa divertido (embora tenha um episódio pesado logo de início), ele começa a ficar deprê conforme ela conta suas idas e vindas de internações ora derivadas de drogas, ora da bebida. Mas em nenhum momento o leitor irá às lágrimas. Mesmo quando a página é triste, ela não resiste em escrever uma gracinha. Fofa!

A cada página vemos uma cantora criativa, inteligente que hora se acha diva hora tem um complexo de inferioridade. Uma mulher-criança sem limites, o que a permitiu inovar ao mesmo tempo em que brincava com a própria mortalidade. Frágil perante as perdas, o tipo de pessoa que parece sempre precisar de colo.

E neste lado Roberto e os meninos passaram por momentos difíceis. Não sendo à toa a importância das mulheres de sua família na criação do trio. Além disso, Rita parece ter achado um tipo raro de homem, e sim, a história deles me fez acreditar em almas gêmeas.

Nos últimos anos de show, quando ela diz já estar no automático, lembrei-me do meu marido reclamando que eram sempre as mesmas músicas e conversas (para quem gostava do tremendão, Ritinha foi comparada ao Roberto Carlos neste caso).

O lado negativo do livro é o fato de ser autobiográfico. Como ocorreu com Sidney Sheldon, em alguns momentos parece que enxergamos apenas a ponta do iceberg, ali está à memória (que gosta de nos aplicar peças) e o quanto você realmente quer se entregar. Para o bem ou para o mal ali encontramos somente a visão dela. E cá entre nós, Rita era digna de uma biografia ao estilo do Paulo Coelho, por tudo o que ela viveu. 

Santa Rita parou enquanto ainda estava no auge. Agora vovó do Rock tirou alguns de seus lenços, mas assim como as botas roubadas e os figurinos eternamente emprestados que hoje estão guardados, me parece que muita história ficou apenas nas músicas.

O livro é para se divertir com ela contando pequenas histórias, se apaixonar um pouco mais por sua língua afiada, e saber alguns detalhes que a tornaram ovelha negra da família. Nem mais, nem menos.

Rita Lee uma autobiografia
Rita Lee
Globo Livros
2016 - 294 páginas

sábado, 11 de fevereiro de 2017

A Rainha do Sul


Sem escolhas, sem sentimentos, apenas seguir as correntes marítimas para depois descobrir onde vai estar.

Teresa Mendonza era jovem quando foi atirada neste mar e começou a correr da morte. Mulher de um piloto do tráfico de drogas, ela é automaticamente sentenciada após descobrirem uma traição dele aos seus patrões.  Sua frieza e esperteza a levam para o outro lado do oceano, com uma oportunidade de recomeçar.

Na Espanha acaba novamente se tornando mulher de transportador do tráfico, mas a mexicana como é chamada não se contenta em ficar a sombra, e no decorrer da história apenas os desatentos irão achar que ela virou a Rainha do Sul por obra do destino. A inteligência e a frieza de Teresa são o combustível para torna-la uma das mais poderosas do ramo.

Misturando fatos reais e ficção, ora narrando pela visão de Teresa, hora do autor, A Rainha do Sul coloca o leitor no mundo das drogas, circulando entre pistoleiros e políticos, os que buscam fazer um trabalho sério e os que querem viver bem. Da pobreza mexicana as mansões na Europa, estupro, acerto de contas, fidelidade, traição, O Conde de Montecristo, narcocorridos e muita droga são os recheios das mais de quinhentas páginas.

Confesso que demorei bastante para ler este livro, apesar de bem escrito, ele não captava a minha atenção, Teresa não é carismática, o que talvez explique na minha leitura, sua solidão dentro e fora das páginas. Até o momento em que ela precisa amarrar algumas pontas soltas. Neste momento pouco mais de cem páginas foram devoradas rapidamente. Quando Teresa se reencontrou eu finalmente a entendi.

A Rainha do Sul
La Reina del Sur
Arturo Pérez-Reverte
Tradução Antonio Fernando Borges
Editora Record
517 páginas - 2002