sábado, 28 de julho de 2018

Voragem



Sinopse: Escrito originalmente em forma de fascículos entre 1928 e 1930 para uma revista japonesa, Voragem é um dos romances mais aclamados de Junichiro Tanizaki. No centro da trama está Sonoko Kakiuchi, uma jovem casada que frequenta um curso de arte. Nas aulas, ela conhece Mitsuko, uma colega de beleza estonteante por quem se vê perdidamente apaixonada. Sem conseguir frear seu desejo arrebatador, Sonoko se aproxima em uma pretensa relação de amizade e forja um contato cada vez mais íntimo, despertando rumores ao seu redor. Mitsuko, por sua vez, éimplacável e não tarda a enredar sua amante em uma trama de chantagens. Voragem é uma obra-prima sobre amor e traição, verdades e mentiras, perversão e ciúmes. 

Quando um turbilhão de emoções nos atropela não raro queremos coloca-la no papel. Assim começa Voragem, com a personagem Sonoko explicando o seu desejo em transformar um incidente em romance, mas não se sentir capaz em redigir, e por isso ela o pede para uma pessoa que chama de Sensei.

Narrada em detalhes, a história é longa e tomará um bocado do seu tempo...

Junto com sensei o leitor irá descobrir que ela é casada, mas não fiel, já teve um amante masculino, mas a desestruturação de tudo veio quando ela se encantou pela colega da escola de artes Mitsuko. A aproximação das duas ocorre devido ao boato de que as duas teriam uma relação homossexual, que com o tempo elas tornam verdadeiro.

O relacionamento é movido a mentiras, manipulações, ciúmes, domínio, promessas de suicídio, em um relacionamento mais pautado pela loucura do que pela paixão, chegando a beirar o absurdo em determinadas situações.  E talvez seja isso que me tenha feito achar o livro bom, embora ao pensar nele a primeira coisa que me venha a mente é mucho loko, mas não o suficiente para reler.

Sagrado por sagrado, a nudez de uma virgem também é.

Durante a leitura criei uma grande dúvida sobre a “verdade” da história contada. Como se Sonoko houvesse invertido os papéis para justificar a própria vida ou quem sabe se livrar da responsabilidade que os incidentes narrados poderiam lhe trazer, acrescentando uma dose de exagero como se tudo não passasse de um grande teatro. Em suas justificativas os culpados, os ruins sempre são os outros, quando a verdade se aproxima ela chora com os olhos, mas jamais com a alma.

Voragem é fácil e rápido de ler. Narrado em primeira pessoa a escrita é fluída apesar de todo peso psicológico dos personagens. Há muitas facetas em cada um, e mesmo os que possuem um papel menor são relevantes. Mais do que nunca a história está nos detalhes, no jogo de palavras, no que cada um não diz.

Você não está escondendo nada de mim, está, maninha?

A leitura de Voragem vale a pena quando você vê um tema ainda tabu como o homossexualismo feminino sendo tratado na literatura japonesa dos anos 1930. E ela desperta a curiosidade quando se observa as notas do autor, gerando a dúvida se Tanizaki é um personagem em seu próprio livro.

Mas ele cansa quando o jogo obsessivo entre Sonoko e Mitsuko beira a inverossimilhança. Quando a palavra maninha é repetida de tal forma a ponto de você não suporta-la mais. Tornando a leitura tão torturante quanto o relacionamento das personagens, como se o autor quisesse que o leitor entrasse na mesma loucura da sua ficção.

Voragem
Manji
Junichiro Tanizaki
Tradução Leiko Gotoda
TAG – Companhia das Letras
1931 – 240 páginas

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terça-feira, 24 de julho de 2018

A Amiga Genial



Primeiro volume de quatro da série napolitana, A Amiga Genial me apresentou a Elena Ferrante, que por si só possui uma história a parte, visto que é o pseudônimo de uma escritora italiana que nunca se mostrou e fez gerar várias teorias de quem é a autora misteriosa.

Voltando ao livro, logo nas páginas iniciais ele ganha um subtítulo: infância, adolescência. Há também uma lista dos personagens, que pode auxiliar quem costuma se perder entre tantos nomes. E finalmente é hora de entrar na vida de Raffaella Cerullo e Elena Greco, ou simplesmente Lila e Lenu.

Sem preâmbulos o livro começa com uma Elena adulta atendendo a uma ligação do filho de Lila, para saber se a amiga tinha conhecimento do paradeiro da mãe que havia desaparecido. Isto irrita Elena, que trás a tona todo um histórico de competição e resolve escrever a história das duas.

Narrado em primeira pessoa, a voz de Elena faz o leitor retornar no tempo, para o dia em que as duas se aproximaram. Em uma leitura que começa devagar e aos poucos acelera, lembrando exatamente a passagem da infância para adolescência, onde na primeira parecêssemos ter todo o tempo do mundo e na segunda à urgência de tudo para ontem.

Nas páginas estão o machismo e a violência, perfis de moradores e alunos, relações familiares, pobreza, e acima de tudo uma amizade entre duas meninas. Lila é inteligente ao natural, corajosa, ávida por livros, tem dom para escrever, e sofre fisicamente as consequências de desafiar e responder quando acredita que o outro lado está errado. Lenu é esforçada, cheia de dúvidas e complexos, vive entre competir com Lila e ser levada por sua mão a enfrentar situações que sozinha nunca encararia.

Uma é o combustível da outra, e não sendo elas são as melhores amigas uma da outra. Não sendo por não haver intimidade total, a inveja está nas duas por oportunidades que pipocam em um momento para uma e em outro para a outra. Não parece haver felicidade sincera em relação ao que elas consideram conquistas. Existem escolhas, existem conselhos, até elas começarem a amadurecer, assim como a sua amizade.

Dos bancos escolares, passando pelos primeiros amores e espinhas, o sonho de ser rica e uma visão além do próprio bairro, A Amiga Genial encanta pela sinceridade e simplicidade. Ao mesmo tempo em que pode trazer na memória as nossas lembranças de infância, aquela amiga genial que por n motivos se perdeu contato.

Completando temos o cenário de uma Nápoles nos anos 1950 que ainda não superou totalmente as consequências da última guerra mundial, onde em meio à pobreza os camorristas são respeitados e a agressão é gratuita.

Enfim, um livro que eu gostei tanto que já comprei os três volumes faltantes.

A Amiga Genial
Infância, Adolescência
Elena Ferrante
Primeiro Romance Série Napolitana
Editora Globo – Biblioteca Azul
Tradução Maurício Santana Dias
2011 – 331 páginas

Outros livros de Elena Ferrante resenhados no Blog:

domingo, 15 de julho de 2018

Chatô - O Rei do Brasil



Sinopse: Biografia do proprietário de um império de quase cem jornais, revistas, estações de rádio e de televisão. Figura carismática e intempestiva, Assis Chateaubriand teve uma trajetória indissociável da vida cultural e política do país entre as décadas de 1910 e 1960.

No velório de Assis Chateaubriand o diretor do MASP Pietro Maria Bardi coloca na parede três obras do museu: Banhista com o cão grifo de Renoir, Retrato do cardeal Cristóforo Madruzzo de Ticiano e o retrato de d. Juan Antônio Llorente de Goya. Sua justificativa era de uma última homenagem, pois “Nesta parede estão às três coisas que ele mais amou na vida: o poder, a arte e mulher pelada”.

Para quem quer um resumo do homem considerado um dos reis do Brasil, transcrevo as palavras do arcebispo de Olinda e Recife Hélder Câmara:
De Chateaubriand se pode dizer o melhor e o pior. Haverá quem diga horrores pensando nele, mas como não recordar as campanhas memoráveis que ele empreendeu? Dentro do maquiavélico, do chantagista, do cínico, o Pai saberá encontrar a criança, o poeta. Deus saberá julgá-lo.

Em quase 700 páginas Fernando Moraes inicia a biografia atendendo ao desejo de Chatô, em seu delirante piquenique onde ele e a filha completamente nus se alimentavam de bispos portugueses antes de ir para a sua hospitalização, onde deixou de ser um nome e virou um corpo.

No capítulo seguinte retornamos para o ano de 1892 e entramos na casa dos descendentes de José Bandeira de Melo, um homem que admirava o poeta e pensador francês a ponto de transforma-lo em sobrenome da família.

Única criança no meio de tantos adultos, ele levantou-se a um sinal do pai, caminhou até a mesa do maestro e repetiu a mensagem inteira. Sem esquecer, sem gaguejar e sem molhar as calças.

Da infância a vida adulta, o leitor não é levado apenas fatos de um dos homens mais influentes do Brasil, como todo o cenário político de décadas e décadas, cujo comportamento político se reflete até hoje na vida dos Brasileiros.

Um ciclo vicioso de um relacionamento que ia da troca de favores a perseguição, verdades e mentiras jogadas em um mesmo cesto em uma relação maliciosa entre o jornalismo e a política.

Acha que andando de bonde e fazendo vida de classe média inspiro confiança aos acionistas da futura gazeta? O carro próprio é hoje o melhor índice de prosperidade.

Nascido no nordeste brasileiro, Francisco Chateaubriand tem a seu favor o amor pelas artes, o acreditar em si, a luta pelos objetivos. Um homem com uma visão a frente do seu tempo, que buscava novas tecnologias, que usou o marketing de uma forma ainda desconhecida, que deixou os diários associados para um grupo de funcionários. Que mesmo sem falar e andar não abandonou a escrita, suas opiniões e esperanças pareciam nunca serem abaladas.

Contra está o seu lado manipulador, vingativo, um homem que usava a caneta contra quem ousasse contraria-lo ou dizer não. Que mudava a lei para se beneficiar. Um homem que não poupava métodos nem violência. 

Foi também graças a Getúlio, de outra feita, que Chateaubriand deu em primeira mão uma notícia da área militar que nenhum jornal tinha.

Em suas extorsões e ameaças, o modos operantes de Chatô é sempre o mesmo. Para mim ele não é uma figura que desperte simpatia, e para os que tem fé, pode-se dizer que ele pagou em vida as suas maldades. Pois sim, o jornalista, advogado e político não possuía dó de suas vítimas. Sabia como ninguém virar o jogo em seu favor. Mesmo quando perdia, conseguia ganhar.

Mas sua história pode cansar, e as mais de setecentas páginas não foram realmente completadas por mim. Pulei frases e capítulos ao me entediar com tanta sujeira, um eco do que vemos nos dias de hoje.

Aquele não era mais o Chateaubriand que infligia pânico aos poderosos - e isso valia também para a fila de credores oficiais que se acumulava fazia décadas.

Também me peguei repensando o que usamos como verdades. Chatô parece ser uma das origens das famosas fake news, onde páginas de grandes jornais eram usadas para espalhar difamação ou favorecimento. E o que é verdade e o que é mentira nos dias de hoje? Interesses continuam em jogo, grandes famílias ainda guardam seus monopólios, o jogo entre imprensa e políticos parece ainda estar rolando. Em quem acreditar? 

O próprio livro pode fazer o leitor se interrogar. Será tudo verdade? Haverá fantasia? O homem preconceituoso, egoísta e extremamente influente era real em sua totalidade? Ou parte da sua imagem foi construída com base em histórias da carochinha?

Nunca saberemos.

Chatô – O Rei do Brasil
Fernando Moraes
Companhia das Letras
1994 – 732 páginas

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