segunda-feira, 20 de agosto de 2018

História do novo sobrenome



Atenção: Esta resenha possuí spoiller, pois é difícil escrever sobre uma continuação sem citar algo do livro anterior, neste caso A Amiga Genial.

Sinopse: Neste segundo romance da chamada série napolitana, veremos suas duas protagonistas, Lila e Elena, crescerem, e com elas todas as dores e as delícias de sua juventude em meio a um mundo repleto de caminhos que se abrem enquanto portas se fecham - se a sabedoria, o crescimento e o amor são possibilidades, eles ocorrem em um cenário limitado por uma disposição social por vezes cruel. Neste maravilhoso romance de formação de duas meninas, certamente o leitor vai se surpreender ainda mais com as possibilidades do universo de Elena Ferrante - esse mundo árido, tenso, delicado, profundo e, sobretudo, humano.

O que Marcello Solara estava fazendo com os sapatos desenhados por Lila? A cena final do primeiro livro é a charada respondida no segundo: nada é como parece ser. No final da adolescência tudo muda conforme as nossas escolhas, e no caso de Lila e Elena, conforme os caminhos escolhidos mesmo em uma época onde as mulheres não possuíam tanto direito assim de ditar o seu.
Quando me pediu para jurar que nunca abriria aquela caixa, por motivo nenhum, jurei.
Lila se vende, literalmente, em um primeiro momento ao conforto e ao dinheiro. Seu castelo se revela de vidro ainda na festa de casamento, quando Stefano se mostra mais parecido com o pai do que se imaginava. A Sra. Carracci não é fácil, e nela temos a face mais fria de Lila. Sim, ela é inteligente. Sim, ela é manipuladora. Sim, ela usa a sua beleza. Mas também sofre pela falta de oportunidade de estudar, por tanto potencial não aproveitado. E assim ela agrada e humilha Elena, tentando mostrar toda a sua superioridade quando na verdade provavelmente ela trocaria tudo para estar no lugar da sua amiga. 

Esforçada e inteligente, com uma autoestima que precisa ser trabalhada com urgência, Elena supera as suas próprias expectativas, e mesmo quando incorpora Lila para espantar os seus medos, fica nítido que ela tem coragem para muito mais do que ela mesma imagina. Seu sentimento de inferioridade ainda lhe prejudica, lhe cega, e para acabar com isso só se afastando de todos. Aquele bairro, aquela família, aqueles amigos não são para ela. Eles a sufocam. Eles são sabem como lidar com ela. Ao mesmo tempo, ela é a esperança de uma presença feminina que não deixe que outro sobrenome assine suas conquistas.
Durante todo o tempo, mesmo quando falou da própria violência, valeu-se de um dialeto cheio de sentimentos, sem defesas, como o de certas canções.
As amigas se tornam contrapontos. Lila é a esposa que apanha, grita, controla e se submete. Elena é a estudiosa, cujo esforço vai abrindo mais portas do que o previsto. E o empurrão final para isto ocorre nas férias de verão, em que Lila paga para Elena lhe acompanhar, e esta sem imaginar o que aconteceria sugere a praia onde sabe que irá encontrar a presença de seu antigo amor: Nino. E estes dia de sol irão mexer com o que eles tem de melhor e pior.

Em paralelo, mas com menor ênfase, estão a ida de Enzo e Antônio para a guerra. Entre as meninas traições, fofocas e intrigas rolam soltas em um retrato claro da falta de unidade feminina para se defender dos desmandos machistas que se tornaram padrão dentro do seu meio. E o mais assustador, o fato da personagem Melina se tornar um espelho de algumas das mais novas quando estas descobrem a paixão.
Não sentia vergonha dela, jurei, mas escondi que temia me envergonhar.
O fato é que cada um entrará na vida adulta colhendo o resultado de suas escolhas anteriores. E na escrita fluída de Elena Ferrante é isto que faz desejar ler o terceiro volume da série.

Sobre a narrativa, no primeiro livro senti falta da versão da Lila para os fatos. Ela é uma personagem riquíssima, que desperta sentimentos conflitantes para quem convive com ela na ficção e para quem acompanha através da leitura. No segundo livro a autora usa um recurso para aliviar um pequeno percentual desta curiosidade, embora ainda insuficiente para mim.

História do Novo Sobrenome
Série Napolitana – Segundo Volume
Storia del nuovo cognome
Elena Ferrante
Tradução Maurício Santana Dias
Biblioteca Azul – Editora Globo
2011 – 471 páginas


Outros livros de Elena Ferrante resenhados no Blog:
A vida mentirosa dos adultos
Amiga Genial
História de Quem foge e de Quem fica
História da Menina Perdida

Dias de Abandono


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