quarta-feira, 15 de agosto de 2018

as últimas testemunhas



Sinopse: Zina Kossiak tinha oito anos quando a Segunda Guerra Mundial assolou a antiga União Soviética, e foi uma das muitas entrevistadas pela jornalista biolorrussa Svetlana Aleksiévitch, vencedora do prêmio Nobel de literatura de 2015. Ela conversou com vários sobreviventes que eram crianças durante a guerra e presenciaram horrores que nenhum ser humano jamais deveria experimentar. Os relatos francos desses indivíduos, adultos à época das entrevistas, mas nunca antes ouvidos, são a matéria dolorosa e potente deste livro colossal.


"Não gosto de lembrar...Não gosto. Em suma: não gosto..."

O livro de Svetlana Aleksiévitch foi o mais difícil de resenhar até hoje. As palavras viraram vozes e ainda soam em meus ouvidos. Sua tristeza, dolorosamente real, parece ter passado das páginas para os meus dedos e entrado na corrente sanguínea, deixando o coração apertado mesmo após virar a última página. 

"Eu já tenho 51 anos, tenho os meus filhos. Mesmo assim, eu quero a mamãe..."

As últimas testemunhas são entrevistas com sobreviventes da segunda guerra mundial feitas pela escritora e jornalista nascida em Stanislav, que ganhou o Nobel de literatura em 2015. Assim como ela, eles viviam na antiga União Soviética, com a diferença que eles viram os alemães invadirem suas cidades, suas casas e suas almas.

"Uma vez, na rua, encontrei um homem que parecia o papai. Passei muito tempo andando atrás dele. É que eu não vi o papai morto..."

O que estes relatos possuem de diferentes? O fato de durante este período eles serem crianças. São lembranças de sua não infância. De um dia acordar cheio de expectativa e de repente ver a brincadeira guerra se tornar real. Ou de quem nasceu no pós-guerra, como Svetlana, e mesmo assim teve a vida marcada por fatos não cicatrizados por seus sobreviventes.

"Tenho medo da felicidade. Sempre acho que logo mais ela vai acabar."

Para tornar a presença da autora invisível, as respostas se tornam relatos de tamanhos variáveis, conforme a dor de cada um permite lembrar e falar. Remexer no passado para estes adultos que tiveram uma etapa da vida pulada é mais do que difícil, muitos jamais assimilaram as perdas. As idades são variadas, assim como as experiências durante e após o período da segunda grande guerra. Podendo ser um fato isolado, ou do primeiro ao último dia de um período que deve ter parecido eterno.

"Não entendo o que são pessoas desconhecidas, porque eu e meu irmão crescemos entre pessoas desconhecidas."

Em comum a perda de um estilo de vida, o amadurecimento precoce, a fome, a proximidade da morte. O tipo de realidade difícil de imaginar para quem está na segurança de sua casa. 

"Boris de fato era nosso, porque haviam matado a mãe e o pai dele, e queriam jogá-lo no gueto."

Muitos relatos são semelhantes, pois as cidades de origem são as mesmas, parecendo que apenas os nomes mudaram. O que acentua a verdade do que é descrito, não há distorções, apenas páginas e páginas gritando que sim, todo aquele horror é real.

"Quando eu conto, mordo a mão até sangrar para não chorar..."

Para quem lê fica a falta de explicação para soldados perderem a sua humanidade e agirem como monstros. O uso da violência de forma gratuita, desproporcional e totalmente desnecessária. Seguido de um choque por saber que muitas pessoas ainda vivem isso, em guerras que damos pouca atenção por estarem distante de nós.

"Como morreu, se hoje não atiraram?"

E quando os soldados não os encontravam, uma outra guerra, esta invisível, aparecia para atormentar. Eram as doenças que se aproveitavam da fragilidade dos pequenos que passavam fome, frio e carência. 

"Vi o que não deve ser visto... O que o ser humano não deve ser."

Os que tiveram sorte ainda conseguiam ficar com a sua família, mas muitos ficaram sem rumo, sendo amparados por desconhecidos ou cedo virando voluntários de uma guerra que nem eles entendiam.

"Como sobrevivi se morri cem vezes?"

Complementando os relatos estão as fotos. Crianças em campos de concentração. Crianças sentadas em destroços. Deixando ainda mais nítido o recado de quem são as maiores vítimas de toda essa loucura.

"Na aldeia não sobrou nenhuma criança. Não havia com quem brincar na rua..."

Um livro para nos tirar dos eixos, que deveria ser leitura obrigatória em todos os exércitos, e nos faz pensar no que a falta de compaixão pode nos transformar.

"No inverno às vezes deslizávamos sobre os cadáveres alemães congelados, eles ainda ficaram muito tempo nos arredores da cidade."

As frases em itálico fazem parte de alguns dos relatos descritos no livro, raramente eu faço isso, mas desta vez se fez necessário para reforçar a força destas histórias.

As últimas testemunhas
crianças na segunda guerra mundial
Svetlana Aleksiévitch
Tradução: Cecília Rosas
TAG – Companhia das Letras
2013 – 317 páginas

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