terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Pro inferno com isso



Sinopse: Na orelha o escritor Marco Severo avisa os leitores que: “a obra carrega tons de vibrante realidade, eis aqui um livro assombroso, no melhor sentido da palavra. Nas vinte e oito histórias que você tem em mãos não existem absurdos nem inverossimilhança. Absurda é a vida - e esta obra pulsa, repleta dela”.

O escritor baiano Matheus Peleteiro reúne 28 contos, em sua maioria relativamente curtos, no livro Pro inferno com isso. E justamente pela quantidade não vou repassar um a um como muitas vezes vocês veem por aqui, senão a resenha iria ficar muito longa e cansativa para vocês.

De uma forma geral posso dizer que os contos trazem para o leitor uma mistura de filosofia, comicidade, relações familiares, meio social, política, paixões e muita literatura, ao qual ouso dizer ser a estrela principal deste livro.


Cada minuto parecia uma hora de tortura, cada hora parecia um dia completo e ele estava prestes a surtar quando ouviu o som dos passarinhos cantando ao nascer do sol.


Pois em alguns pontos as referências e o ato de escrever são os personagens principais ao influenciar tudo a sua volta, assim como os sentimentos e escolhas dos indivíduos que acompanhamos em cada história.

Alguns dos meus preferidos foram 'Suave é a noite' que tem um toque filosófico em uma insônia que parece abrir um novo mundo. ‘Legiões urbanas de devoradores de literatura’ ficou muito divertido, adorei a brincadeira das tribos conforme o autor admirado pelos seus integrantes - e fiquei imaginando como seria o pessoal da minha, aliás, fiquei pensando se as tribos aceitariam alguém que pertencesse a mais de uma.


Fazia alguns dias que eu parecia estar vivendo em uma utopia bastante interessante, embora inverossímil.


Quase um miniconto 'O vencedor' tem aquela ironia que arranca um sorriso, já 'E isso doía’ trás toda a magoa de críticas carregadas por um longo tempo, enquanto ‘Edema de Glote’ vem falar dos influencers e o esquecimento da literatura enquanto leitura quando vira só marketing de apresentação, tornando-se segundaria entre o seguido e seus seguidores.

Já em 'O suicídio de um poeta que não teve coragem de se matar' nos recorda da eternização e elogios que muitas vezes só são lembrados após a morte de algum escritor, e como seria tentar utiliza-la para atrair os olhares para quem é desconhecido e deseja a fama repentina para começar a viver.


O pior meio de se educar um filho é tentando incutir disciplina em sua cabeça através da coerção física.


Além dos que mais gostei, para quem é fã de literatura talvez irá se encontrar em 'Um encontro com o velho' onde Bukowski bate um papo com alguns críticos dos tempos atuais ou em 'A Maldição' onde Alberto tem este nome em homenagem a Albert Camus

Ou quem sabe ao acompanhar um escritor e a sua participação em um programa de rádio com o sugestivo nome de ‘Gaiola dos pedantes’. Aliás, achei que este personagem poderia ser continuação do conto 'O Bar da escrita criativa' cujo título deixa claro a base da história.


Além disso, para um artista, não há nada pior que o comodismo e a não eventualidade.


Fechando os contos que tem a literatura como mais do que uma base está 'No tribunal de exceção de suas consciências' e a tortura mental de um escritor desconhecido em relação a sua obra.

Mas como eu havia dito no início da resenha, além da literatura há outros assuntos abordados, como questões familiares. Em ‘Os dois irmãos’ temos os caminhos de dois homens como pensamentos completamente diferentes unidos pelos laços de sangue. Já em ‘O Bastante’ entram os questionamentos em relação a disciplina e ideias dos pais.


A Dona Morte teria me poupado de muita coisa. Mas, desde que afirmei não sentir mais tesão por ela, ela passou a ameaçar me trazer de volta à vida.


Há também os relacionamentos em que hora temos um homem protagonista como em ‘Mãos de Poeta’ e hora uma mulher recebe o holofote como o caso da moça misteriosa que busca vingança após um relacionamento mal sucedido.

Sem esquecer os sociais, como o conto que dá título ao livro, ou em ‘Sem olhar para trás’ e a reação de dois colegas a imagem de dois mendigos. Ou os questionamentos de liberdade em ‘Você também!’. Assim como julgamento prévio como encontramos em ‘Opostos’.

Mulher nenhuma deve alguma coisa. Os homens, por outro lado, devem muito...


Como eu comentei no início do texto os contos são em sua maioria curtos, alguns em uma única página, então para quem gosta de ler mais de um livro ao mesmo tempo, ele ajusta perfeitamente a qualquer tempo para fazer este intercâmbio, sem ter risco de deixar alguma história pela metade.

E assim deixo a dica para quem curte ler contos, para quem busca mais escritores brasileiros, para quem busca conhecer novos escritores, para quem adora a literatura como tema e acompanhada de referências, e claro para quem gosta simplesmente de livros.


Pro inferno com isso
Matheus Peleteiro
Edição do Autor
2019 - 145 páginas

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Igualzinho a você



Sinopse: Seu par romântico é igualzinho a você: mesmas origens, mesma idade, mesmos interesses. O casal perfeito. Juntos, porém, são uma catástrofe. Então, quando você menos espera, surge outro em sua vida. Vocês parecem não ter nada em comum e ainda assim, de algum jeito, tudo faz sentido. Com perspicácia, ternura e muito humor, este romance de Nick Hornby explora a fundo o que significa entrar de cabeça num relacionamento com a melhor pessoa possível - e que não tem nada a ver com você.

TAG Inéditos encerrou o ano enviando em Dezembro/22 o romance inglês Igualzinho a você do escritor Nick Hornby. O mimo foi um calendário de mesa para 2022 - é dele as imagens que uso para indicar o mês dos livros lidos no Instagram.

Lucy tem quarenta e dois anos, é professora, mãe de dois meninos, e se divorciou quando viu o alcoolismo de Paul aumentar a cada dia, assim como o impacto que a bebida estava tendo em suas ações. Mas a separação não impediu que os dois mantenham uma relação que podemos considerar amigável, visto que eles possuem filhos pequenos em comum. Para diminuir a solidão, ela se relaciona com homens de aplicativo e conhecidos apresentados pelos amigos.

E é justamente quando precisa de uma babá para um jantar que ela acaba se aproximando de Joseph, um rapaz negro, de 22 anos, que entre seus vários empregos, é atendente aos sábados em um açougue localizado no bairro onde Lucy mora.


Como alguém podia ser capaz de dizer com alguma certeza o que mais odiava no mundo?


Os períodos como babá acabam aproximando Joseph dos meninos, que adoram alguém que jogue vídeo game com eles, rapidamente ele e Lucy viram amigos e logo vem um relacionamento íntimo, mas sem o rótulo de relacionamento fixo. 

Mais do que gerações diferentes, eles não possuem nem mesmo gostos em comum, ela gosta de livros e peças de teatro, e ele revira os olhos para isso. Ela acompanha política, para ele tanto faz tanto fez. Ela tem liberdade de ir e vir, ele está sujeito a revistas policiais.

Mas mesmo assim as horas vão se tornando dias, semanas, meses, em uma relação que se vive o momento e não existem planos futuros.


A disputa agora era com o resto do mundo, e o resto do mundo era ao mesmo tempo grande e bom de bola.


Os personagens


A história é centralizada em Lucy e Joseph, que são colocados como opostos. Ela é branca, adora ler, é mais velha, contra o Brexit, seu círculo de amizade é uma bolha com as mesmas ideias e ideais, e sua situação financeira é estável, com uma boa casa e emprego. 

Joseph está saindo da adolescência, é negro, indiferente ao Brexit, seus amigos são jovens e o seu negócio é fazer música e quem sabe um dia ser Dj. É um rapaz que não deseja ter relacionamento sérios e ainda mora com a mãe, que não controla os seus ir e vir. Financeiramente sua vida é bem mais simples, o que o faz dividir o tempo em diferentes trabalhos.


Talvez acreditasse que Deus criara o universo, mas não sabia como aquilo o afetava.


Fazendo figuração em volta do casal estão os vizinhos caricatos de Lucy, como Emma, uma mulher casada que frequentemente tenta flertar com Joseph no açougue, a mãe de Joseph que não aprova o relacionamento, o ex-marido que se sente no direito de fazer várias perguntas, moças jovens e bonitas que podem dar perspectiva de família futura para Joseph, além dos amigos de ambos os lados que aparentemente não se importam com as diferenças dos dois, sejam ela de idade, classe ou de raça.


A escrita de Nick Hornby


Utilizando a narrativa em terceira pessoa, Hornby inicia a sua história na primavera de 2016 e percorre em longos capítulos os nuances deste relacionamento em detalhes no período aproximado de seis meses, até dar um salto no tempo e finalizar na primavera de 2019.


Anos e anos de vida adulta tinham lhe presenteado com pistas totalmente inibidoras sobre o que se passava na cabeça das pessoas.


Sua escrita coloca o leitor dentro da cidade de Londres, e como eu já havia lido em A segunda vida de Missy, o assunto principal é a forte discussão que polarizou opiniões a respeito do Brexit. No caso de Igualzinho a você o foco se amplia ao entrar em discussão os diferentes lados sobre a saída do Reino Unido do bloco europeu conforme idade, raça e classe social. As visões são muitas, assim como as opiniões dos personagens em relação aos políticos ingleses que ainda são figurinhas fáceis nos telejornais.

E aqui também entra o fato de Londres ser uma cidade muito cara, a disputa de empregos com imigrantes, aos quais muitos locais acusam de roubar as suas vagas e veem no Brexit a oportunidade de recupera-las.


Ele estava querendo fazer sexo com uma pessoa da idade da mãe dele!


E naturalmente também é abordado o racismo, como a reação de um vizinho que chama a polícia ao ver Joseph batendo na porta de Lucy em uma noite. É através de Joseph que ele também levanta questão de frases e conceitos pré-estabelecidos em vários diálogos.


O que eu achei...


Eu particularmente achei o livro muito chato. O sentimento que eu tive durante a leitura era que Lucy estava com Joseph para não ficar sozinha, pois ele é um guri do tipo babaca, que tem vergonha dela e frequentemente a compara mentalmente com a própria mãe, e cuja dinâmica me fez acha-lo tão tóxico para ela quanto o ex-marido. Pois Lucy parece eternamente pisando em ovos com ele, tendo que ter cuidados na forma de se expressar e agir que ele não tem.


Estava em forma para seus quarenta e dois anos, mas, de qualquer modo, tinha um corpo de quarenta e dois anos.


E ao mesmo tempo o comportamento dele me parecia algo natural, pois ele é um cara muito jovem ainda em formação, suas ideias de mundo ainda não ganharam amplitude, ao mesmo tempo em que ele já encarou situações que ninguém deveria ter que enfrentar, fazendo com que ele esteja em um processo de amadurecimento entre extremos.

Além do seu mundo ser muito mais adolescente do que adulto. E é isso que o relacionamento com Lucy oferece a ele, sexo sem compromisso ou responsabilidade. 

E ao contrário do que é indicado na orelha da página, não acho que Lucy fosse igual a Paul - seu primeiro marido -, seu círculo social talvez, sua cor com certeza, mas existe algo chamado personalidade, que nos torna únicos em relação aos outros. E no caso de Lucy ela se molda aos pares, o que possibilita que seus relacionamentos durem até as situações ficarem extremamente desconfortáveis para ela. 


E, se você acha mesmo que eu sou racista, talvez você não devesse estar aqui.


E talvez por ela repetir um comportamento tão comum entre as mulheres de ser a pessoa que cede, espera e precisa tomar as decisões, que eu não tenha conseguido sentir a leitura fluir. O que me fez pensar que Lucy merecia ter um dedo melhor para os seus relacionamentos.

Naturalmente talvez a narrativa faça muito mais sentido para quem já viveu ou tem um relacionamento inter-racial, ou com essa diferença em que um está chegando na vida adulta enquanto o outro já está na fase da estabilidade e maturidade, possibilitando maior identificação.

Pois como são realidades distante pra mim e o livro não é movido a grandes ações ou acontecimentos, mas sim descrevendo a rotina de um casal, que mesmo sendo de polos tão distintos, consegue conviver em relativa harmonia. Para quem viveu ou está vivendo as mesmas situações o impacto causado pela leitura pode ser muito maior.


O referendo dava a grupos de pessoas que não se gostavam, ou ao menos que não se compreendiam, uma oportunidade de brigar.


E como já citei no texto, a visão ampliada do Brexit também me ajudou a aprender mais um pouquinho sobre o que causou toda a disputa e até mesmo encontrar semelhanças com a polarização que enfrentamos aqui no Brasil. 

Então mesmo literaturando fica a dica de leitura para que você leia e descubra se concorda ou discorda de mim, afinal, a literatura é muito semelhante a gastronomia, cada um tem os seus gostos e preferências.

Igualzinho a você
Just Like You
Nick Hornby
Tradução: Christian Schwartz
TAG - Companhia das Letras
2020 - 415 páginas

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Vestígios



Sinopse: Algumas das onze histórias que compõe este livro começaram a ser elaboradas por Ana Maria Machado há muitos anos. Independente entre si, mas conectadas pelos fios das relações familiares, elas versam sobre as nossas escolhas, memórias afetivas e a passagem do tempo. Os personagens são pessoas comuns em situações cotidianas - uma mulher de meia-idade diante de uma infidelidade, um homem que busca dentro de si o mesmo encantamento com a vida que experimentou na infância. O lirismo e a profundidade destas narrativas são tais, que naturalmente nos confrontamos com nossas próprias escolhas e suas consequências. Em seu inconfundível estilo, Ana Maria Machado nos mostra como as alegrias e dissabores do presente podem ser vestígios de tempos "que os anos cada vez trazem mais".

Existem livros que são como um abraço, que nos confortam, nos fazem relembrar histórias antigas, que aquecem o nosso coração fazendo com que invariavelmente sorrisos escapem. 

Foi isso que a bela seleção de contos da autora carioca Ana Maria Machado representou pra mim. Suas histórias me trouxeram uma leveza que nem eu havia percebido que estava precisando. Então antes de mais nada eu já digo, se você está como o Olaf precisando de um abraço quentinho, Vestígios talvez possa lhe dar isso através das palavras.

Como de costume, compartilho abaixo um pouquinho dos onze contos, mas sem muitos detalhes para não estragar a leitura de quem for ler.


Estações


Mal conteve uma exclamação de surpresa ao abrir a porta.


O conto de abertura nos coloca no reencontro de pai e filho no Canadá, onde o filho ainda tem dúvida de seguir os mesmos passos profissionais paternos. Em um restaurante eles encontram um brasileiro ao qual sem saber seu pai havia mudado a vida.

Logo de início Ana Maia nos apresenta uma história muito gostosa de ler ao misturar um grande amor nas relações familiares com o impacto que uma pequena ação pode ter na vida dos outros.


A melhor parte


Quem parte, reparte, e não fica com a melhor parte... ou lhe sobra siso, ou lhe falta arte.


No segundo conto temos duas irmãs que convivem entre divisões e escolhas, em uma busca incessante por maior atenção enquanto compartilham comparações e ciúmes.

Uma brincadeira sobre a convivência entre irmãos relatada de forma leve e com um toque de humor nas disputas que são levadas aos detalhes.


Burrinho de presépio


Desde pequena tinha aprendido a se portar de maneira contida.


A evolução de uma menina que nasceu tendo bons modos e cresceu sendo uma pessoa contida é o tema do terceiro conto, cuja vida da personagem encontra simbologia em um presépio.

Uma história delicada sobre como a personagem lida com os próprios sentimentos mesmo em momentos extremos.


O.k., você venceu 


Amor não pode ser prisão. Um não é dono do outro.


Um casal opta por ter um relacionamento aberto, ao qual estabelecem uma série de regras. Mas um dia o homem resolve quebra-las para se envolver com uma mulher mais jovem.

Eu achei muito interessante como o quarto conto foi conduzido, onde fatos e questionamentos se misturam no fim de um relacionamento sem ter nada de tedioso para o leitor, prendendo até o desfecho final.


Além das fronteiras


Fase provisória, etapa passageira.


No quinto conto temos a despedida de Marina do local onde mora antes de sua mudança com o marido e a relação que ela tem com uma ave local.

Eu achei essa história tão fofa, pois existe uma delicadeza ao tratar dos ciclos que se encerram e dos laços de amizade mais improváveis.


Tratantes


A gente confia, espera, o tempo passa, não aparece ninguém.


Ao contrário do que se possa imaginar, o título do sexto conto é uma pegadinha e o que ele traz é uma linda história de avó e netos.

Ele encanta por nos lembrar que a felicidade está nos detalhes, nos pequenos gestos amorosos, que ficam para sempre na nossa memória.


Sem deixar rastros


Era cuidadosíssimo. Mesmo quando andava na fase da maior paixão, conseguia ficar atento e não baixar a guarda.


Com um toque de ironia, coisa que eu particularmente adoro, o sétimo conto nos apresenta um homem que evita deixar vestígios em seus relacionamentos extraconjugais.


Em nome do pai


Aquela história de transformar os militares em carcereiros de presos políticos vindos de longe não era vista com bons olhos por todos.


Padre Olímpio é bom de bola, e é isso que distrai a ele e outros prisioneiros políticos enquanto são mantidos presos em um quartel quase na fronteira com o Uruguai. Até que ele é convidado para substituir um jogador machucado no torneio dos militares.

O oitavo conto consegue misturar um pouco da história da ditadura militar brasileira com as lembranças paternas deste tão simpático personagem fictício, resultando em outra leitura encantadora.


Não mais


Era em pleno tempo do ainda não.


No nono conto temos um retorno as lembranças de uma infância na casa dos avós, onde a luz ainda não havia chegado e as histórias eram contadas em volta da fogueira.

Mais uma vez a valorização do que realmente é precioso para nós e o quanto isto fica eternizado em nossa memória independentemente de onde andamos.


Uma velhota frágil


Mas à primeira vista, era uma velhota frágil. Miúda, de cabeça branca.


A falsa fragilidade dada para uma senhora que muda não só o rumo do seu dia, mas também dos passageiros de um ônibus.

Eu adorei a massagista Marieta do décimo conto, a frágil senhora em questão, que deve fazer massagens maravilhosas.


Todas as filhas


Com as palavras dispostas na página de modo diverso, as letras se entrecruzando na coincidência das repetições.


No décimo primeiro e último conto uma paixão de idas e vindas que fazem Olivia acreditar que Miguel é a pessoa com quem quer estar até receber uma proposta de seu pai.

Aqui Ana Maria explora um amor que parecia ser para sempre até ter a sua resistência testada.


O que eu achei...

Se ainda não ficou claro na resenha, eu amei este livro de contos. É uma mistura de memória, afeto, escolhas, decepções, amores, mudança, aceitação, que não seria difícil de acreditar que houvessem acontecido no nosso dia-a-dia, devido a escrita sensível e os finais tão verossímeis que facilmente poderiam se passar por reais.

Além disso os contos têm uma doçura, uma leveza que abraça o leitor. Mesmo nos mais irônicos há uma gentileza na forma como é escrita, aquecendo facilmente o coração em dias tão confusos e tensos.

Por isso a minha dica é em especial para quem procura livros leves e inspiradores, que tragam à tona bons sentimentos e que arranquem sorrisos para quem anda precisando de uma dose. E naturalmente para que gosta de bons contos e de ler.


Vestígios
Ana Maria Machado
Alfaguara
2021 - 111 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Nada para ver aqui



Sinopse: Na primavera de 1995, Lilian recebe uma carta de Madison. Amigas improváveis na época da escola, elas perderam o contato ao longo dos anos, seguindo caminhos bastantes distintos. Madison, agora casada com o senador Roberts, escreve oferecendo um emprego a Lilian como babá dos enteados que estão chegando para morar na mansão do político. Com uma vida digna de zero comentários e nada a perder, Lilian aceita a oferta e, ao longo do verão, ela se surpreende com o vínculo criado com os gêmeos Bessie e Roland. Só tem um problema: ela não esperava que a situação pudesse pegar fogo...

TAG Curadoria encerrou o ano com uma indicação da multiartista Clarice Falcão, que indicou o autor norte-americano Kevin Wilson e o seu Nada para ver aqui. Como eu tenho a assinatura dos dois clubes da TAG, meu mimo foi um livro extra, para quem só tinha a curadoria, recebeu um calendário 2022.

Lilian era uma criança inteligente e graças aos seus esforços conseguiu uma bolsa de estudo para uma escola particular, onde meninas ricas eram enviadas para serem preparadas para o futuro. É neste local que ela conhece Madison, ao qual forma uma estranha amizade, e vê o seu sonho de uma vida melhor ser destruído quando sua mãe aceita dinheiro do pai de uma aluna para que a culpa pelas drogas encontradas no quarto da filha seja assumida por Lilian.


Eu esporadicamente namorava pessoas que não me mereciam mas pensavam que mereciam.


Sem nunca se recuperar por esta perda, a única lembrança que fica do período são as cartas de Madison que ela recebe de tempos em tempos. Enquanto a amiga entra para a política e acaba se casando com o candidato ao senado ao qual prestava apoio, Lilian leva uma vida bem mais ou menos e segue morando na casa da mãe.

Mas um dia ela recebe uma carta diferente, um pedido de visita que esconde o verdadeiro interesse do rico casal: cuidar dos filhos de Roberts após o falecimento da sua ex-esposa. E o que parecia um trabalho normal, ganha um toque de realismo fantástico quando ela é informada que os gêmeos literalmente pegam fogo.


Eu ia finalmente, depois de vinte e oito anos, experimentar coisas do jeito que eram planejadas para ser.


Os personagens

Lilian é a personagem principal desta história, uma mulher que não se recuperou da agressão sofrida ainda na juventude, não dando utilidade nenhuma para toda a sua inteligência. Sozinha, sem afeto materno e pai desconhecido, é muito fácil ela se apaixonar por Madison, que acaba utilizando isso para manipula-la.

Madison é o estereótipo físico do padrão tão cultuado, dos cabelos sempre cuidados, passando pelo corpo em forma e as roupas cuidadosamente escolhidas. Como o marido ela respira política, trocando o antigo sonho de ser presidente para alavancar a carreira do companheiro.


Muitas vezes quando penso que estou sendo autossuficiente, na verdade, só estou aprendendo a viver sem as coisas de que preciso.


Já o senador Jasper Roberts está muito próximo de ocupar o cargo de secretário de estado dos EUA, e para isso não irá poupar esforços, como esconder os próprios filhos do casamento anterior, para que a sua imagem não seja questionada.

Já os três filhos de Jasper são muito diferentes. O casal de gêmeos Bessie e Roland além de possuírem o dom de pegar fogo e não se machucarem precisam lidar com o abandono, já que ninguém da família - pai, avós maternos - querem lhe dedicar atenção. Já seu meio-irmão Timothy, filho de Jasper com Madison, demostra um comportamento sempre correto, carregando a imagem de um adulto em um corpo de menino pequeno, mas com todo o amor da mãe.


Eles eram como eu, sem amor e fodidos, e eu me certificaria de que tivessem tudo o que precisassem.


Completando o grupo estão dois empregados da casa, Carl é o faz-tudo para solucionar os problemas que possam envolver a família e o apoio no trabalho de Lilian para atender os gêmeos. Já Mary é a cozinheira que tudo sabe, tudo vê, mas pouco fala. 


A escrita de Kevin Wilson

O autor Kevin Wilson optou pela narrativa em primeira pessoa para contar a sua história, colocando o leitor dentro da mente de Lilian, e assim conhecendo os seus sentimentos, suas opiniões, seus lamentos e dúvidas.

Com uma escrita bastante fluída, ele transfere o leitor para a primavera de 1995 e nos faz um panorama de como seria conviver dia a dia com duas crianças que entram em combustão e ensina-las a controlar o fenômeno, enquanto as próprias pessoas em volta administram seus sentimentos.


Nós éramos um mundo à parte, mesmo que eu soubesse que era temporário.


Apesar de incluir algumas partes cômicas, o livro no geral não está longe de ser engraçado, pois apesar do inusitado fato das crianças pegarem fogo, o tema principal me pareceu o abandono parental. Ao qual ele trabalha muito bem ao incluir o fogo como o elemento que reflete o estado de espírito das crianças.

Outros elementos por ele trabalhados na obra estão o próprio jogo de aparências na política americana e as diferenças sociais, onde a visão do dinheiro compra tudo é aplicado de forma um tanto abundante e infelizmente certeira.


Se seus corpos eram invulneráveis ao fogo, o que havia dentro deles?


O que eu achei...

Eu particularmente achei a leitura bastante incômoda durante a maior parte do tempo, não pela escrita, mas pelo comportamento dos personagens. Não foram raras as vezes que eu tinha vontade de sacudir a Lilian, de lhe dizer que ela deveria parar de se achar um fracasso e usar a sua inteligência para encontrar um caminho, já que ela é nitidamente perdida na vida.

Também me senti incomodada com a maneira como os gêmeos não eram cuidados, com o fato de o dinheiro vencer facilmente e esconder muito bem aquilo que os ricos e poderosos não permitem mostrar.


Se você fosse rico e homem, parecia mesmo que era só seguir certo número de passos e era possível fazer qualquer coisa que quisesse.


Mas apesar de todo o incômodo, eu gostei da história, achei interessante a forma utilizada para questionar o estilo de vida da elite americana. 

Ficando a dica para quem gosta de um realismo fantástico, de histórias que envolvam comportamento humano, ou para quem quer uma literatura quente para os dias de verão.


Nada para ver aqui
Nothing to see here
Kevin Wilson
Tradução: Natalia Borges Polesso
TAG - Harper Collins
2019 - 255 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.