terça-feira, 16 de junho de 2020

A terceira vida de Grange Copeland



Sinopse: A terceira vida de Grange Copeland, primeiro livro de Alice Walker – vencedora do Pulitzer 1983 pelo livro A cor púrpura - , revela o cotidiano de uma família negra no Sul dos Estados Unidos, por três gerações. Oprimido pela estrutura racista do condado de Baker, o trabalhador rural Grange Copeland abandona família e amante para ganhar a vida no Norte, mas retorna, após passar por experiências transformadoras, decidido a nunca mais conviver com pessoas brancas. Grange refaz sua vida, torna-se fazendeiro, mas tem que lidar com as consequências de suas escolhas no passado. Escrito com linguagem poderosa e precisa, o livro trata de violência – racial, social, familiar, contra a mulher -, mas também da força humana, capaz de mudar uma realidade inóspita por meio do amor e da desconstrução de estruturas patriarcais.

O livro de maio da TAG Curadoria foi uma indicação da escritora Jarid Arraes, e trouxe um livro de Alice Walker ainda não publicado no Brasil. A edição está muito bonita, e se nota todo o cuidado na produção, tradução e revisão da mesma.

A história tem início na infância de Brownfield, cujo pai Grange passa os dias da semana trabalhando em uma área rural, e nos finais de semana sai para beber. Sua mãe se chama Margaret, uma mulher que vive submissa ao marido. Ela também colabora com o sustento da casa, catando minhocas para a fábrica de iscas, deixando o menino sozinho com um punhado de açúcar dentro de um pano para ele ir chupando e assim matar a sua fome.

O sofrimento a despertara, e ele não precisara lhe contar que ela não tinha conseguido êxtase no casamento, mas apreensão.

Mas na sua adolescência seu pai vai embora e sua mãe morre, e ele parte em busca de outra vida, não indo muito longe, e acaba conhecendo Mem, uma moça estudiosa que começa a ensina-lo a ler e escrever. Mas a paixão inicial que tinha tudo para tornar a vida mais feliz e diferente, pelo espirito destruidor de Brownfield, acaba sendo uma repetição da infância do menino e a perdição de Mem.

A terceira geração da família Copeland é representada por Ruth, a filha caçula de Mem e Browfield. É ela a grande beneficiada pelas mudanças do avô Grange, que além de lhe trazer a discussão da relação negros, índios, judeus e brancos, lhe dá amor.

Eu queria que ele fizesse apenas isso por nós para podermos enterrar ele!

Alice Walker divide a sua história em onze parte, onde indicam uma mudança na vida dos personagens. Sua escrita é muito fluída e fácil de ler, ao mesmo tempo que a leitura é extremamente dolorosa, ela te provoca a virar mais uma página e seguir acompanhando a vida destes personagens que se tornam tão íntimos para os leitores.

A narrativa em terceira pessoa transporta o leitor para dentro de cada ambiente, onde não precisamos estar dentro de suas mentes para sentir cada frustração, mudança, tristeza, alegrias, ou compartilhamento de memórias.

Sua raiva, sua cólera e sua frustração imperavam.

Os temas racismo e machismo são muito fortes no livro. A violência física e psicológica pelos quais passam crianças e mulheres é desesperadora. E o pior, elas não vêm somente do homem branco, mas principalmente entre as paredes de suas casas, onde o marido/pai torna a cor de torna uma ofensa, usando-a junto com termo chulos.

O livro me deixou com muitas perguntas, que vão desde o porque estas mulheres sujeitavam a si e seus filhos a tamanha tortura, o motivo pelo qual a pessoa não consegue se libertar dos rótulos dados por seu agressor, até a complexidade do personagem Brownfield, ao qual me pegava pensando se tamanha maldade era de traumas infantis, uma psicopatia ou apenas um traço da sua personalidade.

E soube, mesmo antes de se dar conta disso, que o pai nunca mais ia voltar, que o odiava por tudo e sempre o odiaria.

Um livro que recomendo pela escrita, pelo que aborda, e principalmente, pelas perguntas que deixam para que o leitor procure as suas próprias respostas.

A terceira vida de Grange Copeland
The third life of Grange Copeland
Alice Walker
Tradução: Carolina Simmer e Marina Vargas
TAG – José Olympio
1970 – 319 páginas

quarta-feira, 3 de junho de 2020

O Enigma do Oito



Sinopse: Com personagens que se movem como peões num tabuleiro, 'O enigma do oito' conta a história do lendário xadrez de Carlos Magno, escondido durante mais de mil anos e desenterrado na Abadia de Montglane, nos Pirineus, às vésperas do início da Revolução Francesa.

Duas jovens órfãs são confiadas a igreja até terem condições de administrarem a renda de suas propriedades. Mas durante a primavera de 1790 a vida das duas primas, assim como de todos os que moram na Abadia de Montglane, é modificada radicalmente ao descobrirem que a lenda do xadrez de Carlos Magno é real.

São aqueles que lutam apenas por sua própria glória os que devem ter cautela.

As peças são distribuídas e se espalham pela França em plena Revolução Francesa. Valentine e Mireille se tornam pontos de ajuda para as demais freiras que possuem as peças, justamente por irem morar com um parente de boa posição entre os revolucionários. Mas a missão é muito mais perigosa do que elas imaginam, principalmente com O Terror instaurado nas ruas de Paris. 

A primeira mulher a fazer qualquer coisa nunca encontra facilidades.

Em 1972, na cidade de Nova York, Cat Velis é uma profissional da área de TI, que após contrariar o seu chefe, é informada que será enviada para prestar serviços por um ano na Argélia. Ao comunicar sua mudança na casa de um amigo, um conhecido lhe faz um pedido: procurar pelo xadrez de Montglane. Em um primeiro momento ela pensa em ignorar o pedido, mas uma sequencia de estranhos acontecimentos despertam a sua curiosidade para as peças.

É só uma questão de deixar claro quem manda em quem.

Katherine Neville utiliza o xadrez como base para criar um thriller cheio de mistério e perseguições. A autora se utiliza de duas narrativas onde a diferença está além dos duzentos anos de diferença, mas também a forma, a história de Mireille é narrado em terceira pessoa e cita muitas personalidades histórias, passando por Robespierre, Napoleão e Catarina, a Grande. Já Cat narra a sua aventura em primeira pessoa, como que se convidasse o leitor a desvendar o jogo junto com ela.

Meu cérebro se cansa de encontrar situações previsíveis.

Eu particularmente gostei mais da parte de Mireille, a parte histórica deu mais força nas motivações de suas escolhas, e existe uma evolução clara da personagem. Cat tem um início empolgante, mas aos poucos fica em uma linha tênue com a inverosimilhança, fica claro que ela está ali por ter requisitos que complementam uma equipe cujo conhecimento é acima da média, mas alguma coisa me incomodou durante o decorrer dos capítulos.

Refiro-me a Deus como o Grande Arquiteto, porque ele arquitetou o mundo a partir do som.

Outro ponto é que o livro tem cenas de grande violência, mas curiosamente invés de dar intensidade, elas deixam as descrições um pouco aborrecidas. O livro recupera o seu charme quando vai para os desafios mentais, mas estes são menos explorados e resolvidos de forma muito rápida, deixando algumas lacunas neste jogo complexo.

Quando eu chegar ao fim, você compreenderá o fardo que eu tenho carregado durante tantos anos.

E por último o uso da palavra grito. Aparece tantas vezes que eu fiquei pensando como os personagens não ficaram roucos até o final da história, e como todo mundo na volta não sabia o que estava acontecendo. A recorrência foi bem exagerada, o que ajudou a cansar a leitura no final.

Sombrio e misterioso, rico em conteúdo histórico e em simbolismo... e perigoso.

Mas no geral achei a história bem interessante, gostei de saber mais sobre o xadrez, um jogo que desconhecia totalmente. Adorei a ideia de os personagens serem peças e as cidades posições de um grande tabuleiro. Assim como os detalhes de vários países, onde lendas e histórias se misturaram.

Mas todos os grandes cientistas sempre foram eternas crianças, em seus corações...

Para um livro de quase setecentas páginas, o final pode deixar a desejar para os mais exigentes, então achei bastante curioso quando descobri que existe uma continuação chamada O Fogo, que se passa vinte anos depois tendo a filha de Cat como protagonista. Mas, um dia após ter finalizado a leitura, não senti necessidade de ler a continuação para entender a história, me fazendo pensar que são histórias do mesmo tema que podem ser lidas individualmente, como ocorre com a série do Cemitério dos Livros esquecidos.

O Enigma do Oito
The Eight
Katherine Neville
Tradução Elizabeth e Djalmir Mello
Editora Rocco
1988 – 678 páginas