terça-feira, 24 de novembro de 2020

A Segunda Vida de Missy

 


Sinopse: Em 1959 Millicent Carmichael, a Missy, casou-se com o homem que amava. Passados cinquenta anos, sem ele e com dois filhos criados e distantes, ela está sozinha. Embora se apresse em dizer que considerava seu papel de dona de casa e mãe pouco satisfatório, a verdade é que Missy devotou toda uma vida à família e suprimiu qualquer ideia de carreira em função do sucesso do marido. Agora que ele não está mais a seu lado, que ela brigou com a filha e que o filho se mudou para a Austrália com o neto que Missy tanto ama, ela passa os dias bebendo xerez, evitando as pessoas e vagando pela casa enorme e mal decorada esperando não se sabe o quê.

No mês de novembro o clube de livros intrínsecos enviou para os seus assinantes o livro A Segunda Vida de Missy, da autora Beth Morrey. Como brinde um aparador de livro.

Quem narra a história é Missy, uma senhora de quase oitenta anos, que não atende as ligações do banco por estar endividada, e vive em meio a sua solidão relembrando tristezas e mágoas.

Desde aquela tarde, uma semana antes, eu havia mudado de ideia meia dúzia de vezes, indecisa como só os mortalmente entediados e inseguros são capazes.

A mudança de percurso ocorre já no primeiro capítulo, em um dia frio ela vai até um parque ver um evento que atrai vários moradores da cidade. No local uma mulher oferece croissants a todos, e ela que vai socorrer Missy quando esta desmaia.

Sylvie não a socorre apenas de um desmaio, mas através de seus convites e apresentações aos poucos vai lhe trazendo de volta a realidade. Entre as novas pessoas que Missy conhece estão Angela e seu filho Otis, menino que regula de idade com o seu neto australiano. 

A garota do dormitório ao lado era tagarela e cativante, meu exato oposto.

E é Angela que traz o elemento que vai sacudir de vez a vida de Missy. Com o pedido de um lar temporário, ela lhe leva uma cadela chamada Bobby, ao qual inicialmente Missy diz não, mas acaba abrindo não só a porta de sua casa, mas como o seu coração.

Os capítulos da história intercalam o passado de Missy desde a sua infância, passando pela vida universitária até a rotina do dia-a-dia quando virou dona de casa, com o dia-a-dia, quando a vida lhe oferece uma segunda chance de olhar a sua volta com mais alegria e leveza.

Era insuportável a ideia de elas haverem discutido a minha situação - a velha triste e solitária, um caso de caridade pelo qual elas se responsabilizariam.

Além disso, temas recentes são abordados no livro, como a votação do Brexit e os questionamentos sobre os motivos pelos quais votar sim ou não e suas consequências, e o casamento da filha com a namorada.

E mesmo que seja um livro relativamente curto, eu achei a personagem Missy um tanto pesada, muitas vezes me sentia angustiada ao ver como as suas escolhas do passado se tornaram verdadeiras prisões que a fazem se arrastar pelos dias. O misto de sentimentos com os quais ela convive a tornam muito humana, e terrivelmente real.

...enquanto me dava conta de que nunca havia ocorrido a Angela a ideia de que eu pudesse ter votado em algo diferente do que ela própria, do mesmo jeito que todos os nossos conhecidos.

E apesar de Bob trazer leveza não só para a vida de Missy quanto para a história, ao mesmo tempo expõe ainda mais a solidão da personagem, cujo distanciamento dos filhos é enorme até mesmo em datas especiais e tornando latente a necessidade de alguém salva-la, como é indicado no título original.

Ao final pode ser inevitável o próprio leitor avaliar o quanto muitas de suas escolhas influenciam ainda hoje no seu dia-a-dia, se muitas coisas que o incomodam não são heranças de situações que ele insiste em carregar desnecessariamente. 

Para ser aquela mulher descontraída e animada, exibi-la e deixar a outra enfurnada em um canto.

E embora eu não tenha me agrado tanto a forma como a história é conduzida, e achado um tanto utópica a irmandade canina, por outro achei bem relevante a série de pequenas coisas cotidianas que nos afetam muito mais do que nos damos conta. E mesmo sendo clichê, não custa ser relembrado que nunca é tarde para mudar.


A segunda vida de Missy
Saving Missy
Beth Morrey
Tradução: Vera Ribeiro
Intrínseca
2020 -301 páginas

Livros do clube Intrínsecos resenhados no blog:
Pachinko
A Troca
Adultos
A dança da água
A vida mentirosa dos adultos


quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Uma escada para o céu

 


Sinopse: Uma carreira na literatura é o desejo mais ardente do jovem Maurice Swift. Com belos olhos e uma facilidade para circular em meio aos influentes e talentosos, ele parece ter o pacote completo para chegar lá... não fosse sua notável falta de talento. Utilizando-se da sua beleza e total falta de escrúpulos, Maurice vai enganar e magoar quem precisar em busca do seu sonho.

Utilizando um provérbio de origem desconhecida que diz "Ambição é colocar uma escada para o céu" para nomear o seu romance, John Boyne coloca o mundo editorial, seus escritores, o ato de escrever, as publicações e os cursos de escrita criativa em um livro vira página que me prendeu do início ao fim.

Ocorreu-me a ideia descabida de que ele se sentira fisicamente atraído por mim, muito embora soubesse que se tratava de um pensamento absurdo.

A história começa em Berlim Ocidental no ano de 1988, quando o escritor e professores alemão Erich Ackermann encontra-se divulgando o seu livro que acaba de ganhar o prêmio The Prize e está sendo traduzido para diferentes idiomas. Em um bar de hotel, aprendendo a lidar com o desconforto de retornar para casa, ele se encanta por um dos garçons.

O rapaz bonito que o aborda na saída do local se chama Maurice Swift e sonha em ser escritor. Entrega um manuscrito para Erich, que observa que ele sabe utilizar as palavras, mas suas histórias são tediosas, faltando alma no que se propõe. Mas o charme do rapaz o impede de falar diretamente. Apaixonado, ele contrata o rapaz a circular com ele pela Europa e América do Norte com a justificativa de lhe dar dicas.

Que bom que posso aprender com você. Espero que saiba o quanto estou agradecido.

Em cada cidade, o escritor acaba contando um fato muito marcante do seu passado, ao mesmo tempo que apresenta diferentes pessoas do mundo literário ao rapaz. O resultado é o sucesso de um e a desgraça do outro.

Na parte dois o leitor é levado para Norwich no ano de 2000, onde Maurice Swift está casado com a escritora revelação Edith. Além de estar escrevendo um novo romance, ela é convidada para dar aula em um curso de escrita criativa.

Vi a chama refletida nas suas íris e seus olhos pareciam tão úmidos que cheguei a pensar que você ia derramar uma lágrima.

Sem conseguir gerar o filho que tanto Maurice deseja, ela segue acreditando no amor que um tem pelo outro. Mesmo quando vê o marido ter ciúmes de jovens escritores e agir até mesmo com violência com ela. A confiança no marido faz com que ela cometa alguns erros e como Erich pague um preço alto demais por se envolver com um homem como Maurice.

Na terceira parte é o próprio Maurice que nos fala, é o momento de ter o seu lado dos fatos, enquanto circulamos por diferentes pubs em Londres. Um homem sórdido, frio, sem limites para escalar a sua escada rumo ao que ele considera merecer. Uma pessoa que não gera o mínimo de empatia, como todo anti-herói. Mas que tem beleza e charme para atrair e manipular suas vítimas, sem que elas se deem conta do seu real objetivo.

Eu pensei muito antes de lhe revelar aquilo, mas acabei achando melhor contar.

Uma escada para o céu possui narrativa em primeira pessoa, achei muito interessante Boyne apresentar inicialmente a visão de outros personagens sobre Maurice, para somente depois nos colocar dentro da sua mente. Nos dando uma visão completa dos fatos, não havendo dúvida nenhuma da índole do pseudo-escritor.

Outros motivos para ler o livro é a viagem que fazemos através dele, seja de cidades (Berlim, Copenhague, Roma, Madrid, Paris, Amsterdam, Nova York e Londres), seja pela literatura, onde há muitas referências de livros, assim como a mistura de escritores fictícios e os reais, como Gore Vidal.

Podia ser embaraçoso fazer semelhante confissão, mas simplesmente não havia como contornar os fatos.

Envolvente e surpreendente, foi um livro que eu devorei rapidamente, onde a escrita fácil não evitava o choque, mas facilita a necessidade de saber mais.

Uma escada para o céu
A ladder to the sky
John Boyne
Tradução: Luiz A. de Araújo
TAG - Companhia das Letras
2018 - 333 páginas


Outros livros de John Boyne resenhados no blog:
O Garoto no Convés
O menino do pijama listrado


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Eu Encontrei Jesus - Viagem às origens do Ocidente



Sinopse: Quem foi Jesus de Nazaré? Como surgiu a religião chamada cristianismo? Quem foram seus fundadores? Quem eram os primeiros cristãos? A história da Ressurreição de Jesus de Nazaré é verdadeira? Quem era São Paulo? Quem escreveu os Evangelhos? O que significa a expressão Filho de Deus? Os primeiros cristãos acreditavam que Jesus de Nazaré era Deus? Por que o cristianismo se espalhou tão rapidamente por todo o Império romano? A origem da democracia está na Grécia ou em Israel? Em linguagem direta e não raro contundente, mas sempre com base em pesquisas históricas, Eu encontrei Jesus enfrenta estas e outras perguntas. E as respostas a elas dadas são surpreendentes e não deixarão indiferente nenhum leitor.

A primeira coisa que preciso dizer é que este não é um livro religioso, ele inclusive vai além da religião.

A segunda, que conforme o Luís Augusto Fischer avisa na contracapa, não é um livro contra o cristianismo ou qualquer igreja cristã.

E a terceira e última é que se você é extremamente religioso e não aceita nada diferente do que é repassado pela sua igreja, este livro não é para você.


Os autores dos quatro Evangelhos são desconhecidos. Sua identificação nominal é fruto da tradição, que no caso de Marcos e Lucas possui pouca confiabilidade e no caso de Mateus e João nenhuma.


O livro do jornalista, professor e ensaísta José Hildebrando Dacanal está entre os livros da minha mãe que vieram morar na minha humilde biblioteca. Minha mãe é muito curiosa sobre o assunto, não sendo o único do estilo que está na lista para ler, mas com certeza é um dos mais bem fundamentados.

Dividido em três partes, o livro possui uma série de referências bibliográficas, pois trata da pesquisa realizada pelo autor para buscar respostas que não são nada fáceis. É o resultado do estudo de Dacanal sobre um período, e o que temos vai além da figura de Jesus de Nazaré, mas de toda a questão política e religiosa da época. Motivo pelo qual ele separa as fontes estudadas em internas e externas, e classifica quanto a riqueza de conteúdo, confiabilidade, discordantes, conflitantes, entre outros critérios.


O aldeão galileu Jesus de Nazaré não foi o fundador do cristianismo e este não foi obra sua, mas, no início, de intelectuais de origem urbana e formação gregas e, posteriormente, de intelectuais gregos adeptos do monoteísmo e da ética israelita.


Como não poderia deixar de ser, a primeira parte trata da personagem Jesus de Nazaré. Logo na origem é indicado que o seu nascimento ocorreu entre 7 a.c. e 4a.c, em uma aldeia no centro-sul da Galileia. O uso de Belém nos evangelhos seria a associação de Jesus como descendente do Rei Davi. O primogênito de Maria teria pelos mais quatro irmãos e duas irmãs, e em relação a sua paternidade, além da versão da divindade, são levantadas questões como filho ilegítimo, adulterino, fruto de estupro de um soldado romano ou simplesmente filho de José, o marido de Maria.

Ele também analisa itens como os títulos atribuídos, como o termo cristo que significa Rei de Israel, e que Filho de Deus era um termo utilizado para designar monarcas quando estes assumiam o trono como reis. Assim como as teses em relação ao seu grau de instrução, em uma época em que muito poucos eram alfabetizados, e estado civil, cuja ligação ao judaísmo tardio tinha a prática do celibato.


Ao contrário do que muitos afirmam, o cristianismo primitivo não é o cristianismo dos gentios.


Na comparação destes documentos, a dedução levada ao autor é que o Jesus, pregador itinerante, curandeiro e exorcista, apesar de ter uma linha diferente, como em relação a inclusão das mulheres entre seus seguidores, ele permaneceu sendo um israelita - um judeu - não foi o criador e não teria pretensão de fundar o cristianismo primitivo, que deu origem ao cristianismo como conhecemos hoje. Tendo a sua figura idealizada após a sua morte, e assim nascendo uma lenda que mudaria não só a religião israelita, como também a política do mundo.

E aí temos o link para a segunda parte, que trata justamente do Cristianismo Primitivo, que teria como ponto de partida da ressureição de Jesus, mudando o seu status de apenas mais um sentenciado a morte. Listando os fatos cronologicamente, ele descreve como ocorreu o crescimento dos seguidores, passando pelos conflitos internos em Jerusalém e a perseguição aos cristãos.


Em João alvorece uma nova religião, uma nova visão de mundo, uma nova ideologia.


Nesta parte também é abordada as viagens de Paulo de Tarso e suas cartas, os imperadores romanos até o momento em que o cristianismo deixa de ser uma religião para ter função ideológica.

Para concluir tudo, a terceira parte trata da Cristandade Ocidental, que vai da adoção da religião por Constantino a explicações dos três séculos levados para se romper com tudo o se acreditava até aquele momento. Também consta a influência dos gregos, lembrando que a origem da palavra Democracia possuía um sentido muito diferente do utilizado nos dias de hoje e o fato dos apologetas terem considerado Sócrates o primeiro mártir cristão, por morrer defendendo o direito ao espaço privado.


O Credo de Nicéia pode ser visto de três formas diferentes: como uma confissão de fé religiosa, como uma Constituição da Cristandade nascente e, finalmente, como uma cosmologia.


O livro é interessantíssimo, ao mesmo tempo que o autor tenta responder as suas perguntas, acaba trazendo novas para os leitores, já que o passado da humanidade é cheio de lendas e mistérios. Separar a ficção da realidade quando se trata de história é o que acaba separando também os curiosos dos que apenas creem.

Quem finaliza a leitura e deseja se aprofundar irá encontrar ao final do livro a biografia utilizada em todas as referências citadas ao longo dos capítulos, permitindo que assim esse parta em busca das próprias informações e tenha as suas deduções.


Milhares, possivelmente dezenas de milhares de obras foram escritas para tentar compreender e explicar a civilização israelita e a civilização helênica.


Durante a minha leitura acabei fazendo associações com outros livros, filmes e vivências dentro da igreja católica. Em um ritmo mais lento, muitas vezes me peguei criando um paralelo daqueles dias com os de hoje, principalmente quando é referenciado que o grupo de Jesus era formado pela classe média da época e o surgimento do cristianismo primitivo é relacionado com a insatisfação de pessoas que possuíam um maior conhecimento, mas não pertenciam aos círculos do poder.

Fechei o livro com as minhas próprias dúvidas e reflexões, e mesmo agora, passado duas semanas, as vezes me pego pensando no assunto abordado e me questionando o que haveria de real e o que haveria de ficção no livro mais lido do mundo.


Eu encontrei Jesus - Viagem às origens Ocidente
J.H. Dacanal
Leitura XXI- EST Edições
2004 - 351 páginas


terça-feira, 3 de novembro de 2020

Pachinko



Sinopse: No início dos anos 1900, a adolescente Sunja, filha adorada de um pescador aleijado, apaixona-se perdidamente por um forasteiro rico que frequenta a costa perto de sua casa, na Coreia. O gângster cuja fala emula um sotaque japonês e cujas roupas se distinguem das de todos na região promete a ela o mundo. Então Sunja engravida e descobre que ele já é casado. A jovem se recusa a ser comprada como amante, e sua vergonha e desonra em dar à luz uma criança fora do matrimônio se amainam no último minuto, com o pedido de casamento de um pastor religioso que está de passagem pelo vilarejo, rumo ao Japão. A decisão de abandonar o lar e rejeitar o homem poderoso de quem engravidou dá início a uma saga dramática que se desdobrará ao longo de gerações por quase cem anos, acompanhando os destinos daquela criança ilegítima gerada na Coreia e de seu futuro irmão, filho do pastor.

A edição de outubro/2020 do clube intrínsecos é da autora coreana Min Jin Lee, que após pesquisas e com muita sensibilidade conta a história de imigrantes coreanos em terras japonesas no livro que chamou de Pachinko. Sobre o mimo, é uma bolsa porta-livro que lembra a ilha de origem de Sunja.

Aquele desgraçado do Hirohito se apoderou de nosso país, roubou as melhores terras, o arroz, o peixe, e agora está levando nossos jovens.

Narrado em terceira pessoa, a história possui 3 partes, começando no ano de 1910 na cidade de Yeongdon, em Busan na Coreia, finalizando em 1989 em Tóquio, capital do Japão.

Na primeira parte conhecemos um casal que decidem receber hóspedes na casa que alugam para ganhar um dinheiro extra. Trabalhadores que sabiam administrar o pouco que tinham, logo receberam atenção da casamenteira local, pois mesmo que seu único filho, Hoonie, fosse aleijado, suas poses atrairiam alguma família.

Nenhum homem normal ia querer criar o filho de outro homem, a menos que seja um anjo ou um tolo.

E assim Hoonie, com 27 anos, desposou a jovem Yangjin, de apenas 15 anos. Eles aprendem a administrar a pequena hospedaria, enquanto perdem bebês, mas uma resiste, e a menina recebe o nome de Sunja. O casal cria a filha com muito amor e cuidado, até Hoonie perder a luta para a tuberculose.

Ambas as mulheres são muito trabalhadoras e mantém a hospedaria, mas o destino de Sunja muda ao ser assediada por um grupo de rapazes ao sair do mercado, salva por um rico negociante chamado Koh Hansu, logo eles passam a se encontrar. Encantado pela juventude da moça, ele a seduz e ela fica grávida. Mas ao descobrir que ele é casado, Sunja se afasta.

Como vou encarar esses homens novamente, toda vez que sair na rua, sabendo que duas mulheres estúpidas pagaram minhas dívidas?

A solução para a sua honra acaba sendo um jovem pastor hospedado em sua casa, de saúde frágil, ele lhe propõe casamento exigindo apenas duas coisas em troca: que ela aceite Deus e se mude com ele para o Japão.

Em Osaka o leitor vai conhecer, junto com Sunja, o irmão e a cunhada de seu marido Isak: Yoseb e Kyunghee. Yoseb ao mesmo tempo que é generoso com a família e muito trabalhador, também é extremamente machista. Kyunghee é admirada por sua beleza, mas carrega uma tristeza por não ter filhos, o que faz amar as crianças de Sunja.

As outras crianças eram implacáveis, mas Noa não se metia em brigas.

Seus filhos Noa e Mozasu crescem em meio a diferenças, enfrentando as situações cada um à sua maneira, Noa se esforça e estuda para ser o melhor, Mazasu utiliza a força para ganhar respeito. Não é fácil ser um estudante coreano em uma escola japonesa, nem todos aguentam a pressão dos seus colegas, abandonar tudo muitas vezes é menos doloroso que se entregar cedo ao trabalho.

O reflexo disso tudo irá se apresentar na vida adulta dos dois rapazes, em como cada um enfrentará os próprios obstáculos, momento que a autora aproveita para mostrar a questão de casamentos entre japoneses e coreanos, além do desejo de se tornar um japonês para ter as mesmas oportunidades.

Um dia, tio Yoseb dizia, eles iam voltar para a Coreia. Noa imaginava que a vida seria melhor lá.

Ao acompanhar as mudanças desta família o leitor é transportado para a vida dos coreanos em terras japonesas, onde o preconceito é enorme. Com a família de Sunja, acompanha-se não só as dificuldades de trabalho, mas a discriminação e a pobreza, como também o impacto da segunda guerra na vida destas pessoas, o sonho de voltar para uma Coreia agora dividida e que se torna mortal em alguns casos, a dificuldade de realizar ações simples, e o fato de mesmo as crianças nascendo no Japão serem considerados eternamente estrangeiros.

A escrita de Min Jin Lee nos transporta para diferentes cidades, é possível sentir o cheiro da comida e os barulhos a volta, compartilhar as dores de mulheres humildes que batalham todos os dias, aprender sobre uma cultura tão diferente da nossa, assim como sentir a humilhação dos jovens pelo bullying sofrido e a falta de boas oportunidades, pois facilmente os coreanos eram chamados de sujos e bandidos pelos japoneses.

Na verdade, queria uma vida muito simples, repleta de natureza, livros e quem sabe filhos.

Sobre o título, Pachinko se refere aos salões com máquinas de mesmo nome, elas são uma espécie de caça-níquel, onde o jogador deve disparar bolinhas de metal que passam por alavancas e pinos, rendendo mais bolinhas - e dinheiro - para quem tiver sorte de vencer. Estes salões foram a opção de trabalho para muitos zainichi - imigrantes coreanos com residência permanente no Japão - que isolados pelo preconceito não conseguiram atuar nas áreas para quais estudaram.

Finalizei a leitura com uma sensação de satisfação após uma escrita muito fluída que me transportou para outra realidade, ao mesmo tempo que me entristeceu ao concluir como é geral e egoísta esta necessidade do Homem se sentir superior aos demais, atribuindo motivos para justificar o injustificável.


Pachinko
Min Jin Lee
Tradução: Marina Vargas
intrínseca
2017 - 528 páginas

Procurando mais livros de literatura coreana? Veja a nossa resenha sobre O Bom Filho.