terça-feira, 3 de novembro de 2020

Pachinko



Sinopse: No início dos anos 1900, a adolescente Sunja, filha adorada de um pescador aleijado, apaixona-se perdidamente por um forasteiro rico que frequenta a costa perto de sua casa, na Coreia. O gângster cuja fala emula um sotaque japonês e cujas roupas se distinguem das de todos na região promete a ela o mundo. Então Sunja engravida e descobre que ele já é casado. A jovem se recusa a ser comprada como amante, e sua vergonha e desonra em dar à luz uma criança fora do matrimônio se amainam no último minuto, com o pedido de casamento de um pastor religioso que está de passagem pelo vilarejo, rumo ao Japão. A decisão de abandonar o lar e rejeitar o homem poderoso de quem engravidou dá início a uma saga dramática que se desdobrará ao longo de gerações por quase cem anos, acompanhando os destinos daquela criança ilegítima gerada na Coreia e de seu futuro irmão, filho do pastor.

A edição de outubro/2020 do clube intrínsecos é da autora coreana Min Jin Lee, que após pesquisas e com muita sensibilidade conta a história de imigrantes coreanos em terras japonesas no livro que chamou de Pachinko. Sobre o mimo, é uma bolsa porta-livro que lembra a ilha de origem de Sunja.

Aquele desgraçado do Hirohito se apoderou de nosso país, roubou as melhores terras, o arroz, o peixe, e agora está levando nossos jovens.

Narrado em terceira pessoa, a história possui 3 partes, começando no ano de 1910 na cidade de Yeongdon, em Busan na Coreia, finalizando em 1989 em Tóquio, capital do Japão.

Na primeira parte conhecemos um casal que decidem receber hóspedes na casa que alugam para ganhar um dinheiro extra. Trabalhadores que sabiam administrar o pouco que tinham, logo receberam atenção da casamenteira local, pois mesmo que seu único filho, Hoonie, fosse aleijado, suas poses atrairiam alguma família.

Nenhum homem normal ia querer criar o filho de outro homem, a menos que seja um anjo ou um tolo.

E assim Hoonie, com 27 anos, desposou a jovem Yangjin, de apenas 15 anos. Eles aprendem a administrar a pequena hospedaria, enquanto perdem bebês, mas uma resiste, e a menina recebe o nome de Sunja. O casal cria a filha com muito amor e cuidado, até Hoonie perder a luta para a tuberculose.

Ambas as mulheres são muito trabalhadoras e mantém a hospedaria, mas o destino de Sunja muda ao ser assediada por um grupo de rapazes ao sair do mercado, salva por um rico negociante chamado Koh Hansu, logo eles passam a se encontrar. Encantado pela juventude da moça, ele a seduz e ela fica grávida. Mas ao descobrir que ele é casado, Sunja se afasta.

Como vou encarar esses homens novamente, toda vez que sair na rua, sabendo que duas mulheres estúpidas pagaram minhas dívidas?

A solução para a sua honra acaba sendo um jovem pastor hospedado em sua casa, de saúde frágil, ele lhe propõe casamento exigindo apenas duas coisas em troca: que ela aceite Deus e se mude com ele para o Japão.

Em Osaka o leitor vai conhecer, junto com Sunja, o irmão e a cunhada de seu marido Isak: Yoseb e Kyunghee. Yoseb ao mesmo tempo que é generoso com a família e muito trabalhador, também é extremamente machista. Kyunghee é admirada por sua beleza, mas carrega uma tristeza por não ter filhos, o que faz amar as crianças de Sunja.

As outras crianças eram implacáveis, mas Noa não se metia em brigas.

Seus filhos Noa e Mozasu crescem em meio a diferenças, enfrentando as situações cada um à sua maneira, Noa se esforça e estuda para ser o melhor, Mazasu utiliza a força para ganhar respeito. Não é fácil ser um estudante coreano em uma escola japonesa, nem todos aguentam a pressão dos seus colegas, abandonar tudo muitas vezes é menos doloroso que se entregar cedo ao trabalho.

O reflexo disso tudo irá se apresentar na vida adulta dos dois rapazes, em como cada um enfrentará os próprios obstáculos, momento que a autora aproveita para mostrar a questão de casamentos entre japoneses e coreanos, além do desejo de se tornar um japonês para ter as mesmas oportunidades.

Um dia, tio Yoseb dizia, eles iam voltar para a Coreia. Noa imaginava que a vida seria melhor lá.

Ao acompanhar as mudanças desta família o leitor é transportado para a vida dos coreanos em terras japonesas, onde o preconceito é enorme. Com a família de Sunja, acompanha-se não só as dificuldades de trabalho, mas a discriminação e a pobreza, como também o impacto da segunda guerra na vida destas pessoas, o sonho de voltar para uma Coreia agora dividida e que se torna mortal em alguns casos, a dificuldade de realizar ações simples, e o fato de mesmo as crianças nascendo no Japão serem considerados eternamente estrangeiros.

A escrita de Min Jin Lee nos transporta para diferentes cidades, é possível sentir o cheiro da comida e os barulhos a volta, compartilhar as dores de mulheres humildes que batalham todos os dias, aprender sobre uma cultura tão diferente da nossa, assim como sentir a humilhação dos jovens pelo bullying sofrido e a falta de boas oportunidades, pois facilmente os coreanos eram chamados de sujos e bandidos pelos japoneses.

Na verdade, queria uma vida muito simples, repleta de natureza, livros e quem sabe filhos.

Sobre o título, Pachinko se refere aos salões com máquinas de mesmo nome, elas são uma espécie de caça-níquel, onde o jogador deve disparar bolinhas de metal que passam por alavancas e pinos, rendendo mais bolinhas - e dinheiro - para quem tiver sorte de vencer. Estes salões foram a opção de trabalho para muitos zainichi - imigrantes coreanos com residência permanente no Japão - que isolados pelo preconceito não conseguiram atuar nas áreas para quais estudaram.

Finalizei a leitura com uma sensação de satisfação após uma escrita muito fluída que me transportou para outra realidade, ao mesmo tempo que me entristeceu ao concluir como é geral e egoísta esta necessidade do Homem se sentir superior aos demais, atribuindo motivos para justificar o injustificável.


Pachinko
Min Jin Lee
Tradução: Marina Vargas
intrínseca
2017 - 528 páginas

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