Sinopse: Minha vida de rata acompanha Violet Rue Kerrigan, uma jovem que rememora seu passado após ter sido expulsa da família, aos 12 anos. Chocante e mordaz, o livro mostra como ser banida não apenas de sua família, mas também de sua comunidade - parentes, vizinhos e igreja -, força Violet a descobrir a própria identidade e a romper a poderosa ilusão do significado de família, emergindo de seu longo exílio como "rata" para uma vida transformada.
A escritora Luisa Geisler indicou para o mês de outubro/2020 um livro traduzido por ela para a TAG Curadoria. Minha vida de Rato foi lançado no ano passado e é da escritora americana Joyce Carol Oates, uma jovem mulher já na casa dos oitenta anos cuja escrita nesta história mistura vários temas atuais, que vão muito além do racismo, que foi o mais explorado na revista da TAG. O brinde desta caixa foram três sabonetes com aroma da flor violeta.
O que serve de aviso para os mais desavisados, há muita violência contra a mulher nesta história, desde abuso de jovens meninas, até relacionamentos onde o machismo impera, com violência física e psicológica, o que pode tornar a leitura bastante incômoda para quem já passou por situação simular, os chamados gatilhos.
Não parecia haver um equivalente masculino para fazendo um show, desfilando.
Para falar deste livro, vou precisar fugir da superficialidade, citando mais da história do que normalmente costumo abordar. Então para quem não gosta de nenhum detalhe a mais antes de ler, recomendo parar a leitura desta resenha neste momento. Caso contrário, vamos lá.
Narrado em primeira pessoa por Violet Rue Kerrigan, o livro é dividido em três partes, tantos as partes quanto os capítulos possuem seus próprios títulos. Acompanhamos Violet dos doze anos até os seus quase trinta anos.
Disciplinar os filhos. Simplesmente o que um bom pai responsável fazia, demonstração de amor.
Na primeira parte somos apresentados a família de origem irlandesa Kerrigan, pai, mãe e seus sete filhos. Violet é a caçula e se sente a filha favorita do papai, um homem machista que não deve ser contrariado. Em casa, todos falam com cuidado com este homem que já foi para uma guerra, e hoje muitas vezes chega bêbado. Sinônimo de força, ele é a referência e o que desperta respeito entre seus filhos, eco não encontrado na relação com a mãe.
Os dois irmãos mais velhos de Violet possuem um sério desvio de caráter. Mas seus pais os defendem com unhas e dentes, pois acreditam na unidade da família e que esses laços exigem fidelidade e proteção por parte de todos. E isso é o que muda o destino de Violet, como a sinopse nos avisa. É a menina, se achando esperta e espiando os irmãos, que vê, sem saber, os primeiros indícios do crime cometido pelos seus irmãos contra um jovem atleta negro.
Não tem "garotas boas", só porcas de raças diferentes.
Enquanto a comunidade entra na discussão de um ataque a meninos brancos, um de seus irmãos, sabendo que ela tinha conhecimento de que eles haviam cometido o crime, tenta assassina-la, e com isso Violet acaba contando a estranhos tudo o que sabe. O resultado é a prisão dos rapazes e sua expulsão da família. Pois assassinar estranhos pode, tentar matar a irmã também, mas revelar isso aos outros, nunca.
Na minha opinião a primeira parte é a mais bem escrita do livro, você se sente dentro da casa de Violet, a tensão que todos eles sentem em relação ao pai, o funcionamento da escola, as relações com as demais pessoas, a injustiça em relação aos mais fracos. Existe um equilíbrio entre tudo, que te faz sentir as dores, se indignar com cada ação, ao mesmo tempo que fica muito claro todos os motivos pelo medo de Violet ser real e não haver sombra de dúvidas nenhuma em relação ao que os seus irmãos fazem.
Quando se trata de família, é melhor não pensar nada. Melhor...não pensar.
A segunda parte também é forte, mas é onde eu comecei a realizar vários questionamentos em relação aos fatos apresentados, e no meu caso comecei a questionar o caminho da história, o que pra mim atrapalhou a leitura.
Violet é adotada pelos tios, que moram em outra cidade, sendo a tia irmã de sua mãe. Eles não possuem filhos, e existe um carinho e um cuidado em sua chegada, principalmente pela menina não ser mais desejada pela própria família. Violet tem acompanhamento de uma assistente social e é matriculada em uma escola, mas apesar de ter risco de morte, seu nome não é alterado, o que possibilita qualquer um pesquisar a sua história. E este foi o meu primeiro questionamento: se existia risco de o irmão ir atrás dela, e a história já ocorre nos anos de 1990, o mínimo não seria ela receber o sobrenome dos tios que a adotaram? Eu não sei a resposta, apenas a dúvida.
Garotas não têm "aptidão natural" para matemática. Não há motivo algum para garotas saberem matemática.
O interessante aqui nesta segunda parte é que ela não tem confiança em ninguém, não retribuindo nem abraços da tia, ao mesmo tempo ela dorme em qualquer lugar e horário, o que demonstra que ela precisa de cuidados extras, sendo no mínimo necessário um acompanhamento psicológico para Violet. Mas ela não tem isso. Mas curiosamente ela aceita se tornar marionete de um professor, ao qual ela enxerga uma espécie de poder, como se fosse uma transferência da visão que ela tinha do pai para este homem.
Este homem é o personagem Sandman - o homem de areia que também dá nome a uma multipremiada série de história em quadrinhos para adultos -, na história de Joyce é um solteirão, que vive em uma boa casa, um professor rigoroso e que revela a Violet a sua simpatia pelo regime nazista e a pureza ariana, demonstrando assim o seu preconceito contra pessoas de etnias diferentes, ao mesmo tempo que a condena o fato da menina ter denunciado os irmãos.
Para fazer a escolha certa da mesma maneira como fazia uma cama - metodicamente, perfeitamente, todas as dobras alisadas.
Extremamente machista, convence as meninas que elas precisam de aula de reforço, as mais ingênuas são convencidas a acompanha-lo. As mais espertas o abandonam, as que possuem medo aceitam o convite de ir até a sua casa e através de uma espécie de boa noite cinderela, ele abusa das mesmas. Outra vez é Violet que irá abrir esta caixa de pandora para a polícia, embora de forma involuntária, quando se vê novamente em uma quase morte.
Nesta parte uma coisa me incomodou, que foi a desconstrução dos tios. Tia Irmã demonstra ser bem diferente da mãe de Violet, alguém que tenta se aproximar e dar afeto a menina, que se afasta, e quando a personagem demostra ter mais força e ser diferente, em meia página ela desconstrói toda a personagem criada até ali.
O objetivo é me manter viva.
E então chegamos a terceira parte, onde Violet já mora sozinha, ganhou e desperdiçou uma bolsa de estudo na universidade se mudando de cidade, movida pela vergonha de reencontrar colegas da última escola, e agora trabalha como empregada doméstica. Aqui ela conhece Metti, um homem na casa dos quarenta anos, elegante e rico, ao qual ela se envolve e acaba tendo um relacionamento doentio, onde o homem a princípio educado se torna machista, preconceituoso e violento. Neste ponto o que me fez desgostar da leitura foi o sentimento que tudo o que Violet já viveu não serviu de aprendizado tendo como justificativa uma espécie de paixão.
Durante toda a história os homens com os quais ela convive possuem um mesmo perfil, generalizando todos os homens brancos como machistas e violentos, talvez possa se justificar pela busca do pai, ao qual ela deseja perdão por ter denunciado os irmãos, motivo pelo qual ela mesma se chama de rata, termo que no Brasil seria o famoso X9. Em paralelo, ela passa enviando dinheiro para a família da vítima de seus irmãos, como se ao denunciá-los e assim "sujar" o nome da sua família, ela também fosse culpada pelo assassinato, demonstrando uma dubiedade de sentimentos da personagem.
Buscando no seu rosto, esperando não ver aquilo que teme ver, que você está escondendo dela.
Em Minha vida de rata as descrições, assim como os diálogos são muito fortes, pois a heroína da história literalmente vive aquela frase desgraça pouca é bobagem. E talvez por tanto peso nos ombros de um único personagem, que ao mesmo tempo tem uma série de oportunidades para mudar o rumo da sua vida, parece as vezes forçar o tom para em uma única narrativa abordar tudo o que há de pior em relacionamentos familiares e entre homem e mulher.
Digo forçar por já ter lido outras histórias bastante duras, como o fantástico As Alegrias da Maternidade, onde a sequência possui uma naturalidade, e mesmo em meio a dor, há uma luta da personagem, algo que em nenhum momento vi em Violet. Me passando a ideia de que ela nunca seria feliz, sendo uma eterna vítima dos outros e dela mesma.
Minha vida de rata
My life as a rat
Joyce Carol Oates
Tradução: Luisa Geisler
TAG - Harper Collins
2019 - 382 páginas
Outras resenhas de livros que abordam machismo e/ou violência contra a mulher:
Tudo de bom vai acontecer
As Alegrias da Maternidade
A Única Mulher
A terceira vida de Grange Copeland
As Garotas Madalenas
Eu sei por que o pássaro canta na gaiola
A Praça do Diamante
Escuridão Total sem Estrelas
(Sobre)Viver
Os homens que não amavam as mulheres
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