segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Ilha sob o mar

(Isabel Allende)

Para quem estuda literatura e, principalmente, prepara-se para ensiná-la, há uma pergunta inquietante com a qual sempre nos deparamos: para que mesmo serve a literatura?

Há várias possibilidades de resposta, que passam pela fruição estética, pela definição de arte, cultura, pedagogia, enfim, uma gama de possibilidades. Mas, sendo este um blog destinado a apreciar de forma crítica a leitura de obras, talvez não pareça o lugar mais perfeitamente adequado para se fazer essa discussão, pois os autores deste mural virtual estão para lá de convencidos acerca da importância da literatura.

Entretanto, insisto, aqui está o ponto chave da questão: quem me deu a resposta que eu procurava foi um livro da Isabel Allende, chamado “A Ilha sob o mar”. Nessa obra, a autora narra a história... Não, não. Narrar não seria a palavra correta. Isabel Allende conseguiu, magistralmente, levar-me pela mão a um país distante, chamado Saint-Domingue, e fazer-me viver a realidade de um lugar em que, numa época também distante, a luta racial foi sangrenta. A autora fez com que eu me comovesse e “co-movesse” (no sentido de me mover junto) àquela personagem chamada Zarité, que teve de entregar um de seus filhos, que foi submetida às vontades sexuais de seu patrão, que viveu movimentos revolucionários, que fugiu, que teve coragem, que se apaixonou. Com as palavras de Allende, Zarité não foi para mim apenas um dado estatístico ou uma informação histórica a respeito da escravidão. Ela foi uma mulher como eu, que sofreu tanto quanto eu poderia ter sofrido, que esteve em lugares onde eu poderia ter estado. Ela teve vida, ao longo daquelas quatrocentas e tantas páginas.

Aí reside, exatamente, a resposta para minha pergunta. A literatura fez-me conhecer de maneira profunda uma realidade que, embora seja ficcional, não existia para mim até então. Os livros de História já haviam me ensinado o que foi a escravidão, e o quanto ela foi horrível. Mas com a literatura, eu pude reviver essa realidade, fazer parte dela, e não apenas conhecê-la de forma superficial. E viver outros mundos aos quais não pertencemos, seja por motivos espaciais ou temporais, disso só a literatura é capaz.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

As coisas que a vida esqueceu de me ensinar

Com frases do tipo “A atitude mais eficaz que podemos ter é a de esperar o momento certo de agir”, “Precisamos tomar muito cuidado com a semente que plantamos no decorrer de nossas vidas” e “Pior do que perder é deixar de ganhar” me fizeram ao finalizar a leitura retornar a página de dados do livro para verificar se o tipo não era auto-ajuda, mas ele realmente é categorizado como romance.

Dividido em dez partes, Thiago Mendes narra a história de Dináh, que no seu vigésimo sétimo aniversário conhece um rapaz, após o encontro ela inicia uma busca aos sinais do universo, ao mesmo tempo em que pensa no seu retorno a cidade de origem e relê cartas trocadas com um rapaz que conheceu na sua festa de quinze anos.

Conforme a personagem busca por seus sinais, ela vai tendo conversas com pessoas envolvidas com dança, teatro e literatura, onde o tema Deus é recorrente. Em alguns momentos a forma como os diálogos são encaixados lembram as situações comuns que geram as explicações no livro “O Mundo De Sofia”, só que sem a riqueza filosófica deste último, visto que a busca de Dináh é muito mais por um amor do que por conhecimento.

Além disso, existe um misterioso “f” que aparece após algumas frases, mas que não é a inicial de nenhum personagem, onde só encontrei no nome da editora: R & F. Esse acabou sendo o grande suspense não respondido pra mim, sobre quem é f.

Não sei se li este livro numa fase insensível, ou a sequência de leituras anteriores afetou a minha percepção sobre a história, mas a verdade é que achei a mesma imatura e chata. Um mini livro de auto-ajuda que mistura assuntos conhecidos com a busca pelo príncipe encantado.

Existem algumas cenas interessantes, como quando a personagem se banha nua em praça pública durante a noite, assistida apenas pela lua. Mas isso não é suficiente para a releitura para mim. A idéia em si de As coisas que a vida esqueceu de me ensinar, comprovada pelo final dado, poderiam ser surpreender o leitor, se a forma narrada fosse outra.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Contos de Fantasmas


Daniel Defoe nasceu em Londres em 1660 e até a data de sua morte, em 1731, escreveu muitas publicações. Dentre as mais famosas estão As aventuras de Robinson Crusoé, Venturas e desventuras da famosa Moll Flandres e o jornal The Review, onde publicou as histórias compiladas depois em Contos de Fantasmas (li a edição da L&PM, 2009). Curiosamente, as histórias partiram de relatos e entrevistas. Saber disto faz diferença quando se lê contos como A aparição da senhora Veal, O eclesiástico e o testamento perdido ou qualquer das outras cinco histórias que compõe a primeira parte do livro. Todas cheias de mistérios e aparições de espíritos, narradas de forma quase jornalística, com descrição minuciosa dos fatos e com detalhes da conduta das fontes, que serve para enfatizar a veracidade dos relatos. 

Além destes, mais cinco contos sob o título de Fantasmas falsos e aventuras divertidas, se encarregam de fazer o balanço entre o que não se consegue justificar e o que se sabe ter sido uma armação. Narram de forma dinâmica e divertida, histórias envolvendo falsas aparições. O que não falta é gente impressionada e temente ao diabo. Dentre estes, destaca-se o último conto: O adivinho na feira de Bristol, que conta a história de um charlatão que amedronta um rapaz para que este se convença de que deve se casar com a mocinha que engravidou.

Sozinho, apenas com a luz de uma pequena luminária e a mercê dos estalos de madeira comuns na madrugada, Contos de Fantasmas assusta. Para os impressionados, uma leitura rica em detalhes e muito condizente com as narrativas que se escuta sobre assombrações. Para os descrentes, uma excelente forma de analisar o comportamento humano frente ao desconhecido, especialmente nos contos falsos, onde vemos pessoas se deixarem enganar vítimas do medo.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Senhor das Moscas

Durante uma das guerras mundiais, um avião cheio de meninos, nas mais diversas faixas etárias, cai em uma ilha, deixando-os sem nenhuma supervisão adulta, onde a liderança é definida graças a uma concha.

Logo no primeiro capítulo é possível diferenciar as personalidades dos líderes, assim como preconceito e deboche com aqueles que são diferentes, seja por serem muito jovens, seja por serem gordos.

Mesmo assim, inicialmente, existe uma união, onde a ordem ocorre através do som de uma concha, só que conforme o tempo passa, ego e ambições se ampliam, assim como a maldade que busca suas vítimas para sentenças eternas.

De forma simples e direta, Willian Golding mostra em “O Senhor das Moscas” a natureza selvagem da personalidade humana ainda na chamada idade da inocência. Assustador e envolvente, o livro capta a nossa percepção e provoca por não haver como impor limites.

Os personagens de Golding despertam diferentes sentimentos no leitor no decorrer da narrativa. Um dos exemplos é um menino chamado de Porquinho, que passa de coitado para manipulador até ser vítima do seu maior algoz.

Ao fechar o livro, me lembrei de um texto lido há um tempo, afirmando que a personalidade é formada até os três anos. Ao ler sobre meninos arrumados que se transformam em monstros que caçam sem piedade suas vítimas (estes ainda sonhando com a civilização e desejando a ordem de antes), concordei com a contra-capa sobre o romance “O Senhor das Moscas” ser uma mistura de análise da psicologia infanto-juvenil com os fundamentos da análise e do poder. Eu também ousaria dizer que é uma análise da falta de limites, no que uma pessoa pode se transformar quando nada nem ninguém indicam onde termina os seus direitos e começam os seus deveres.