terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Mama



Sinopse: conheça Mildren Peacock: mãe, durona, engraçada e combativa que vive numa pequena cidade do Michigan, nos Estados Unidos. Uma sobrevivente que vai se desdobrar para manter a família unida. Neste romance, comparado ao aclamado A cor púrpura de Alice Walker, Terry McMillan narra a vida de uma mulher negra e seus cinco filhos com honestidade e potência dignas de uma obra-prima da literatura contemporânea.

E a minha assinatura da TAG Curadoria iniciou o ano com uma indicação do escritor Itamar Vieira Junior, e assim janeiro/2023 trouxe na minha caixinha o livro Mama da norte-americana Terry McMillan. O mimo foi um planner que tem cara de caderno, já que não possui divisão nenhuma. 

Uma curiosidade neste caso é que o livro foi totalmente pela TAG, não tendo parceria com outras editoras.

Mildren tem 27 anos, cinco filhos em idade escolar, sustenta a casa e apanha do marido bêbado chamado Crook. Um tipo ciumento que não aceita que a esposa chame a atenção, mas que também não abre mão de passar algumas noites na casa da amante de longa data.

Odiava aquela casa caindo aos pedaços, odiava aquela cidade horrenda, odiava nunca ter o suficiente de nada.


Enquanto Mildren se vira atrás de dinheiro e vai ajustando a vida amorosa, Freda cuida dos irmãos mais novos enquanto segue se dedicando aos estudos, amadurecendo rapidamente para os seus dez anos.

Tudo isso no período dos anos de 1960, quando a concorrência na produção de veículos torna a vida dos moradores da fictícia Point Haven mais difícil com as frequentes demissões e a dependência da assistência social.

Não são seus filhos, desgraçado. São meus. Talvez tenham seu sangue, mas são meus.


Convidando o leitor há não só acompanhar o crescimento das cinco crianças e da agitada vida amorosa de Mildren, como também o declínio econômico de Detroit e os anseios de toda uma época.


A escrita de Terry McMillan


Utilizando a narrativa em terceira pessoa, a autora Terry McMillan não precisou separar em partes ou até mesmo sinalizar no início de cada capítulo o ano e a cidade em que os Peacock estavam.

Sua escrita direta, franca, fluída faz isso sozinha. E assim assistimos pelas palavras as crianças crescerem, escolherem os seus caminhos e assim cometerem seus próprios acertos e erros. Enquanto Mildren se ver com novas indagações e sentimentos quando vê um por um deles tomarem as rédeas da própria vida.

Lavou os olhos inchados e decidiu que seria a última vez que abriria o coração de um jeito tão ansioso e generoso, só para não sentir mais como se tivesse uma ferida recém-aberta na qual algum homem havia jogado sal.


Aliás, os personagens de Terry McMillan são terrivelmente humanos em seus acertos e erros, e assim eles podem tanto irritar, quanto divertir ou sensibilizar o leitor. Tornando-os muito próximos de quem passa por suas páginas a ponto de provocar encantos e decepções. Provocando o juiz, promotor e defensor que existe dentro de cada um de nós.

E é de forma natural que a narrativa aborda assuntos como violência doméstica, alcoolismo, drogas, sexo, compulsão, depressão, pobreza, racismo, aceitação e, como já indica o título, maternidade.

Não gasta seu tempo ou seu dinheiro com coisas baratas, meu amor, porque vai acabar pagando por tudo duas vezes.


Maternidade que vai do medo da reação da mãe após determinado acontecimento, do respeitar e desafiar, de se ver enlouquecida com cinco filhos até o momento de sofrer com o ninho vazio. Uma maternidade longe dos comerciais de margarina e mais próximas das vielas que toda cidade tem.

Tudo isso em uma família que não diz eu te amo um para os outros, onde não há abraços maternos, mas há fome e superação, há tombos e a mãos para ajudar a levantar, questionando se o amor está nas palavras ou nas atitudes. 

Se um preto está tentando matar outro, os brancos nem ligam.


A escolha do fundo histórico para a história da família também torna a narrativa interessante, já que conta um pouco do que acontecia não só com a sociedade americana no período, mas também com as mudanças econômicas na indústria do país, além de abordar questões como o funcionamento da assistência social e a vida em comunidade.


O que eu achei de Mama


Mildren e Freda, mãe e a filha mais velha, foram personagens que ao mesmo tempo que me irritaram, me envolveram, com direito a torcida e vontade de entrar no livro e dar uma sacudida nas duas inúmeras vezes.

Principalmente quando elas têm tudo para se estabilizarem na vida, mas optam em ceder as suas compulsões, seja pela bebida, sejam pelas compras. Assim como a repetição de ciclos, que parecem loops eternos que ecoam de mãe para filha, me trazendo a mente a frase como os nossos pais.

Durante muito tempo me preocupei em passar pelas mudanças da vida. Então, quando vi, já tinha passado por elas.


Tornando a história as vezes familiar por lembrar aquela conhecida ou parente nem sempre distante de comportamento tão semelhante. Lembrando que algumas ações e reações as vezes independem de raça, classe social e estudo. Pois a repetição de atos maternos e paternos não são incomuns, muito pelo contrário, já que normalmente são os pais os primeiros e grandes exemplos.

E todo este conjunto fez com que a história ficasse ecoando na minha cabeça, com várias perguntas e reflexões, como o fato de até que ponto a sociedade pesa no nosso comportamento? Por que tantos não resistem em quebrar o que as vezes é tão negativamente esperado? Como não repetir ações dos nossos pais quando elas não são boas para nós? Entre tantas outras que seguem pipocando na minha mente enquanto escrevo esta resenha.

Por alguma razão, naquele momento, tudo parecia tão simples. Percebeu que tinha um monte de coisas para agradecer.


Motivo pelo qual eu naturalmente recomendo a leitura. Para que você também possa se divertir, sofrer, se irritar e ter vontade de abraçar a família Peacock.


Mama
Terry McMillan
Tradução: Petê Rissatti
TAG - Experiências Literárias
1987 - 287 páginas

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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Sejamos todos feministas



Sinopse: A autora deste livro, Chimamanda Ngozi Adichie, é escritora e feminista. Mas, afinal, o que é ser feminista? Quando ouviu essa palavra pela primeira vez, Chimamanda ainda era criança e morava na Nigéria, país em que nasceu. Desde então, ela pensou muito sobre o termo ― e sobre os direitos das mulheres no mundo. Anos mais tarde, ela compartilhou suas reflexões sobre igualdade a todos, homens e mulheres, e você as encontra neste livro. E agora é a sua vez de refletir sobre o assunto também!

O que é ser Feminista? Conforme o dicionário é relativo ou pertencente ao feminismo. E não raro se tem uma visão distorcida do seu significado, algumas vezes acompanhado de deboche, outras com uma expressão de medo, como se o feminismo fosse algo perigoso.

Por este motivo gostei muito do rápido, objetivo, direto e bem escrito Sejamos todos feministas da escritora Chimamanda Ngozi Adichie, cuja leitura pode ser realizada tanto por pré-adolescentes quanto adultos de todas as idades.

"Sabe de uma coisa? Você é feminista!" Não era um elogio.


O livro, que é curtinho, é uma versão modificada de uma palestra dada pela autora no TEDxEuston em 2012, cujo foco era a África. Decidida a tocar em um assunto ao qual ela acredita ser necessário ter mais diálogo, acabou encontrando bons ouvidos na plateia. E essa boa aceitação trouxe as palavras daquele dia para um livro.

E por ser baseado em uma palestra, Sejamos todos feministas é totalmente baseado nas experiências pessoais de Chimamanda Ngozi Adichie. Da primeira vez que foi chamada de feminista aos quatorze anos, e não de forma elogiosa.

Se só os homens ocupam cargos de chefia nas empresas, começamos a achar "normal" que esses cargos de chefia só sejam ocupados por homens.


Do conselho que recebeu de um jornalista - Homem - de nunca se intitular feminista, já que estas são mulheres infelizes que não conseguem arranjar marido. Uma frase que parece do período medieval, mas é de 2003.

Ou uma professora universitária nigeriana afirmar para a escritora que o feminismo não fazia parte da cultura africana, e que a escritora havia sido corrompida pelos livros ocidentais.

Tanto um homem como uma mulher podem ser inteligentes, inovadores, criativos. Nós evoluímos. Mas nossas ideias de gênero ainda deixam a desejar.


E naturalmente temos os exemplos práticos, como quando a escritora tirou a nota mais alta de sua turma escolar, mas não foi escolhida para ser monitora pela professora por ser menina.

Ou quando ela deu uma gorjeta para um rapaz que ajudou a estacionar o carro, mas quem recebeu o agradecimento foi o amigo homem que estava junto.

Perdemos muito tempo ensinando as meninas a se preocupar com o que os meninos pensam delas. Mas o oposto não acontece.


Ir sozinha em bares em Lagos, na Nigéria? Fora de cogitação, é necessário ter um homem acompanhando ou não entra no recinto.

Assim como questionamentos óbvios, como pode 52% da população mundial ser feminina e a maior parte dos cargos serem ocupados por homens? Por que pessoas de gêneros diferentes ocupando exatamente o mesmo cargo possuem diferenças salariais?

O modo como criamos nossos filhos homens é nocivo: nossa definição de masculinidade é muito estreita.


No cotidiano, o fato de muitas vezes os garçons darem a sua atenção ao homem, como se ele tivesse o poder de decisão sobre as escolhas da mulher. O fato de homens acharem que mulheres não podem expressar a sua raiva. Ou de muitas vezes assistirem um homem emitirem a mesma opinião ou ideia depois de uma mulher já há ter pronunciado, mas são eles os elogiados.

Naturalmente no Brasil as mulheres não possuem tantas restrições quanto as que vivem na Nigéria, mas não é difícil identificar pontos em comum. 

Ensinamos que, nos relacionamentos, é a mulher quem deve abrir mão das coisas.


E não estamos falando em odiar homens, queimar sutiã, ou deixar de se depilar. E sim de ter as opiniões levadas em conta, de sermos respeitadas em todos os lugares, de ocuparmos o nosso lugar no mundo.

E assim concordo muito com a autora quando ela cita a criação dos filhos, principalmente os meninos, já que muitas mulheres reproduzem em casa o machismo nas atitudes e nas falas, ensinando desde cedo que a mulher é uma cidadã de segunda classe, que um homem não pode ter fraquezas, sendo sempre fortes.

Seríamos bem mais felizes, mais livres para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas do gênero.


O que leva à conclusão de que não apenas mulheres devem ser feministas, mas também os homens, de todas as idades. Pois só assim irá se conquistar uma igualdade não só nos ambientes de trabalho, mas de respeito em qualquer esquina que uma mulher desejar ir.

Sejamos todos feministas para assim se ter um mundo melhor, e só por esta razão o livro da Chimamanda merece mais do que a sua leitura, mas a sua atenção e a empatia de se colocar no lugar de cada mulher.


Sejamos todos feministas
Chimamanda Ngozi Adichie
Tradução: Christina Baum
Companhia das Letras
2014 - 87 páginas


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Escritos Negros: Textos Contemporâneos



Sinopse: Nesta coletânea inédita, seis autores bastante diferentes entre si - compondo um mosaico de temas e nacionalidades - debatem sobre a literatura e derivados no mundo contemporâneo.

Recebi Escritos Negros como mimo na minha assinatura da TAG, como na época tinha assinatura das duas caixas oferecidas por eles, também recebi Uma outra história, que está na famosa pilha de livros a serem lidos.

A primeira coisa a ser dita sobre Escritos Negros: Textos Contemporâneos é que ele não tem um gênero definido. Pois há desde uma conversa transcrita, passando por um conto até os motivos que levaram a ser escritor. Tornando o pequeno livro grande em suas múltiplas faces.

No Brasil, há uma ideologia literária da cor, que incide sobre aquilo que consideramos boa ficção.


Quem abre é Luiz Mauricio Azevedo com o texto As cores da fé, onde ele propõe a discussão sobre a ideologia literária da cor e o fato do que é considerado boa ficção girar em torno da Europa.

E com isso a pouco espaço para os autores negros, onde grandes escritores não possuem seu nome na história literária brasileira, sendo relegados a um segundo plano e dificilmente tendo seus livros entre as leituras obrigatórias de formação.

A leitura foi e continua a ser uma excelente aliada, uma companhia leal a qualquer hora do dia.


A seguir vem o texto sobre a identidade e memória da afro-cubana através da escrita da entre muitas coisas poeta cubana Teresa Cárdenas Angulo, que compartilha não só o seu fascínio pelos livros e as sensações que teve ao aprender ler, até o seu questionamento de onde estavam as garotas negras iguais a ela nas páginas que virava. O que influenciou não só na sua escrita como no encontro da escrita com outras grandes escritoras como Carolina Maria de Jesus e Toni Morrison.

Na sequência tem o conto Filsan da escritora africana Nadifa Mohamed, que já apareceu por aqui com o seu ótimo Menino mamba negra. O texto foi originalmente publicado na revista britânica Granta em 2013 e conta a história da soldada Filsan, que através da sua rotina e questionamentos conduz o leitor as próprias reflexões. 

Filsan ignora suas companheiras assim como a ignoram, mas o que diria a elas se pudesse?


Com a pergunta O que quer um romancista negro, o autor brasileiro Jeferson Tenório faz suas próprias confissões através de várias outras perguntas e respostas pessoais, sobre como sobreviver era a sua prioridade antes de pensar em ser escritor, e o fato de ter sido um leitor tardio ao só ler um livro completo aos 22 anos de idade. Aqui escrita, referências e vivências se misturam em um verdadeiro bate-papo com o leitor.

Outros autores que se fazem presente em uma conversa que envolve a arte e estética negra, e muito mais, são Allan da Rosa e Marcelo D'Salete. Da estética que chama a sensibilidade, das variedades de formas como cada coisa pode ser dita, passando pelas referências literárias - onde novamente aparece a Toni Morrison -, da iniciação no mundo das letras, tudo com as vivências e opiniões dos escritores.

Um romancista quer escrever antes de mais nada. Quer contar uma história.


Quem encerra é a escritora Cidinha da Silva que conta como se tornou escritora, desde as inspirações que vieram de casa com o hábito de contarem histórias, o aprender a ler, as referências que a inspiram e questionamentos sobre as cobranças aos autores negros, além é claro de uma série de referências de autores negros de diferentes regiões.

No final do livro há uma área chamada Saiba mais que faz uma rápida apresentação das pessoas citadas nos textos, auxiliando o leitor a se situar sobre quem é o que dentro de cada contexto.


O que eu achei de Escritos Negros: Textos Contemporâneos

Com exceção do ótimo conto Filsan da autora Nadifa Mohamed, todos os demais textos são de experiências pessoais, o que pode atrair tanto quem deseja conhecer mais dos autores como para quem busca referência de escrita, já que a profissão autor é a base de quase todos.

Eu boto fé que é a estética que nos magnetiza para as obras, é a sensibilidade que nos abre.


O livro pode ser uma grande inspiração para quem deseja tornar a escrita profissão, principalmente para jovens negros que buscam se espelhar em escritores contemporâneos, sejam os que buscam seguir na mesma profissão, seja quem apenas deseja encontrar não só personagens fisicamente parecidos consigo nos livros que forem ler, mas também narrativas próximas da sua realidade.

Era hábito de meus pais, desde que nós éramos muito novos, contar as histórias que haviam vivenciado, as experiências familiares.


Aos leitores gerais é uma oportunidade de conhecer um pouco mais dos escritores, se identificar com alguns na forma como os livros entraram em suas vidas, fazer aumentar aquela lista de livros desejados ou espiar as curiosidades do mundo do mercado literário pela visão de quem fornece o produto.


Escritos Negros: Textos Contemporâneos
Coletânea
TAG - Experiências Literárias
2021 - 143 páginas

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terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Alguém para correr comigo



Sinopse: Dois jovens percorrem as ruas de Jerusalém, seguindo caminhos e propósitos diferentes. Na cidade, encontram organizações clandestinas, criminosos, viciados e outros personagens que nos revelam um submundo desconhecido. Ao longo de uma narrativa ao mesmo tempo perturbadora e delicada, que surpreende o leitor da primeira à última linha, ambos vão descobrir que a curiosidade pelo mundo e o cuidado com as pessoas são a chave de ingresso numa vida adulta desafiadora e apaixonante.

O livro escolhido pela TAG Curadoria para fechar o ano de 2022 foi Alguém para correr comigo, livro do escritor David Grossman, considerado um dos principais nomes da literatura israelense contemporânea. A curadoria foi da escritora Ayelet Gundar-Goshen, que já havia indicado em 2019 o ótimo Êxtase da transformação. O mimo enviado foi um bonito calendário para ser usado no ano de 2023.

Enquanto os pais viajaram para os Estados Unidos para visitar a irmã, Assaf passa as férias em um trabalho temporário na prefeitura. Sua missão no dia é descobrir quem é o dono de um cachorro perdido e cobrar dos donos uma multa.

Ele voa, cruza ruas cheias de tráfego e ultrapassa sinais fechados. Seu pelo amarelo some da vista do jovem e reaparece entre as pernas dos transeuntes, como sinais de um código.


Por desconhecer o responsável pelo animal, é lhe ensinado a tática de deixar o cão escolher o caminho, já que ele tende buscar a própria casa. Mas a tarefa o leva a uma verdade maratona pelas ruas de Jerusalém e ao nome Tamar.

Tamar aproveitou uma viagem dos pais para desistir de uma turnê pela Itália e fugir de casa, passando assim a viver e cantar pelas ruas de Jerusalém. Com o cabelo raspado para não ser reconhecida, busca por alguém que para encontrar, precisa ser convidada a integrar um grupo desconhecido.

Após alguns instantes começou a ofegar intensamente. O coração batia forte, e os pensamentos ruins começaram a girar na sua cabeça.


Sua bela voz logo lhe apresenta o convite e ela passa a morar em um alojamento que abriga os mais diferentes artistas de rua com agendas lotadas e devidamente observados, ficando cada vez mais claro os perigos de ela estar ali e cumprir a sua missão.


A escrita de David Grossman

O autor israelense David Grossman utiliza a narrativa em terceira pessoa para nos contar os caminhos e desvios de dois adolescentes pelas ruas de uma Jerusalém bem diferente do que muitos imaginam.

Sai a parte antiga tão mostrada pela televisão e entra uma área cosmopolita e as várias cidades próximas. Optando em dar apenas uma pincelada na questão dos conflitos que envolvem a região, o escritor que é um ativista pela paz em Israel, em Alguém para correr comigo ele escolheu escutar e contar um pouco sobre os jovens que vivem nas ruas.

A verdade, meu caro, é que não gosto de falar sobre Deus... já não nos damos tão bem como antigamente, Deus e eu. Cada um segue o seu caminho.


E assim temos amores, drogas, sonhos, empatia, disputas, egos, e todo o misto de sentimentos que envolvem o período da adolescência em um livro sem capítulos, apenas 6 partes que possuem títulos como Minha sombra e eu saímos a caminho - o mais longo com mais de cem páginas - e Como um cego, vou à sua procura.

Em cada uma destas partes ele vai não só alternando entre os personagens Assaf e Tamar como em relação ao tempo, esta ida e volta preenchem as lacunas do presente para o leitor, que vai aos poucos construindo a visão completa do todo.

E ela rapidamente se sente como uma pequena folha na água que decidiu ir numa direção diferente de toda a correnteza do rio.


Junto com o romance adolescente entram personagens que dão um ar de fábula a história, como Teodora, a freira guardiã de uma casa para peregrinos de uma ilha que não existe mais. Ou Vitório, o rapaz que sonha com as estrelas e acha que Tamar é cega enquanto outros debocham dos danos de um acidente doméstico.

O elo para tudo isso é um cachorro, ou melhor, uma cadela chamada Dinka, que os faz correr e corre com eles, sendo companheira de Tamar e levando Assaf a conhecer o mundo da menina como ninguém mais o fez.


O que eu achei de Alguém para correr comigo

Como ocorreu em dezembro/2021, quando a TAG Curadoria enviou Nada para ver aqui, o livro que encerra 2022 foi bastante leve, o que o torna bastante agradável para uma leitura de férias.

Ao contar a história de dois jovens de classes sociais distintas, com estruturas familiares bem diferentes, o autor David Grossman consegue escrever um livro sobre adolescentes para adolescentes.

Ela viu a si própria com os olhos dele: uma moça jovem, tarde da noite, no lugar errado.


Mas isso não exclui automaticamente os leitores mais velhos, já que ao abordar todo o psicológico dos 15/16 anos ele pode nos fazer também viajar no tempo e lembrar de como lidávamos com uma série de sentimentos naquele período.

Pois além das buscas físicas, entra a questão da amizade neste período tão confuso, nas ideias que acreditamos e os sonhos que são alimentados em uma idade que tudo parece possível.

Era estranho que, embora na verdade fosse um solitário, jamais tivesse pensado em si mesmo como tal.

E se no começo leitores e personagens estão bem distantes, suas idas e vindas vão aproximando não só Assaf, Tamar e Dinka, mas também quem acompanha suas aventuras e desventuras.

Eu gostei, confesso que não achei o livro fantástico e nem entrou no meu top 10 de lidos do ano, mas achei tanto a história como o local escolhidos diferentes, o que capturou a minha atenção para virar as páginas, não com uma curiosidade enlouquecida, mas naquele ritmo hora agitado, hora preguiçoso que a adolescência tem.

Na última hora começara a sentir medo - bem, não exatamente medo, era mais preocupação - de que alguém o estivesse seguindo.


Ficando a dica para quem gosta de livros que se passam em lugares diferentes do habitual, que se interessa em conhecer outras culturas, e que não se importa em retornar para um período onde mais interrogações do que certezas habitam o coração.


Alguém para correr comigo
Mishehu larutz itô
David Grossman
Tradução: George Schlesinger
TAG - Companhia das Letras
2000 - 381 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.