quarta-feira, 29 de maio de 2019

O Sonho dos Heróis



Sinopse: Em 1927, o jovem Emílio Gauna ganha uma aposta e decide gastar todo o dinheiro com os amigos em um alucinante Carnaval portenho. Ao perceber que pouco se recorda do que aconteceu na noite anterior, o personagem fica refém da sua obsessão por descobrir a verdade sobre os acontecimentos e as pessoas presentes, mas, sobretudo: quem é aquela mulher misteriosa com quem dançou no baile de máscaras?

O sonho dos heróis foi o livro do mês de abril da TAG Curadoria, uma indicação do escritor Javier Cercas (autor de A Velocidade da Luz já resenhado aqui no blog), que foi escrito pelo argentino Adolfo Bioy Casares, que junto com Jorge Luis Borges foi um dos responsáveis por consolidar o estilo Realismo Fantástico. O mimo foi um copo de plástico com a temática da história: o Carnaval de 1927.

O destino é uma útil invenção dos homens.

Casares nos conta a história como se estivéssemos em uma roda de amigos, e entre os detalhes de uma Buenos Aires que ele conhecia muito bem, estão os eventos de uma história cíclica, pois ela inicia e termina em um carnaval.

Sua escrita torna tudo muito vivo, pois os detalhes de cada ambiente transportam o leitor para o local, podendo ser avaliada a beleza ou feiura, e às vezes quase sentindo o cheiro.

Os levantes, infelizmente, naquela época de egoísmo, eram tarefa para um homem sozinho.

A história ocorre entre os anos de 1927 e 1930, possibilitando dentro do cotidiano dos personagens ver o impacto da recessão de 1929 e a decadência que a Argentina sofreu com o aumento da pobreza e vários lugares fechados.

O personagem principal é Emilio Gauna, um jovem do interior cheio de ideias pré-concebidas, um jeito meio egoísta e que parece ter a necessidade de provar a sua coragem. Sua vida sofre uma mudança quando ganha a aposta de uma corrida de cavalos.

Os jogadores disputavam o direito de subir ao trono, ou seja, de ocupar o posto principal e de ser considerado o primeiro dos heróis.

Sem pensar em aplicar o dinheiro em algo para o futuro, ele resolve levar os seus novos amigos para uma grande festa de carnaval, entre eles o doutor Valerga, considerado um exemplo de homem para todos do grupo.

Após três dias acordou em uma cama estranha, sentindo os efeitos de uma bebedeira que não lhe deixava com os pensamentos claros em sua mente. Ficando apenas a sensação de algo fantástico e uma estranha necessidade de saber como tudo havia conhecido. Na memória apenas alguns flash e uma mulher mascarada.

O que eu vou contar é tão estranho que se eu não explicar tudo com muita clareza não vão me entender nem acreditar em mim.

Conforme os dias voltam ao normal, novos personagens surgem como Serafín Taboada, um bruxo conhecido pelo seu poder de adivinhação e que parece possuir uma necessidade de proteger Gauna. E sua filha Clara, uma mulher forte de diferentes facetas, ao qual Gauna passa a nutrir sentimentos conflituosos ao ver a paixão domina-lo.

Mas ao mesmo tempo em que ele parece dono do seu destino, por vezes transparece a impressão de que o rapaz nada mais é do que uma marionete sendo guiada por aqueles que o cercam. 

Talvez eu tenha imaginado dois amores. Agora vejo que só houve um em minha vida.

Um livro que permite diferentes leituras, tanto da história da Argentina e de seu povo, como a questão de se desafiar o destino e se deparar com o fantástico, até o leitor mais racional que pode entender tudo como uma grande metáfora para o amadurecimento de um homem.

A única coisa certa é que ao fechar o livro você não irá se sentir indiferente aos eventos que o norteiam mesmo para quem não se sente perdidamente apaixonado pela obra como eu.

O Sonho dos Heróis
Adolfo Bioy Casares
Tradução: Josely Vianna Baptista
TAG – Biblioteca Azul
1940 – 207 páginas

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terça-feira, 14 de maio de 2019

O Olho Mais Azul




Sinopse: Todas as noites, Pecola Breedlove reza para ter olhos azuis. Zombada pelas outras crianças por sua pele negra e seu cabelo crespo, a menina anseia por se encaixar no padrão de beleza da sociedade americana dos anos 1940: quer ser branca e loira, assim como a atriz mirim Shirley Temple. No entanto, à medida que cresce seu delirante e inconsciente desejo de aceitação, Pecola se vê presa a uma realidade cada vez mais violenta.

O livro de março/19 da TAG Curadoria teve como curadora a escritora brasileira Djamila Ribeiro é o primeiro romance da escritora e vencedora do Nobel de literatura de 1993 Toni Morrison, uma autora ainda pouco lida no Brasil. 

O Olho mais azul fala sobre identidade, padrão de beleza, preconceito e discriminação, mas não da forma como o leitor está habituado. Não é a toa que ele se tornou polêmico por abordar entre muitos assuntos à própria pedofilia em plenos anos de 1970.

Um pequeno exame e muito menos melancolia nos teriam provado que as nossas sementes não foram as únicas que não brotaram: as de ninguém brotaram.

Logo de início temos uma descrição da família perfeita: mãe, pai, um filho, uma filha, um gato, um cachorro, um amigo. E depois já sabemos que Pecola está grávida de um bebê do pai dela.

Pecola é uma personagem que carrega todos os abusos que uma criança pode sofrer no decorrer das páginas. Seu sonho de ter o olho azul não é uma bobagem, já que o preconceito aqui começa por alguém igual a ela: sua própria mãe.

Como é que se faz isso? Quero dizer, como é que a gente faz alguém amar a gente?

Em contrapartida temos as irmãs Frieda e Claudia, esta uma das narradoras da história e talvez um alter ego da própria escritora. Assim como Pecola, elas são negras, e estudam com outros negros. Mas o racismo existe mesmo ali, pois a diferença do tom da pele parece autorizar os mais claros a tentarem subjugar os mais escuros. O que gera muito sofrimento a Pecola e contraria as irmãs.

No cenário em que elas viviam fica claro o poder dos adultos, que não podiam ser contrariados, mesmo quando não possuíam razão. O abuso em relação às crianças é pulsante em todo o livro, deixando claro sua fragilidade quanto a serem defendidas.

Preta retinta. Preta retinta. Seu pai dorme pelado.

Toda criança possui os pais como referência. Os pais de Pecola se denominavam pobres, negros e feios. Não existe carinho. Nem no tratamento. Para os filhos são senhor e senhora Breedlove. Um muro intransponível para quem não sabe se defender das diferenças.

Na escola as crianças utilizam o pátio para hostilizar as outras e descarregar o desprezo que eles sentem pela própria cor. O ódio, a desesperança, o desprezo que eles mesmos sentiam eram despejados em sua vítima, no caso a própria Pecola.

Ao igualar beleza física com virtude, ela despiu a mente, restringiu-a e foi acumulando desprezo por si mesma.

O contraponto é a menina mulata Maureen Peal, cuja pele mais clara e a condição de vida melhor que as dos demais encantam a escola, tendo aceitação de alunos brancos e subordinação dos alunos negros.

A questão de um padrão de beleza é bastante forte, em uma associação tão comum do feio com o errado. Ao mesmo tempo em que nos questiona o que é feio? Ao citar artistas que glamourosamente se apresentam nas telas de cinema, o leitor pode sair da zona pobre e negra de Toni Morrison e ver as muitas meninas que sofrem de anorexia e bulimia por querer ficar igual a x ou y.

Deitar ao lado de uma pessoa de verdade, que estava "menustrando" de verdade, era meio sagrado.

Talvez repare com mais atenção na quantidade de mulheres mudando a cor de seu cabelo para algum tom de loiro, ou nos jovens pais torcendo para que os olhos claros do recém-nascido permaneçam.

Padrões que aprisionam diferentes pessoas, independente da sua cor, condição social e instrução escolar. 

na altura em que este inverno se havia apertado num nó odioso que nada conseguia afrouxar, alguma coisa o afrouxou, ou melhor, alguém.

Ironicamente, a menina que todas querem ser no livro viveu aos quatro anos de idade na produção Polly tix in Washington o papel de uma prostituta. A atriz que se aposentou da carreira de atriz aos 22 anos de idade por não ter mais a mesma popularidade da infância. 

Em relação a narrativa o livro é divido nas quatro estações, mesclando presente e passado de alguns personagens, de uma forma fluída e rápida de ler. Para os mais sensíveis a leitura pode ser difícil, pois a história carrega um peso muito grande, provocando além de reflexões sensações de impotência, raiva e tristeza. Sabemos que é ficção, mas não é difícil enxergar a realidade em suas páginas.

Mas, para descobrir a verdade acerca de como os sonhos morrem, nunca se deve aceitar a palavra do sonhador.

Um livro que recomendo para quem quer entender a humanidade, o racismo, os padrões e o que o comportamento dos adultos influencia nas crianças.

O Olho Mais Azul
The Bluest Eye
Toni Morrison
Tradução: Manoel Paulo Ferreira
TAG – Companhia das Letras
1970 – 222 páginas

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