quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

A Mulher Ruiva


Sinopse: Um jovem em busca de uma figura paterna encontra em um cavador de poços um afeto imprevisto. Contudo, o desejo e o medo do desconhecido fazem com que o protagonista Cem Çelik tome uma atitude completamente inesperada que mudará para sempre o rumo de sua vida. Com rara habilidade narrativa, Orhan Pamuk constrói mais um romance memorável sobre as relações humanas e o poder que pequenas decisões exercem em nossa trajetória.

TAG Curadoria trouxe em janeiro uma indicação do escritor amazonense Milton Hatoum. A Mulher Ruiva é do escritor Orhan Pamuk, que levou cerca de trinta anos para escrever a história. O mimo da caixa foi um planner - o mesmo da caixa de inéditos -, um programa para ler um livro em 21 dias e, como assino as duas caixas, um botton de uma das escritoras presente no planner.


Àquela altura eu já aprendera que esses pensamentos nos vêm às vezes em forma de palavras, às vezes de imagens.


Cem Çelik sonhava em ser escritor, só que pelas circunstâncias da vida, virou geólogo e assim montou a base de sua vida, uma vida cheia de mágoas e culpas, mas também de amores e curiosidade.

Aos quinze anos mora com os pais em Istambul, e toda noite leva o jantar para o pai, que é envolvido com manifestações políticas. Um dia o pai não retorna para casa, em um primeiro momento a mãe chora, imaginando que o marido tenha sido preso. Mas depois ela adota uma postura resignada, fazendo o adolescente desconfiar que o motivo era outro.


Talvez por estar conseguindo ganhar a vida assim, como o homem da casa, agora que meu pai se fora.


Com a situação financeira debilitada, o jovem rapaz acaba arrumando um emprego em uma livraria, mas ao terminar o ano escolar, eles se mudam para a casa de um tio, em Gebze. É lá que ele irá conhecer Mahmut, um mestre em escavar poços.

Quando ele recebe uma oferta generosa para ser assistente dele na escavação de um poço na cidade de Öngören, ele não pensa duas vezes em aceitar. No local ele aprende sobre cavar poços, escuta histórias antigas e descobre o amor ao se apaixonar por uma mulher de cabelos vermelhos.


Deus todo-poderoso fez as noites de verão estreladas para nos lembrar de quantas pessoas e vidas havia no mundo.


Enquanto a água não jorra, Cem vive com sentimentos conflituosos em relação a Mahmut, em alguns momentos sente uma afeição de filho, como se transferisse a falta que sente do seu pai para aquele homem, e da mesma forma surge o ódio. 

Sentimentos que ele carregara para toda vida, junto com o seu comportamento após vivenciar uma sequência de fatos que irão lhe mudar os caminhos até então desejados.


Eu iria contemplar todas as imagens e emoções que não conseguia exprimir e traduzir em palavras.


Narrado em primeira pessoa e traduzido da versão inglesa, A Mulher Ruiva é sobre o abandono de um filho, citando diversamente a história Édipo e de Shahnameh, que tratam de parricídio e filicídio, esta falta da figura paterna em comum nas duas histórias levam a fatalidade de matar o pai ou o filho que desconhece.

Já na história de Orhan Pamuk temos um poço profundo de questionamentos, saudades, carência, mágoas, raivas e o peso que apenas os filhos que não são amados do jeito que mereciam por seus pais carregam.


Mas foi por ter crescido sem ele todos aqueles anos, cuidando de minha própria vida, que me tornei "eu mesmo".


Eu gostei muito do livro, a única coisa que me incomodou um pouco foi a parte final, ao qual acabei criando uma implicância com a Mulher Ruiva, mas nem isso invalidou a minha leitura.

Para os leitores que foram criados com amor, é a possibilidade de ver o grande vazio que a falta de um dos genitores faz, mesmo na vida adulta. Para os leitores que já passaram por isso, pode ser a reabertura de velhas feridas, ao mesmo tempo a possibilidade de fazer bem diferente com os próprios filhos.


A Mulher Ruiva
Kirmizi Saçli Kadin / The Red-Haired Woman
Orhan Pamuk
Tradução: Luciano Vieira Machado
TAG - Companhia das Letras
2016 - 294 páginas

Ficou interessado em assinar a TAG? Indique o meu código de amigo ANDJ8CMF e ganhe 30% de desconto na primeira caixinha.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Frida Kahlo e as cores da vida

 


Sinopse: México, 1925: Frida quer se tornar médica, mas um terrível acidente põe fim a seu sonho. Anos mais tarde, ela se apaixona pelo grande sedutor e pintor Diego Rivera e ao lado dele mergulha de vez no cobiçado mundo das artes. Sempre assombrada por problemas de saúde e sabendo que sua felicidade poderia ser passageira, Frida se entrega à vida e descobre como trilhar o próprio caminho. Com suas roupas de cores vibrantes e postura transgressora, a artista cria uma aura particular e se torna uma das pintoras mais cultuadas de nossos tempos.

Para iniciar o ano de 2021, o livro escolhido pela TAG Inéditos para o mês de janeiro foi uma ficção baseada na vida da famosa pintora Frida Kahlo. Sob o pseudônimo de Caroline Bernard, a escritora Tania Schlie uniu o que conhecia da história desta mulher forte com o que ela imaginava . O brinde foi um planner, tendo como capa importantes escritoras femininas. 


Juntas, as duas Fridas que ela unia em si conseguiam sobreviver a tudo que viesse pela frente.


Logo de início conhecemos uma Frida menina, extremamente agitada, cheia de energia e com um sorriso no rosto. Nem mesmo a paralisia infantil consegue limitar o seu ímpeto. Logo em seguida vem o acidente, seguido da dor que a acompanharia pelo restante da vida, da decepção pelo jovem amor e do seu encontro com a arte. 

Sua recuperação, que nunca será completa, é extremamente lenta, consumindo a sua paciência e as finanças de sua família. Pintar é o que a distraí, sendo uma forma de expressar como ela se sente . Ao voltar a andar, seu antigo grupo de amigos já possuem uma realidade diferente da sua, e uma manifestação encontrada ao acaso a leva a se filiar no Partido Comunista e aos braços do pintor Diego Rivera.


A vida é bela demais, colorida demais para ser apenas suportada. Quero apreciá-la, quero sentir alegria e amor!


O relacionamento de Frida e Diego lembra uma montanha russa, altos e baixos que ao mesmo tempo beneficiam e prejudicam a arte de Frida. Beneficiam pela força de seus quadros quando ela se sente uma figurante do marido, quando sofre as maiores traições, quando se sente sozinha. Prejudicam quando ela é apenas uma sombra de Diego, seguindo e mantendo todos os seus quadros em casa, sendo apenas a sua esposa e não a grande artística que deve ser reconhecida.

A personagem Frida é uma mulher forte, que se utiliza de cores, falas fortes  e uma presença de espírito para disfarçar os seus complexos. Alguém que tem amor e saudade da sua terra natal quando se afasta, alguém que dá amor com facilidade, e que não cansa de levantar a cada queda.


Estarão unidos no amor e no afeto como o sol e a lua, mas em algum momento o ódio estará presente.


Eu nunca li nenhuma biografia da Frida, e sim, como o livro é uma ficção, desperta a curiosidade em saber mais da artista para descobrir o que levou a escritora a imaginar esta vida para ela, o que está próximo da realidade e o que é uma licença poética.

A narrativa é em terceira pessoa, sendo uma história que ocorre de maneira linear, onde o leitor acompanha da juventude até um ano antes de sua morte. Sim, Frida morreu jovem, aos 47 anos de idade sua sequência de perdas sugou suas forças, e infelizmente durante a sua nova fase, quando deixou de ser a Sra. Rivera para ser Frida Kahlo.


Serei fiel a mim mesma, à minha verdade, pois é melhor saber a verdade, mesmo que doa, do que mentir para si.


O livro pode desagradar um público mais exigente por girar em torno da relação tóxica de Frida e Diego, um amor que exige submissão da parte feminina de uma figura que se caracteriza justamente por ser um símbolo do feminismo. Como toda mulher, ela é complexa, tendo em suas atitudes uma mistura de tradicional e modernidade. 

A verdade é que a personagem Frida é muito humana, como talvez tenha sido a da vida real, e vive o amor com toda a intensidade e sofrimento que ele lhe exige, uma entrega que pode parecer doentia, mas é somente dela. E ao amar como nunca, ela tornou o sentimento sua força e ao mesmo tempo a sua fraqueza.


O que acontecia com mulheres que não tinham marido, dinheiro nem perspectiva de trabalho?


No final, a autora lista as referências biográficas por ela utilizados, além de citar a sua visita a Casa Azul, casa onde Frida nasceu e morreu, e hoje é um museu dedicado a pintora. Lugar que já deixei marcado como visita obrigatória quando tiver a oportunidade de conhecer o México.

Um livro interessante, que traz para quem desconhecia a obra da artista o seu olhar, possibilitando compreender um pouco mais dos sentimentos que pulsão na tela em forma de cor. Frida personagem e Frida real eram as próprias cores.


Frida Kahlo e as cores da vida
Frida Kahlo und die Farben des Lebens
Caroline Bernard
Tradução: Claudia Abeling
TAG Inéditos - Tordesilhas
2019 - 301 páginas

Ficou interessado em assinar a TAG? Indique o meu código de amigo ANDJ8CMF e ganhe 30% de desconto na primeira caixinha.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Antologia Macabra



Sinopse: Organizada por Hans-Åke Lilja — editor do Lilja’s Library, um dos principais sites do mundo dedicados às obras de Stephen King, no ar desde 1996 —, a coletânea reúne o medo e o horror de treze almas macabras selecionadas a dedo para exaltar o que há de mais sombrio na literatura.

Embora seja raro entre as resenhas do blog, eu adoro um terror, o que tornou esta antologia de contos que celebram um site dedicado justamente a um dos mestres do gênero um dos livros que eu queria ler logo em 2021.

São 12 contos escritos por 13 autores, um deles é escrito em parceria, e vão do psicológico ao terror clássico.

Como não poderia deixar de ser, o primeiro conto é justamente do homenageado Stephen King. Em O Compressor de Ar Azul temos um escritor que aluga uma casa de uma mulher que logo chama a atenção pelo seu tamanho. 


"Estou sempre com a pena a postos", retrucou, rindo para disfarçar a pena que sentiu de si mesmo depois daquela resposta ridícula.


O conto possui algumas curiosidades, existe a história escrita em terceira pessoa, existem anotações que parecem ser do escritor, e existem intervenções do próprio Stephen King. Então não, você não vai saltar da cadeira nem ficar com medo de dormir à noite após ler, mas tem uma ideia de como funciona a criação de uma história.

O segundo conto é resultado da parceria entre Jack Ketchum e P.D. Cacek. Nomeado A Rede, conta a evolução de uma conversa em uma sala de bate-papo da internet entre Andrew e Cassandra. Não sabemos nada sobre eles, somente o que dizem um ao outro, até o clímax da possibilidade de se encontrarem pessoalmente.


E você está certo... às vezes a gente passa meses conversando com uma pessoa sem nunca saber muito bem quem - ou o que - ela é.


Confesso que achei o mais fraco dos doze contos, o tema é super atual, e serve mais como um alerta dos cuidados que devemos ter ao dividirmos informações privadas com estranhos.

O terceiro conto de Stewart O'Nan chama-se O Romance do Holocausto, um escritor que sobreviveu aos campos de concentração e criou uma ficção sobre o assunto. Chamado para ser entrevistado por Oprah, na narrativa em terceira pessoa o leitor pode acompanhar o paralelo entre o que foi real, o que é parte do romance, além dos sentimentos e comportamentos do personagem.


Está acostumado à vida tranquila que leva, enterrando os sentimentos pelo mundo em seus escritos.


Não há um terror trash no conto, aqui ele está no passado, em uma vida diferente do que poderia ter sido, e existe algo mais assombroso do que aquilo que não se viveu ou que se perdeu?

Bev Vincent traz o seu Aeliana no quarto conto. Uma criatura que assume tanto a forma humana quanto a de um ser que fica à espreita, esperando um assassino desovar corpos e assim ela se alimentar. Quando uma mudança ocorre em sua rotina, ela experimenta novos sentimentos.


Ela ama sair para a rua quando a lua está alta no céu, explorando o mundo enquanto procura alguma comida.


Aeliana é um misto de terror sutil e psicológico, cujo andamento da história desperta a curiosidade e até mesmo uma certa torcida em relação ao desfecho. 

No quinto conto temos Clive Barker e seu Pidgin & Theresa, um papagaio e uma tartaruga que são transformados em humanos após um anjo cometer um erro ao levar a alma de Raymond, seu dono, considerado naquele momento um santo.


Primeiro banhou o quarto sem graça com tamanho esplendor de luz beatífica que as testemunhas foram obrigadas a cobrir os olhos e recuar para o corredor encardido.


Enquanto os dois saem para descobrir o mundo em sua nova forma, Raymond passa por uma análise celestial cuidadosa, onde os seus pecados começam a ser revelados, expondo um segundo erro na ação. 

Eu achei a ideia do conto muito interessante, aqui o terror está no comportamento dos personagens, onde o real e o fictício são separados por uma linha tênue.

O sexto e mais dolorido de todos os contos, na minha opinião, é o Fim de Tudo de Brian Keene. Aqui temos um personagem que todos os dias acorda desejando o fim do mundo, as causas para o acontecimento mudam todas as manhãs, mas a dor que o faz desejar que tudo se acabe, não muda em nenhum momento.


Só existe um outro jeito de chegar lá, mas ainda sou covarde demais para ir em frente.


O terror aqui está no que muitos chamam de destino, ou de um infortúnio da vida, situações fatídicas que podem acabar com as motivações de alguém. 

A Dança do Cemitério de Richard Chizmar é o sétimo conto e nos coloca em outro tipo de terror. Aqui temos Elliott Fosse, um homem aparentemente comum, entrando em um cemitério após a meia-noite. Existe um túmulo especifico ao qual ele quer chegar, e aqui são compartilhadas memórias passadas, onde o terror passa pela psicopatia.


O céu estava sem estrelas, cobrindo o cemitério como uma enorme tenda de circo preta.


O oitavo conto nos leva para o clássico do terror, em Atraídos para o Fogo, Kevin Quigley leva o leitor a acompanhar a escapada de três meninos, que desobedecem aos seus pais, para irem em um parque de diversões novo em sua cidade. Ao chegar no local, um estranho os atraí, e que o era para ser diversão e competição de coragem vira uma busca pela sobrevivência.


"Chip, Bobby e Johnny, três rapazes robustos! Será que aguentam alguns sustos?"


É um dos contos mais longo, com direito a sentir o coração bater mais forte se você se deixa envolver facilmente pela leitura.

Seguindo na linha de parques, no nono conto chamado O Acompanhante de Ramsey Campbell o leitor é apresentado a Stone, um homem que em suas férias busca conhecer feiras. No momento ele está decepcionado, por não ter encontrado exatamente o que o guia dissera. Apesar de ser adulto, ele se sente atraído por brinquedos, e isso acaba fazendo com que procure uma velha feira e se interessar por seu trem fantasma.


Por um momento, Stone teve a impressão de estar trancado num quarto empoeirado onde os brinquedos, como nos contos infantis, adquiriam vida.


Puxando para a linha psicológica, somos levados junto a Stone por diferentes caminhos, conhecendo-o ao mesmo tempo que não temos ideia do que irá acontecer.

Como não poderia faltar, o décimo conto é o clássico O Coração Delator de Edgar Allan Poe. Um cuidador pega implicância por um dos olhos do senhor que acompanha e diz amar. Comparando a um abutre, ele começa a elaborar um plano para se livrar do homem.


A doença apurou meus sentidos, não os destruiu, não os amorteceu.


Loucura pura que me fez sentir arrepios, mesmo não sendo a primeira vez que o leio.

Já na reta final, o décimo primeiro conto tem o singelo nome de Amor de Mãe, de Brian James Freeman. Aqui temos Andrew, um filho que ama muito a sua mãe, mas não consegue dar pessoalmente os cuidados que ela necessita, o que lhe traz uma imensa aflição.


A mãe estava só, e Andrew odiava não ficar ao lado dela a cada minuto, mas estava fazendo o seu melhor.


Como um bom filho ele sai em busca de uma clínica de repouso recomendada, da espera para abrir uma vaga, ao parcelamento das taxas de internação, ele é consumido pela proximidade da morte de sua mãe.

Uma história de terror que poderia facilmente estar como notícia real em uma página de jornal.

Para fechar a Antologia Macabra, John Ajvide Lindqvist e o seu O Companheiro do Guardião. Utilizando os jogos de RPG, associado aos famosos bullyings que ocorrem nas escolas, o sobrenatural irá entrar na vida de um mestre nato quando ele brinca com as palavras.


Tinha autoridade, tinha a imaginação. E tinha linguagem.


Sendo um dos mais longos, Lindqvist nos coloca na vida de Albert, de forma que possamos conhece-lo mais intimamente do que os outros, seu egoísmo e dificuldades estão expostos, como grandezas e fraquezas de um jogo.

A edição é muito bonita, da encadernação as ilustrações, a edição da DarkSide me impressionou. A única coisa que achei um pouco incomoda foram as páginas grudadas, que fui soltando conforme evoluía na leitura, como se estivesse folheando algo muito antigo.

A antologia é uma verdadeira amostra de que o terror está além de serras elétricas e apocalipse zumbi. De maneira sútil, ele pode decorrer de uma fatalidade, impulso, lembranças, arrogância e instintos ainda não bem explicados.

Como fã tanto de histórias de terror quanto de contos, eu gostei bastante de quase todos os contos, confesso que apenas A Rede não me conquistou. Ficando a recomendação para quem compartilha o gosto comigo.

Para quem ficou curioso sobre outros títulos da linha Macabra, convido a ler a resenha das Vitorianas Macabras.

Antologia Macabra
Shining in the Dark
Diversos autores
Organização: Hans-Åke Lilja
Tradução: Paulo Raviere
DarkSide
2017 - 242 páginas

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Escola de contos eróticos para viúvas



Sinopse: Filha de imigrantes indianos, Nikki passou a maior parte de seus vinte e tantos anos distanciando-se da tradicional comunidade sikh, preferindo uma vida mais independente e, em outras palavras, ocidental. Quando a morte de seu pai deixa a família desestruturada, Nikki se habilita a dar aulas de escrita criativa em um centro comunitário no coração da comunidade punjabi em Londres. Logo no primeiro dia de trabalho, Nikki descobre que, na verdade, as viúvas sikh que aparecem para o curso estão esperando aprender alfabetização básica em inglês, e não a arte de escrever contos. Nikki está prestes a desistir da tarefa quando um livro erótico cai no colo das alunas e causa um furor na sala de aula. A jovem professora percebe que, por baixo de seus sáris brancos, elas têm uma riqueza de fantasias e memórias. Ansiosa por libertar essas mulheres, Nikki as ensina a escrever suas histórias não contadas, desencadeando um processo criativo inesperado - e perigoso.

Nikki vive uma vida de uma garota ocidental, morando sozinha e trabalhando em um bar no período da noite, carrega a culpa de o pai ter falecido sem ter perdoado a sua decisão de parar com o curso de direito. A jovem mulher ainda busca um caminho para a sua vida quando se depara com a necessidade de ajudar sua mãe financeiramente.


O Marido ideal tinha emprego estável e até três hobbies que lhe trouxessem crescimento mental e físico.


O destino começa a mudar o rumo de tudo quando sua irmã lhe pede para colocar um anúncio no centro comunitário em que procura um marido. Apesar de Nikki não concordar com a ideia de casamento arranjado, ela vai até o local e na procura por um espaço, vê a chance de um segundo emprego ao ler um o anuncio onde procuram uma professora de escrita criativa.

O anúncio foi colocado por Kulwinder Kaur, uma mulher indiana que além de vive com a dor de ter perdido a filha tem que conviver com uma constante ameaça de não poder exigir da polícia uma melhor investigação sobre a morte, cuja forma a impede de aceitar.


Aquelas eram suas alunas, mas também eram senhoras punjabi e ela teria que se dirigir a elas da maneira correta.


No centro comunitário ela busca melhorar as opções para as mulheres que estão à sua volta, buscando verba entre líderes machistas. O curso para ensinar as mulheres lerem e escreverem em inglês parece um grande passo. Mas por também não dominar a língua inglesa, acaba copiando um anúncio errado, o que faz com que o seu caminho acabe cruzando com o de Nikki.

Este foi um livro que comprei pelo título, lembro de ver a chamada no qual dizia que era uma indicação do clube de livros da atriz Reese Witherspoon e criei uma grande expectativa, mas antecipo aqui que ela não foi plenamente correspondida.


Ela nunca havia visto alguém tão ofendido por uma cabeça descoberta próxima ao templo. Quem era ele para ficar lhe dando ordens?


A escritora Balli Kaur Jaswal explora três pontos em paralelo no seu livro: a cultura e tradições de imigrantes da Índia e do Paquistão que moram em território londrino, o erotismo no universo feminino e um suspense-policial em relação a morte da filha da personagem Kulwinder Kaur.

Vou começar com o erotismo, o chamariz do título, onde as mulheres de diferentes idades narram de forma oral, lembrando uma antiga tradição, histórias eróticas que podem se revelar frutos de sua imaginação ou influência de séries e filmes. Os contos aqui lembram muito aqueles romances de banca, onde o foco da história são as relações físicas. Ao mesmo tempo é interessante como algumas histórias quebram totalmente o conceito conservador que essas mulheres carregam, tendo um que particularmente me surpreendeu.


Aquelas mulheres são tímidas e amedrontadas. Não recebiam atenção nenhuma dos maridos - pelo menos não do tipo que gostariam...


Sobre a parte cultural, ela aborda bem a questão da ocidentalização versus os que mantém a cultura viva. Da necessidade de fazer as próprias escolhas a saudade da terra, das vestimentas ao machismo, é possível ter diferentes olhares sobre uma mesma situação. Junto com a personagem, acompanhamos a quebra de vários conceitos pré-estabelecidos por ela.

Ao mesmo tempo se tem aquela visão antiga do que uma mulher pode ou não em relação ao seu corpo, relacionamento, sexualidade e escolhas. Me levando a refletir como leitora como isso é comum em todas as culturas, algumas em grau maior, em outras menores. Quando na realidade as únicas que deveria poder determinar o que pode ou não são as próprias mulheres.


Esse é o problema de se ter muita imaginação, Nikki. As garotas começam a desejar demais.


O que pra mim não agregou foi justamente o mistério da morte, o que poderia ser uma tensão extra me parece sobrar na história, já que não tem espaço suficiente para um desenvolvimento completo, o que gera uma solução bem rápida. Ao mesmo tempo esta parte me pareceu ocupar páginas que poderiam ter sido explorado talvez de forma mais interessante pelos outros dois assuntos pautados.

Mas mesmo não tendo toda a expectativa atendida, eu dei boas risadas com a história, o que combinou perfeitamente com o clima de verão. É uma leitura leve, de escrita fácil, que horas me cativou a virar várias páginas, horas me permitiu adotar um ritmo mais lento.


Escola de contos eróticos para viúvas
Erotic stories for Punjabi widows
Balli Kaur Jaswal
Tradução: Flávia Souto Maior
TAG - Planeta
2017 - 348 páginas

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O Enigma do Quarto 622



Sinopse: Certa noite de dezembro, um assassinato ocorre no sofisticado hotel Palace de Verbier, nos Alpes Suíços. O criminoso escapa da cena e a investigação policial jamais é concluída. Alguns anos depois, em 2018, um escritor em férias hospeda-se no hotel e, ao chegar no sexto andar, repara a estranha numeração do quarto vizinho ao seu: 621 bis, a nova nomenclatura do então estigmatizado 622. A descoberta de que ali acontecera um crime, é claro, leva-o a mergulhar de cabeça na resolução do caso.

O clube de livros intrínsecos fechou o ano de 2020 com o envolvente e misterioso O Enigma do Quarto 622 do escritor suíço Joël Dicker. Como mimo recebi um livro extra: Em Águas Profundas da autora Patricia Highsmith.

A história começa em 2018 com Joël recordando como conheceu o seu editor Bernard de Fallois, que havia falecido recentemente. O impacto da morte de um homem tão importante afeta não só o seu dia-a-dia como um relacionamento recente. No auge de toda a confusão, ele decide ir até o Palace de Verbier, um dos lugares favoritos de Bernard.


Aquela estada era para ser uma bem-vinda pausa depois de dois pequenos cataclismos pessoais ocorridos na minha vida.


No hotel ele estranha o fato de não haver um quarto com o número 622 e sim o 621 bis. Mas a busca para saber o que aconteceu só começa quando ele conhece Scarlett, uma bela mulher que está hospedada justamente no curioso quarto e é sua vizinha de sacada.

Com a justificativa que o mistério pode gerar um bom romance, Scarlett convence Joël a procurar pessoas que conheçam  a história, e conforme o fio é puxado, novas informações vêm para a superfície. 


E qual não foi a minha surpresa ao constatar que a ordem era a seguinte: 620, 621, 621 bis, 623!


É neste momento que entra uma segunda história, alguns anos antes o banco suíço Ebezner estava sem presidente e uma festa, justamente no Palace, iria anunciar o novo escolhido. Sete dias antes do assassinato no quarto 622 conhecemos o que deveria ser o herdeiro direto, Macaire, realizando uma missão para o serviço secreto suíço.

Logo os demais personagens aparecem, como o inteligente Lev Levovitch que foi adotado profissionalmente pelo falecido pai de Macaire e possui uma carreira brilhante e a bela Anastasia. Conforme Scarlett e Joël vão se aprofundando em sua investigação, o passado de cada um é revelado, levando o leitor a montar junto com os dois um quebra-cabeça que não foi decifrado até o momento.


Nos meses que antecederam o assassinato, a sucessão da presidência do Banco Ebezner constituíra uma pequena novela que tinha fascinado Genebra.


Utilizando do método Mise en abyme, isto é, uma história dentro de outra história, a narrativa, que mistura primeira e terceira pessoa, exige atenção do leitor. Os detalhes estão espalhados pelas páginas, e os mais distraídos podem realmente se surpreenderem com o final da história. 

O mistério aqui é bem construído, embora eu particularmente não tenha achado imprevisível, Sim, eu descobri facilmente quem era o assassino da história, mas isso não tornou o desenrolar menos interessante, muito pelo contrário, adorei a forma como fui levada de uma cena a outra.


O homem que estava diante de mim e pronunciara esta frase tinha o porte de um general: elegante, senhorial, olhos alertas. A lenda do Mundo editorial francês: Bernard de Fallois.


Outro ponto que me encantou no livro foi a homenagem de Joël ao seu editor, pois sim, a história toda é cheia de referências e carinho por este homem que foi tão importante na vida do escritor, e eu me senti tão próxima de Bernard que finalizei a leitura compartilhando parte desta tristeza por sua morte. E apesar de Joël afirmar que não é ele que está no livro, e que ele apenas deu o seu nome com ao personagem, na homenagem várias referências são inevitavelmente pessoais.

O que não curti nesta edição foi a falta de cuidado, muitas falhas de revisão e impressão, sendo que as duas páginas disponibilizadas on-line não compensam todas as outras com letras apagadas. E estes dois pontos em alguns momentos chegaram a estragar a leitura.

No geral, recomendo sim a leitura, nesta Matrioska literária, o leitor irá encontrar a relação escritor-escrita, escritor-editor, escritor-inspiração, mistério, suspense, articulações, segredos, amores proibidos e uma amizade eternizada em páginas.


O Enigma do Quarto 622
L'énigme de la chambre 622
Joël Dicker
Tradução: Carolina Selvatici e Dorothée de Bruchard
Intrínseca
2020 - 526 páginas