terça-feira, 29 de junho de 2021

Gostaria que você estivesse aqui


Sinopse: Nos inícios dos anos 1980, o Rio de Janeiro está prestes a virar palco de uma revolução musical e comportamental. O tempo é de instabilidade política, o tráfico se expande nas favelas e a epidemia de aids é um balde de água fria em quem acredita que a era de Aquário se aproxima. E é nesse cenário que, ao longo de dez anos, as vidas de Inácio, Baby, César, Selma e Rosalvo se entrelaçam.

No mês de Maio/2021 recebi da minha assinatura da TAG Inéditos o livro Gostaria que você estivesse aqui, do escritor brasileiro Fernando Scheller. Como mimo veio um livro de contos chamado Partes de um corpo.


Embora tivesse dinheiro para comprar discos, seu gosto musical era ditado pelas músicas que a professora de inglês usava como referência nas aulas.


A história começa em 1980 com a aprovação no vestibular de Inácio e sua paixão por sua amiga de infância Baby. Estranho se comparado aos outros rapazes, Inácio é um guri gentil e educado, que vem de uma família equilibrada, onde os filhos são apoiados.

Já Baby está sendo usada pela mãe para recompor a economia da família, e assim possa manter o status de morar em um apartamento localizado em região nobre. Mas a menina, perdida sobre quem é e não aturando ficar perto do namorado para qual é empurrada, foge de casa.


Julgara-se esperto ao vir para a cidade em busca de vingança, mas na verdade era um matuto.


Com a ausência de Baby, Inácio muda de curso e encontra a amizade de César, um rapaz de família rica, bonito e inteligente, que é rejeitado por seu pai por sua homossexualidade.

César se encanta por Inácio, assim como sua mãe, Selma, uma professora universitária que escolheu ficar ao lado do filho quando lhe foi imposta uma escolha pelo marido. É uma mulher que vive restrita por seus medos e análises do passado, dores a assombram e a impedem de realizar as suas próprias escolhas.


Era uma professora de literatura clássica que não entendia nada de tragédia, que era incapaz de reagir.


Completando o quinteto está Rosalvo, que sai de sua vida organizada no interior, deixando todos os bens divididos entre os seus filhos para encarar a cidade do Rio de Janeiro. Seu objetivo é descobrir o assassino de seu filho Marquinhos, conhecido no morro como Eloá.

Para contar as cinco trajetórias Fernando Scheller optou em usar a narrativa em terceira pessoa, em um ritmo facilmente cinematográfico, onde você acompanha cena a cena os acontecimentos, mas sem estar dentro da cabeça dos personagens, apenas descobrindo os seus sentimentos conforme suas ações e reações.


A medida de sucesso da nova geração havia, de um jeito estranho, se igualado à de seus pais.


Misturando alguns clichês com fatos reais, como não poderia deixar de ser, a história é cheia de referências a década de 1980, desde o surgimento do rock, passando pelas manifestações das diretas já, passando por locais ícones do Rio de Janeiro como o Círculo Voador e as pelas praias, até a eleição de Collor para presidente.

Na minha percepção a história tem como personagens bases os três masculinos, onde César e Inácio nos dão o ponto de vista das classes média e alta carioca, enquanto Rosalvo transita entre a portaria de um edifício de bairro nobre e o morro com seus moradores e facções. 


Porque, uma vez que se está no topo, não existe nenhuma alternativa que não seja a queda.


Aliás, achei muito bonita a amizade entre Inácio e César, onde o apoio incondicional, a troca de conhecimento, mostram como algumas pessoas criam barreiras bobas por prejulgar o outro. O modo como os dois evoluem juntos e fazem suas próprias escolhas sem romper os laços mostram a força de um amor que encara toda e qualquer dificuldade da mesma forma que compartilha alegrias.

Pois é através dos dois que vemos todo o surgimento e evolução da aids no Brasil, a morte rápida de quem estava em sua volta, a sentença de morte ao conseguir realizar o teste e obter o resultado positivo, a espera pela manifestação da doença, o preconceito enfrentado ao apresentar os sinais que a identificavam.


Sem aviso, as festas da adolescência, com dança da vassoura e bolo ruim, foram substituídas por funerais-surpresa.


Eco semelhante encontrado em Rosalvo, um senhor que respeita a todos e por sua postura também é respeitado, que parece se reinventar em meio a diversas situações, aceitando recomeçar em nome de um amor que exige que a morte do filho não saia impune. Ele também passa por uma evolução, ao qual ao avaliar as características e o período tornam tudo ainda mais surpreendente, pois ao aceitar a escolha do filho se identificar como mulher não muda em nada o seu sentimento, apenas a forma de chama-la.

O que me incomodou um pouco no livro foram as personagens femininas, que me pareceram ser as menos trabalhadas no decorrer da história. Selma ainda tem momentos fortes, inclusive uma das cenas mais marcantes na minha opinião. Mas Baby é colocada de uma forma muito artificial, suas poucas aparições na narrativa são sempre tão perdidas, como se fosse uma eterna adolescente.


Ditador, não importa o disfarce que assuma, continua ditador.


Mas isso não me impede de recomendar a leitura do livro, que trata de temas tensos sem ser pesado, além de ser uma ótima forma de relembrar ou ter uma noção dos anos 80 em território carioca, entender um pouco mais do início da aids, e do que mudou, ou não, de lá para cá. 


Gostaria que você estivesse aqui
Fernando Scheller
TAG Inéditos - Harper Collins
2021 - 320 páginas

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terça-feira, 22 de junho de 2021

Bartleby e Companhia


Sinopse: O leitor tem em mãos uma obra que desafia rótulos e convenções. Transitando por formas e gêneros literários, Bartleby e companhia marcou época e abriu espaço para a ficção híbrida na literatura mundial com uma listagem de autores reais e fictícios que, por algum motivo, concluem que "preferem não escrever" e abandonam de vez o mundo das letras. Ao rastrear esses "sóis negros" da literatura, a obra de Vila-Matas abraça a negação como uma potência e celebra novas possibilidades literárias com um mergulho no seu avesso - o silêncio.

Logo de início o narrador deste livro nos conta que não tem sorte com as mulheres, praticamente não tem amigos, seus parentes próximos estão mortos, seu trabalho é pavoroso e quando era jovem publicou um romance sobre a impossibilidade do amor.


Todos nós conhecemos os bartlebys, seres em que habita uma profunda negação do mundo.


No dia 08 de julho de 1999 ele resolve iniciar um diário que mistura um pouco da sua vida e dos chamados bartlebys, nome inspirado no escrivão Bartleby, personagem de um conto do escritor Herman Melville, que respondia "Acho melhor não" para qualquer coisa que lhe pedissem.

Nos casos dos bartlebys de Enrique Vila-Matas são escritores, como J.D. Salinger e Robert Walser, que escolheram o silêncio oral e escrito após conquistarem a fama, sendo que alguns chegam ao ponto de fugirem de qualquer contato que implique falar sobre o seu trabalho, enquanto outros transformam isso em uma espécie de piada particular.


Acho muito engenhoso dizer que alguém renunciou à escrita devido ao transtorno de ter aprendido inglês e de ter se tornado sensível a complexidades nas quais nunca havia reparado.


Em menos de duzentas páginas são relacionados textos que levam ao Não escrever, os possíveis motivos, as estratégias de quem resolveu simplesmente fugir do mundo e não fornecer mais nenhuma contribuição para a literatura.

Do narrador em si, descobrimos muito pouco, sabemos que ele tem um emprego, que utiliza atestados para ampliar os seus dias de férias e se dedicar a sua pesquisa, que já foi até os Estados Unidos em uma viagem rápida para ver J.D. Salinger, e por fim é um homem muito solitário ao qual faz inúmeras referências a Kafka.


Às vezes a escrita é abandonada porque a pessoa simplesmente cai em um estado de loucura do qual nunca se recupera.


O foco de suas anotações, não resta dúvida, está totalmente dedicado nos que abandonaram a escrita e suas justificativas. E o leque vai de pessoas reais, passando por personagens fictícios que nunca escreveram, até textos onde se identifica outros bartlebys.

Assim como mescla diferentes gêneros, já que é difícil dizer se ele é um ensaio, ou quem sabe um romance, uma tese de mestrado ou até mesmo contos sem título, já que diferentes histórias vão surgindo no decorrer das páginas, também são diferentes os sentimentos que ele desperta.


Continuo pensando o de sempre, continuo perguntando-me por onde começar, continuo paralisada.


Em alguns capítulos ele parece mais devagar, brincando perigosamente em uma linha tênue do tédio, em outras ele é provocante, instigando o leitor a refletir o que leva alguém parar de escrever no auge do sucesso, outras é engraçado, como o personagem fictício que nunca escreveu nada pois Saramago roubava-lhe todas as ideias.

Uma coisa muito legal é que você sai com uma lista grande de sugestões de leituras futuras, pois ao usar autores e livros para embasar o enredo, as ficções se misturam e você acaba ficando curioso para ler todas as indicações citadas durante a leitura, e entender o que levaram o personagem a se dedicar a elas.


Eu o admirava e necessitava que continuasse escrevendo versos e me entristecia pensar que a obra estava encerrada e que provavelmente o poeta havia decidido esperar a morte.


Cabe ressaltar também que a escrita de Enrique Vila-Matas é extremamente fluída, fazendo o leitor mergulhar neste lado b do mundo literário e despertando as suas próprias curiosidades e reflexões. 

Um livro atemporal, se pensarmos que hoje temos como um dos grandes nomes da literatura uma pseudônimo chamada Elena Ferrante, que para seguir na escrita fugiu dos holofotes ao se esconder no anonimato.


Há quem tenha deixado de escrever para sempre ao se julgar imortal.


Fica a dica para quem curte as curiosidades literárias, para quem está sempre procurando novas distrações, para quem curte ler boas histórias, para quem gosta de saber mais sobre escritores, ou simplesmente para quem gosta de ler.


Bartleby e Companhia
Bartleby y compañía
Enrique Vila-Matas
Tradução: Josely Vianna Baptista e Maria Carolina de Araújo
Companhia das Letras
2000 - 178 páginas

*Livro recebido pelo blog por participar do Time de Leitores 2021 do Grupo Companhia das Letras

terça-feira, 15 de junho de 2021

Medicina Macabra



Sinopse: Medicina Macabra é uma leitura para pessoas de estômago forte e humor peculiar. Remédios irremediáveis, relatórios verídicos, curas extraordinárias, cirurgias que tinham tudo para dar errado, casos insólitos e lamentáveis embaraços: está tudo aqui. Você está pronto para dissecar as excentricidades do nosso passado?

Durante uma pesquisa para um artigo, Thomas Morris se deparou com uma chamada promissora de um caso médico de 1829, um artigo que tinham toques de terror e fascínio, e assim nasceu uma coletânea de histórias médicas que vão do início do século XVII até a virada do século XX.

Dividida em sete partes, todas com um texto introdutório, fica claro que ficar doentes em séculos anteriores era para os fortes, já que os próprios tratamentos são impensáveis nos dias de hoje. O que mostra a evolução da medicina e o quanto as pesquisas e a tecnologia se tornaram aliados para tratamentos com mais conforto do paciente.


Não demorei muito para perceber que é quase impossível folhear uma revista médica antiga sem encontrar pelo menos um relato irresistivelmente nojento, hilário ou bizarro.


A primeira incisão, isto é, a primeira parte, é o que incontestavelmente o autor chama de Vergonha Alheia. Algo ainda comum nos dias de hoje, conta os casos de paciente que chegam em situações constrangedoras, como um homem que resolveu usar um garfo para sanar a sua prisão de ventre, o marinheiro que resolveu engolir todos os canivetes do navio ou o menino que ficou engasgado com uma laringe de ganso.

Aqui alguns casos estão mais para arte infantil do que vergonhosos, mas fiquei pensando se casos absurdos, que estão ocorrendo neste exato momento nas salas de pronto-atendimento, poderão vir a público para a diversão de futuras gerações.


Boa parte dos casos médicos bizarros de que se tem registro cabe numa categoria que podemos chamar de "coisas inacreditavelmente estúpidas feitas por rapazes".


Na segunda incisão nos deparamos com a Insólita Medicina, onde logo na introdução somos informados da dificuldade de diagnosticar doenças raras, ainda mais sem recursos para uma investigação completa, onde os efeitos da doença só eram observados após a morte, durante a autópsia.

Entre os relatos estão um rapaz com uma substância carnosa, cuja semelhança lembrava uma serpente, em seu coração. A família que foi contaminada por uma estranha doença que gangrenava braços e pernas e os dentes que explodiam na boca das pessoas.


De acordo com a teoria humoral, as doenças seriam causadas por desequilíbrio entre os quatro fluídos corporais ou humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra.


Já na terceira incisão temos os Remédios Irremediáveis, onde são relatados alguns dos tratamentos bem estranhos. Aliás, durante a leitura inteira fica bastante claro o quanto os médicos dos séculos passados gostavam de sangrias e laxantes. Se houvesse um aplicativo para dizer qual era o tratamento naquela época, todos os casos retornariam os dois.

Além dos dois tratamentos de base, neste capítulo há coisas impensáveis, como soprar fumaça de cachimbo em diferentes partes do corpo - incluindo os pulmões do pobre doente -, pomada de ópio com suco gástrico de corvo, inalação de cigarro de mercúrio, além do uso bizarro de animais.


Se há algo que a maioria das pessoas sabe sobre a história da medicina é que os médicos de antigamente costumavam indicar alguns tratamentos bem estranhos.


Em uma época que não havia anestesia, a quarta incisão tem como sugestivo título Cirurgias Macabras relata cirurgias ousadas para o período, onde o paciente ficava acordado durante todo o tempo, independentemente do local do corte.

Entre elas nos deparamos com a cirurgia de um homem que engoliu uma faca, a autocirurgia para remover um cálculo renal, amputações e até uma cesariana realizada por um açougueiro.


A primeira transfusão de sangue humano bem-sucedida foi conduzida por James Blundell, no ano de 1818, também para tratar uma hemorragia pós-parto.


Para amenizar todo o pavor do capítulo anterior, a quinta incisão relata as Curas Extraordinárias, onde na introdução descobri que o Museu da Caça da Faculdade Real de Cirurgião da Inglaterra é uma das maiores coleções médicas do mundo - para quem curte muito o assunto, lugar para colocar no roteiro em uma viagem para Londres.

Entre as curas milagrosas relatadas estão algumas histórias de guerra, com pessoas que sobreviveram a tiros que aparentemente seriam fatais, um homem que teve o braço arrancado e não sentiu nada e um adolescente que caiu sobre uma foice, atravessando-a em seu peito.


Uma das mudanças mais surpreendentes na área de cuidados da saúde é o turismo médico, que se expande cada vez mais.


Nos aproximando do fim, temos a sexta incisão com Histórias Macabras, onde temos aquelas histórias em que existe um ponto de interrogação sobre o que é real e o que é ficção.

Aqui temos histórias de pessoas que diziam ficar semanas embaixo da água, o homem que dizia ter 152 anos, a mulher que entrou em combustão espontânea e as crenças traumáticas no período da gravidez, entre outras.


Ainda que muitos editores tivessem nobre intenções de publicar apenas a verdade pura e simples, e nada mais, suas publicações algumas vezes se perdiam no campo da completa ficção.


A sétima e última incisão trata dos Perigos Escondidos, afinal de contas, o mundo é um lugar perigoso, e situações de vida e morte estão em todos os cantos, como nos lembram nossas mães desde os primeiros anos de vida.

Nos casos relacionados pelo Thomas Morris, temos congestão por consumo exagerado de pepinos - os vegetais, deixando bem claro -, a indicação de que crianças não deveriam usar chapéus e mulheres não deveriam andar de bicicleta ou o não uso de fornos de ferro fundido.


Os médicos do século XIX eram especialmente adeptos a procurar situações de vida ou morte em qualquer lugar para onde olhassem.


Terminei a leitura convencida de que, em termos médicos, os séculos passados não eram exatamente um lugar fácil para se viver. Ao mesmo tempo observei que esta loucura em ações e palavras que observamos em todos os meios de comunicação nos dias atuais não são nenhuma novidade.

Em relação ao texto, apesar de naturalmente ter alguns termos técnicos - visto que são retirados de artigos de publicações médicas - o autor sempre as explica, deixando tudo claro o que se trata, além de sempre se ter uma contextualização histórica de quem eram e onde atuavam os autores dos relatos. 


Tirando o fato de a vida do garoto estar em perigo, é preciso admitir que eu não perderia a chance de ouvir uma criança fazendo barulhos de ganso.


A única coisa que me incomodava ocasionalmente no texto é o senso de humor um tanto peculiar de Thomas Morris. Confesso que nem tudo achei tão engraçado, e alguns comentários me parecessem um tanto desnecessários. Mas nada que atrapalhe a leitura.

Então mesmo para quem não é da área médica, o livro se torna muito fácil de ler. E super recomendo para quem, como eu, tem essa curiosidade sobre a área, não só no presente, como também em relação a como funcionava no passado. Ou simplesmente para quem quer ficar feliz de ter nascido no nosso século.


Isso mesmo: a leitura de livros (e a escrita também) não só causaria a queda de cabelo, como também poderia criar a ilusão de que seu corpo se transformara num delicioso derivado do leite.


O livro Medicina Macabra faz parte de uma série, mas não são todos ligados a medicina. Na época eram três livros e eu no impulso comprei todos. Os outros são Vitorianas Macabras, com contos de terror escritos por mulheres da era vitoriana e Antologia Macabra, que reúne contos contemporâneos de terror, todos já resenhados aqui no blog. Se ficou curioso, basta clicar nos títulos para conferir.


Medicina Macabra
The mystery of exploding teeth and other curiosities from the history of medicine
Thomas Morris
Tradução Carlos Norcia
Macabra - DarkSide
2018 - 432 páginas

terça-feira, 8 de junho de 2021

Minha Adorável Esposa



Sinopse: Um casamento sólido de quinze anos, do qual nasceram dois belos filhos. Uma boa casa e emprego estáveis. Poderia ser a descrição de milhares de casais norte-americanos, a não ser por um detalhe: esses dois matam pessoas. É assim que eles mantêm acesa a chama da atração: com noites românticas para escolher as vítimas como em um cardápio de um restaurante. Cada prato tem temperos especiais para despistar a polícia e a imprensa. E por melhor que seja a refeição, eles sempre vão querer mais.

Em junho/2020 a TAG Inéditos trouxe para os seus associados o livro Minha Adorável Esposa da escritora norte-americana Samantha Downing, cujo título é desmentido pela sinopse do livro, embora ele não seja tão óbvio como aparenta ser.

Quem nos narra a história é o marido, um personagem cujo nome verdadeiro desconhecemos. Ao cercar suas vítimas ele se apresenta como Tobias, um homem fisicamente atraente que se aproxima de cada uma através de uma mensagem de celular onde informa que é surdo.


Eu olho para a minha própria bebida e posso sentir que ela olha pra mim, querendo saber se estou tão interessado quanto ela.


Inicialmente elas sofrem um baque por não saberem como reagir, fazendo com que baixem suas guardas naturalmente, caindo na conversa do nosso narrador. O que nenhuma delas sabem é que aquele encontro não é casual, pois Millicent, a esposa, usou as redes sociais para seleciona-las.

No dia-a-dia ele é professor de tênis e ela é corretora de imóveis, possuem um casal de filhos, Rory com quatorze anos e se metendo nas primeiras encrencas e Jenna, de treze e muito estudiosa. A família mora no bairro de infância do narrador, uma área que mistura pessoas da classe média alta e os mais ricos, uma bolha segura na cidade onde vivem.


Não medi todas as opções ao meu alcance, considerando as vantagens e desvantagens, usando a lógica para definir o melhor plano de ação.


A vida deles muda quando o corpo de uma das suas vítimas é encontrado e associado a outro serial killer que assombrou a região muitos anos atrás, trazendo pânico em toda a população, inclusive em Jenna, que passa a apresentar um comportamento estranho.

Ao mesmo tempo que tentam tratar a filha, eles veem na associação uma forma de apimentar a brincadeira ao alimentar as informações de um jornalista local que cobre o caso, e assim incluindo no livro o sensacionalismo ao qual as vítimas são expostas.


Eu não compreendia na época, não podia imaginar essa possibilidade de escolher, perseguir e matar uma mulher.


O desconforto na história de Samantha Downing não está em cenas cheias de sangue ou detalhamentos de corpos, já que curiosamente os assassinatos não são o foco principal da história como é indicado na sinopse, e sim no narrador, que não passa nenhuma confiabilidade.

Ao ter apenas o olhar do marido, o leitor se divide entre os acontecimentos atuais, o de passado recente até chegar ao início do seu relacionamento com Millicent. Conforme as respostas vão surgindo e ligações são feitas, elas imediatamente ganham um ponto de interrogação: é isso mesmo ou apenas o que ele quer que a gente ache que é?


O jornal mal tinha acabado, as crianças assistiam televisão e nós ainda estávamos na mesa. Hambúrgueres vegetarianos com tomate e queijo orgânico, batata-doce frita e salada.



Embora o narrador se coloque como um participante coadjuvante dos crimes, faz também o papel de vítima, ao se apresentar como um bom pai, ao relatar a infância onde foi ignorado pelos seus pais, e o fato de ter se encontrado na ordem familiar organizado pela esposa, que também se mostra uma ótima mãe. Fazendo com que qualquer ação valha a pena para manter aquele amor, ele fará tudo para que ela nunca o abandone.

Só que todo este conjunto me fez tecer várias teorias além do que está escrito, então aqui o livro pode ter duas opções: você pode acreditar em tudo o que ele lhe diz ou você criar o seu paralelo e finalizar a leitura com vários pontos de interrogação. E aqui eu confesso, fui o segundo caso.


E eu sou a pessoa que sobe e desce as escadas, que pergunta como todo mundo está e que não toma nenhuma decisão.


No geral senti falta de um pouco de tensão, como li a sinopse, imaginei um livro mais agitado, com sequencias que causassem arrepios, e me deparei com um livro muito mais psicológico, com doses de rotina que algumas vezes te fazem esquecer que se trata de um psicopata. E por isso acho que a leitura pode cativar muito mais o leitor que busca o lado mental do que aquele que busca ação.


Minha Adorável Esposa
My lovely wife
Samantha Downing
Tradução: Hilton Lima
TAG Inéditos - Dublinense
2019 - 384 páginas

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terça-feira, 1 de junho de 2021

O clube do crime das quintas-feiras

 


Sinopse: Ninguém costuma esperar muita coisa de um grupo de idosos pacatos e inofensivos, e talvez seja exatamente isso que os torna perfeitos para passar despercebidos no mundo do crime. Toda quinta, em um retiro para aposentados no sudeste da Inglaterra, quatro idosos se reúnem para - segundo consta na agenda da sala de reunião - discutir ópera japonesa. Mas não é bem isso que acontece ali dentro. Elisabeth, Ibrahim, Joyce e Ron usam o horário para debater casos policiais antigos sem solução, confiantes de que podem trazer justiça às vítimas e encontrar os responsáveis por algumas daquelas atrocidades do passado. Quando um empreiteiro com projetos bastante questionáveis na cidade aparece morto, os quatro amigos têm a oportunidade de seguir as pistas de um caso atual, com um cadáver real e, em algum lugar à solta, um assassino de verdade.

No mês de abril/21 o clube intrínsecos entregou para os seus associados o livro O clube do crime das quintas-feiras, do apresentador e agora também escritor Richard Osmam. O mimo foram seis lápis com nomes de títulos anteriores do clube.

Joyce é relativamente nova no Retiro de Aposentados de Coopers Chase quando é procurada por Elisabeth para lhe fazer uma pergunta sobre ferimento a faca, já que soube que ela é enfermeira. Após a conversa ela é convidada a participar do clube do crime das quintas-feiras.


Matar alguém é fácil. Esconder o corpo é que costuma ser a parte difícil. É assim que você é pego.


No encontro são discutidos antigos casos não solucionados que estavam no arquivo da Policial Penny, integrante do grupo que agora está internada, sem falar e talvez ouvir qualquer coisa. O que faz com que Elisabeth a visite com frequência, contando em detalhes o andamento das investigações do grupo. 

Os outros integrantes são Ibrahim, um psiquiatra ainda procurado por alguns de seus pacientes e Ron, um líder sindical pai de um boxeador famoso. Elisabeth não tem a profissão revelada, mas logo percebemos que ela é profissional na busca de informações devido a sua vasta rede de fontes e devedores de favores.


O que eu acho, e você já deve saber disso, é que ele não gosta de você.


Tudo muda após uma reunião de consulta sobre a retirada de um antigo cemitério de freiras locais para a expansão do retiro em mais dois condomínios, quando alguns dos moradores podem assistir a discussão de Ian Ventham ao demitir o seu sócio Tony Curran do novo empreendimento.

Na sequência, enquanto pensa em como se vingar de Ian, Tony Curran é assassinado dentro de casa, trazendo para o grupo do Clube do Crime a chance de investigar um caso real, começando com a inclusão de uma policial conhecida por eles na equipe dos investigadores responsáveis, enturmando-se assim com o chefe de polícia.


Até o homem mais calmo e racional só aguenta abusos até certo ponto antes de se exaltar.


Richard Osman utiliza duas formas narrativas para contar a sua envolvente história, uma em primeira pessoa através do divertido diário de Joyce, onde conhecemos a sua vida pessoal e reações através do seu ponto de vista. E uma em terceira pessoa acompanhando todos os demais, sejam eles do grupo principal ou secundários, dando uma visão completa da história, e permitindo o leitor listar os seus próprios suspeitos.

A trama toda é bem construída, com doses de humor, suspense e drama na medida certa, o que facilmente me envolveu como leitora e fez as páginas correrem pelos dedos enquanto eu ia ajustando os meus palpites a cada desenrolar. 


Vários anos atrás, todos acordavam cedo, pois havia muito o que fazer e o dia só tem vinte e quatro horas. Agora acordam cedo pois há muito o que fazer e seus dias estão contados.


Utilizando-se do mistério, o autor nos leva a refletir sobre a questão da idade, da morte, da solidão, das perdas, das relações com os filhos, das armadilhas da mente. Nos mostrando que estes jovens com mais de setenta anos ainda possuem muito a contribuir, principalmente aqueles que mantém suas mentes afiadas, e o quanto todo o envolvimento os mantém ativos e felizes.

Assim como Nina George em seu maravilhoso romance A Livraria Mágica de Paris, Richard Osman nos recorda de forma leve e perspicaz que a idade não é um limitador para nada, talvez alguns esforços tragam dores físicas, mas tudo isso é compensado pelos desafios. Assim como um bom diálogo é a melhor forma de fortalecer os laços, já que com a idade a perda de amigos próximos se torna tão comum.


Ok, gente, eu mostro o que eu tenho, vocês mostram o que têm.


Um ótimo livro para quem anda precisando de leveza e divertimento sem deixar as reflexões totalmente de lado, quase como um lembrete de que na vida, como em uma ótima história, não existe hora marcada para parar de se aventurar.


O clube do crime das quintas-feiras
The Thursday Murder Club
Richard Osman
Tradução: Jaime Biaggio
intrínseca
2020 - 400 páginas

Esta resenha não é patrocinada, a assinatura do clube citado é pago integralmente pela autora.