terça-feira, 27 de julho de 2021

Somos todos adultos aqui


Sinopse: Astrid Strick tem 68 anos e vive uma vida aparentemente perfeita. Porém, seu caçula desistiu da promissora carreira de ator. Sua filha do meio, com quase quarenta anos, decidiu engravidar a partir de uma produção independente. E o mais velho vive de acordo com regras impostas pela preocupação com as aparências. Mas quem decide, após tantos anos, quais erros realmente importam? Quais desculpas precisam ser pedidas? À medida que enfrenta os enganos do passado, Astrid começa a perceber que não é a única a esconder segredos e que todos à sua volta estão tentando entender quem são.

No mês de junho recebi da minha assinatura da TAG Inéditos o livro Somos todos adultos aqui da escritora norte-americana Emma Straub. O mimo foram porta-retratos em imã, que eu já usei e por isso não aparecem na foto, e 50 fotos impressas em uma parceria com a Foto Registro.

Em um dia normal de sua rotina, Astrid assiste de dentro de seu carro outra moradora, Barbara Baker, morrer após ser atropelada por um ônibus escolar que estava vazio e em alta velocidade. O contato inesperado com a morte neste dia irá mexer com ela de uma forma irreversível, como até agora ainda não havia acontecido.


A lavagem profissional do cabelo era uma herança da geração da mãe dela, uma afetação que a própria mãe não havia adotado, e, no entanto, aqui estava.


Ela ficou viúva quando os três filhos entravam na vida adulta, considerada fria e prática em seu círculo mais íntimo, aos 68 anos ela irá surpreender a todos ao assumir o seu relacionamento com outra mulher, Birdie, o que vai gerar reações bem diferentes dentro da família.

Elliot é o filho mais velho, por ter sido visto beijando um amigo na adolescência pela falecida Barbara, sua mãe evitava a outra mulher. Na vida adulta não tem grandes demonstração de afeto, casado com Wendy, praticamente foge de ajudar nos cuidados dos gêmeos de três anos. Guarda muitas mágoas da mãe por essa ter duvidado da sua capacidade profissional.


Qual é o sentido de ter filhos se você se livra deles antes mesmo de eles terem algo interessante para dizer?


A única filha e a do meio entre os três é Porter, uma mulher de quase quarenta anos que sabe administrar muito bem a sua vida profissional, mas na pessoal ainda parece uma adolescente, inclusive agindo como uma. Não tendo possibilidades de ter filhos com o homem que acredita amar, pois este é casado, acaba optando por uma produção independente.

O caçula é Nick, um ex-ator que prefere viver longe da mãe, casado com uma francesa e com um estilo de vida diferente dos irmãos, é o pai de Cecelia, atual razão para todas as suas inseguranças, a ponto de no primeiro problema envolvendo a filha na escola, invés de defende-la ele a envia para morar com a avó Astrid.


Aquilo era romance ou codependência, a necessidade esmagadora da outra pessoa para poder voltar ao eixo?


Cecelia tem apenas treze anos e sempre busca fazer o que é certo, o que acaba eventualmente colocando-a em problemas com os grupos de meninas mais populares. Na nova cidade ela faz amizade com August Robin, um menino que se identifica como menina, mas só consegue ser ele mesmo em um acampamento de férias e junto de seus pais, que apoiam tudo com muito carinho.

Tudo isso em uma fictícia e utópica cidade pequena, que ficaria próxima a New York, com moradores que seguem todas as regras, protegem o comercio local, é muito segura e LGBTQIA+ friendly. O que me faz pensar que não foi coincidência o envio do livro no mês de junho.


Havia pessoas na escola que ele conseguia tolerar, pessoas para quem podia ligar para falar do dever de casa se estivesse doente, mas não eram amigos dele.


Se me perguntassem que definição sucinta eu daria para Somos todos adultos aqui, eu responderia que é uma DR - discussão de relacionamento - generalizada realizada com muito respeito. Principalmente no que se refere ao relacionamento pais e filhos, já que temos diferentes perfis, o que torna o conjunto de laços, mágoas, histórias e culpas bem distintas.

Do apoio total a relacionamentos egoístas, a criação acaba ecoando nos relacionamentos íntimos, na forma como o parceiro é tratado, dos sonhos que são abandonados, do que se permita que se faça.


Estava tentando ser o tipo de mulher que gostaria de ter como mãe - instruída, mente aberta, esse tipo de coisa.


E naturalmente, com tanta discussão vindo à tona, acabam vindo reflexões anteriores, que vão mudando o que se é agora, indo do aspecto físico ao comportamental. A diferença entre o que se quer e o que se é também acaba indo para a berlinda, permitindo assim uma evolução de cada um, como encarar os próprios segredos e hipocrisias.

A narrativa fluída em terceira pessoa vai mudando o foco do personagem a cada capítulo, embora creio poder dizer que o centro da trama é Astrid, que não só dispara a faísca dentro da família como é quem vai guiando as relações.


Essa era a pior parte de ser adulta, entender que não havia justiça no mundo, nenhuma mão invisível na brincadeira do copo.


E apesar de toda a DR, o livro não é pesado, mas um passeio pela vida adulta, pelas diferenças de gerações, podendo ou não trazer à tona os próprios fantasmas do leitor, conforme sua história de vida. Uma história bacana para ler com uma caneca de chá ou de vinho, se deixando levar pela família Strick.


Somos Todos Adultos Aqui
All Adults Here
Emma Straub
Tradução: Camila Von Holdefer
TAG Inéditos - Harper Collins
2019 - 350 páginas

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terça-feira, 20 de julho de 2021

Pequena Coreografia do Adeus


Sinopse: A protagonista é Júlia, jovem que chegou à vida adulta tentando juntar os cacos de um relacionamento destroçado: sua mãe não suporta a ideia de ter sido abandonada pelo marido, enquanto o pai não suporta a ideia de ter sido casado. Ela cresceu sufocada por uma atmosfera de brigas constantes e a falta de afeto e, pouco a pouco, tenta se desvencilhar da bagagem familiar.

A história começa ainda na infância de Júlia, ao ver o pai a distância acompanhado de outra mulher, ela se sente abandonada, invisível, e é tomada por um grande desejo de correr até a figura feminina e lhe pedir para ser adotada, e assim receber amor. 


ela era mais bonita que a minha mãe

cheirava melhor também


Mas o pai não lhe vê, e assim ela acaba jogando toda a sua raiva na amiga que a acompanhava, socando a menina. A reação pode parecer extrema, mas é o exemplo que ela tem em casa, quando a mãe externa todas as suas infelicidades através de grandes surras na filha.

A mãe de Júlia é um ser distante, que bebe e só se aproxima da filha na madrugada, quando a menina compartilha com ela a cama, ocupando o espaço que ela não queria que estivesse vazio. São os únicos momentos de afeto, ao qual a personagem se agarra com grande fervor.



e segurava a mão do meu pai, entrelaçada, tão bonita quanto uma atriz de cinema.


Já o pai não quer nem pensar em ficar com a menina, lhe sendo suficiente as visitas esporádicas nos dias de domingo, que lhe tiram qualquer responsabilidade no crescimento da filha e em sua orientação, e assim lhe deixando livre para recuperar a juventude perdida.

E neste ambiente caótico ela irá iniciar o ciclo de despedidas e primeiras vezes que todas as mulheres passam, da menstruação que dá adeus a infância, nas adaptações ao próprio corpo, as tentativas de ter novas habilidades, até finalmente encarar de frente todo o peso da figura materna que ela carrega e decidir se quer ou não manter aquela relação abusiva.


Ela derramava o seu óleo de insatisfação pelos cômodos formando um longo tapete de Dor e Glória.


Eu desconhecia a escritora Aline Bei e fiquei simplesmente encantada pela escrita sensível e forte que encontrei em Pequena Coreografia do Adeus, que mistura de forma gentil sentimentos como ausência, solidão, inferioridade, carência e afetividade após descrever situações que envolvem perdas e descobertas, além dos sonhos que a própria personagem tem e busca a sua maneira realizar.

Tudo começa com a forma como o texto está em cada página, em um primeiro momento o leitor pode pensar que se trata de poemas, pela forma como as frases estão distribuídas, e talvez não esteja tão enganado, pois existe um toque lírico na narrativa.


as pessoas morrem, ninguém precisa estar doente ou velho para que isso aconteça, a Morte se instala muitas vezes sem aviso


Aliás, a forma é uma das coisas que mais me atraíram neste livro, como o fato de algumas palavras possuem tamanhos diferentes, o que mudou a minha percepção de leitura, como se elas me fizessem sentir com mais força cada sentimento e sensação da personagem. Assim como a utilização da narrativa em primeira pessoa, que neste caso tornam a Júlia muito próxima do leitor, o que inúmeras vezes me provocava o desejo de poder abraça-la.

Pequena Coreografia do Adeus é um livro de leitura rápida e intensa, que provoca o leitor a relembrar os próprios adeus, enquanto sente a impotência de não poder proteger a própria Júlia. Em paralelo ele explora algumas faces das relações humanas, começando com as mais íntimas entre pais e filhos - e quebrando assim o paradigma do amor automático -, até evoluir para amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos, estes as vezes muito mais amigáveis e dispostos ajudar do que qualquer outra pessoa mais próxima.



a máscara era o meu passaporte, um sinal de que cedo ou tarde eu também realizaria os meus sonhos


Uma bela história para ser lida a qualquer momento, onde memórias e laços afetivos vão se desenroscando para abrir espaço para o novo, para a própria busca, e de como isso pode ser ao mesmo tempo doloroso e libertador.





Pequena Coreografia do Adeus
Aline Bei
Companhia das Letras
2021 - 282 páginas
Onde encontrar: Amazon

Esta linda edição autografada faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

terça-feira, 13 de julho de 2021

Nossa Parte de Noite


Sinopse: Gaspar é o filho que o pai tenta, em uma cruzada solitária, resguardar do destino que lhe é designado. A mãe do garoto morreu em circunstâncias obscuras, em um suposto acidente. Ele, assim como o pai, recebeu o chamado para ser médium em uma sociedade secreta, a Ordem, que se relaciona com a Escuridão em busca de vida eterna, sacrificando o presente em rituais atrozes. Para tais rituais, é imprescindível a presença de um médium, mas o destino desses detentores de poderes especiais é cruel, já que o desgaste físico e mental é rápido e implacável. As origens da Ordem, comandada pela família da mãe de Gaspar, remontam a séculos, quando o conhecimento da Escuridão foi trazido da África para a Inglaterra e dali se estendeu à Argentina.

No mês de maio/21 recebi da minha assinatura da intrínsecos o livro de realismo fantástico Nossa Parte de Noite da escritora da escritora argentina Mariana Enriquez, título que ganhou o Premio Herralde, premiação importantíssima para a literatura em língua espanhola.

Juan é um homem bonito, sua aparência que atrai olhares esconde a sua fragilidade cardíaca e o seu dom em ser o oráculo da escuridão. O dom, que parece mais uma maldição, o fez ser afastado da sua família de origem ainda criança, quando o cirurgião cardíaco Dr. Bradford, que pertence a uma ordem muito antiga, o identificou como médium, induzindo aos seus pais entregar o então menino Juan para ele.


Outros meninos teriam também esse sono tão superficial, tão alerta?


Ao conviver com a rica família dos Bradford, o menino é testado e usado para atender aos desejos dos superiores da ordem. É quando conhece Rosário, a filha de uma das mulheres mais influentes do grupo, os dois crescem juntos e acabam formando uma família.

Ao identificar cedo que o filho apresenta o mesmo potencial que o pai, tanto Juan quanto Rosário decidem que ele precisa ser protegido da família materna, buscando apoio entre pessoas de confiança. Desejo que é fortalecido após o estranho acidente que custou a vida de Rosário, espírito que Juan busca incansavelmente e nunca encontra.


O que se escondia ao fim do corredor estava assustado e não era perigoso, mas era antigo e, como tudo o que é muito velho, era voraz, infeliz e invejoso.


E nesta queda de braço entre o médium e os poderosos, o leitor é levado a acompanhar os acontecimentos políticos e sociais na Argentina durante os anos de 1960 a 1997, onde os atos humanos são tão ou até mais assustadores que os sobrenaturais apresentados no livro.

Mariana Enriquez divide o seu mundo de escuridão em seis partes, em um vai e vem entre o passado, onde o leitor começa a encontrar as peças que vão fechar o quebra cabeça. Utilizando a narrativa em terceira pessoa, a história gira em torno de Juan, Gaspar e Rosário, trazendo não só visões adultas, mas também infantis e do final da adolescência. Ainda há dois capítulos que acompanham o olhar de outros personagens, para nos fazer compreender melhor a crença na escuridão e o risco de se deparar com ela sem os devidos cuidados.


A demonologia cristã podia funcionar em outros espaços, mas nunca com tanta eficácia como nos lugares consagrados.


Identificado como terror, Nossa Parte de Noite muitas vezes me pareceu ser uma espécie de metáfora para os anos de ditadura na Argentina, com pessoas de todas as idades sendo tiradas de suas famílias, tendo os seus corpos torturados e por fim largados em qualquer lugar. Somado a isso, há o outro tipo de poder, o das diferenças sociais, sendo bem forte a linha que separa os que dependem e os que possuem o poder.

Pois sim, o livro é uma grande crítica as questões sociais e políticas. A Ordem da Escuridão é só uma base para ilustrar as diferenças de classes, os desaparecidos, o que se pode fazer pelo poder, em como atender a sua vaidade custe o que custar, principalmente quando se acredita que não é a sua vida que está em risco.


Depois viu como os Iniciados não conseguiam deixar de levantar os braços e tocar a Escuridão, que comia dedos, mãos.


Ele também vai abordar as questões sexuais, seja pelo fato de utilizar o sexo como forma de canalizar energia para rituais, até os tempos atuais onde escancara os preconceitos, a escolha de parceiros até a chegada da Aids, doença que ainda era sentença de morte nos anos 90. Aqui vi algumas semelhanças nos caminhos escolhidos entre o personagem Pablo e o César do livro Gostaria que você estivesse aqui, mostrando que a realidade no país vizinho não era diferente da nossa.

O livro também é uma espécie de roadtrip, visto que as viagens pelas estradas argentinas, as caminhadas pelas pequenas e grandes cidades, e até mesmo a passagem de parte dos personagens por Londres, nos leva mentalmente sair das páginas e se sentir realmente vendo o que é narrado.


Os crimes da ditadura eram muito úteis para a Ordem, forneciam corpos, álibis e correntes de dor e medo, emoções que eram úteis para manipular.


Eu adoro o estilo realismo fantástico, e sim, devorei o livro muito mais rápido do que imaginei. Pois ele me instigava a confirmar teorias, ao mesmo tempo que se desejava entender que fim aquela queda de braço teria. 

Na história ninguém é 100% bom, todos, sem exceção, possuem um lado sombrio. Motivo pelo qual a ambição e o desejo de imortalidade afetam a todos. Existem os que carregam culpas e são corroídos por elas, existem os sem opção, e tem os que amam tudo o que está ocorrendo, em uma troca constante de quem manipula quem. 


Andava com as mãos esticadas e, se percebia que estavam muito quietos, os tateava para confirmar qual deles estava vivo e qual tinha morrido.


O resultado disso é um livro bastante pesado, que pode levar o leitor mais sensível a temer a própria escuridão que o rodeia. Não é fácil se livrar de seus ecos mesmo após finalizar a leitura, já que a sua fantasia nem sempre é tão fora da realidade, o que torna toda a opressão e os misticismos apresentados ainda mais intenso.

Eu gostei bastante do livro, e acho que para quem curte o gênero é uma ótima opção de leitura, ao qual recomendo sem medo de ser xingada. Só não vale me culpar se depois só querer dormir de luz acessa.


Nossa Parte de Noite
Nuestra parte de noche
Mariana Enriquez
Tradução: Elisa Menezes
intrínseca
2019 - 542 páginas

Esta resenha não é patrocinada, a assinatura do clube citado é pago integralmente pela autora.

terça-feira, 6 de julho de 2021

O Pássaro Secreto


Sinopse: Vencedor do Prêmio Kindle 2021, O pássaro secreto, de Marília Arnaud, apresenta a história de Aglaia Negromonte. Possuída por algo que lhe rasga o peito, sua vida toma rumos inesperados quando o grande segredo do pai, a existência de uma filha fora do casamento, é relevado à família. Afinal, como seguir adiante quando toda a sua vida parece uma mentira e vai sendo, pouco a pouco, tomada por uma intrusa?

Recebi no mês de maio/21 da minha assinatura da TAG Curadoria o livro O pássaro secreto da escritora paraibana Marília Arnaud. O mimo foi um livro de contos chamado Partes de uma casa.

A personagem principal e narradora é Aglaia, filha de um ator e uma professora universitária, ela tem dois irmãos mais novos e inúmeros problemas, como bulimia e uma tendência a violência quando as coisas não estão do jeito esperado.


Talvez exista um lugar de onde não se pode mais retornar, onde a vida não pode ser restituída.


É uma menina que se descreve como gorda, que diz comer tudo o que vê, em qualquer horário, e que também vomita o que foi ingerido. O que gera a primeira dúvida em relação a  personagem, se ela realmente era gorda e sofria bullying por isso ou se ela tem distorção de imagem e afasta os demais por sua arrogância.

Arrogância por não se privar de tentar mostrar que sabe mais do que todos os colegas e professores, somente pelo fato de ter lido obras que a princípio não seriam para a sua idade. Aliás, suas longas listas de livros a tornam um tanto pedante, lembrando aqueles leitores intelectuais que torcem o nariz para determinados livros e só consideram de mesmo nível quem leu determinados clássicos. 


Gigante cego, esmagava quem se pudesse no seu caminho, quem atravessasse à sua frente.


Observa-se também que ela tem uma grande necessidade de chamar a atenção de seu pai, ao qual parece alimentar um complexo de Electra, principalmente ao cobrar reações de sua mãe em relação ao comportamento do marido, sua tristeza e perdão são considerados fraqueza pela filha mais velha.

O copo emocional da personagem transborda ao descobrir que tem uma irmã mais velha morando na França. Filha de seu pai com uma atriz francesa, a jovem ficou órfã e irá morar junto com a família. A menina é descrita como uma perfeição, parecendo centralizar todos os afetos de Aglaia, onde inclui sua amada avó e o seu amor platônico.


Diferenças eram diferenças, e pior sorte tinha quem as carregasse.


O acolhimento e afeto por todos os integrantes da família com a recém chegada desperta as atitudes mais absurdas em Aglaia, aos quais ela se refere como impulsionados por uma coisa, o pássaro secreto do título. Onde nem psiquiatras nem os remédios conseguem trazer um ponto de equilíbrio, até pelo fato de ela não ser sincera com eles.

O Pássaro Secreto de Marília Arnaud tem como curiosidade as diferentes formas como a leitura pode ser realizada. Apesar do livro possuir os capítulos sequenciados, na verdade ele pode ser lido de duas maneiras distintas, página após página ou separando os capítulos ímpares dos pares, já que apesar da personagem ser a mesma, eles não ocorrem ao mesmo tempo. 


Uma das lembranças mais nítidas que guardo da minha infância é a sensação do aconchego do seu corpo, do cheiro da sua pele, do calor da voz.


Com isso os capítulos impares são mais curtos e diretos, e os pares mais longos, onde a personagem conta todos os fatos pelo seu olhar. Aqui confesso que senti necessidade de um segundo narrador, visto que como a própria personagem se define como mentirosa, não é possível distinguir o que é verdade e o que é imaginação.

E isso é fortemente indicado pela sua identificação com o personagem Iago, da peça Otelo do escritor inglês Shakespeare, cujas características são associadas a intriga e manipulação dos que estão ao redor. Algo que a personagem não consegue em seu núcleo familiar e que me fez pensar pela reação dos seus dois irmãos mais novos - que muito pouco aparecem na história - o que ela já havia feito a eles.


Descobri que as histórias mais perturbadoras contadas em livros não são mais perturbadoras do que a realidade, com sua fome de vida e de morte.


Uma curiosidade são os nomes das três irmãs, escolhidos pelo pai, elas representam as Três Graças da mitologia Grega, sendo Tália (a irmã que chega) a que faz brotar flores, Eufrosine (a caçula) o sentido da alegria e Aglaia (a narradora) a claridade. No caso de Aglaia, o significado dá um tom a mais para ela não se identificar com o nome, já que ela tende mais a escuridão.

Para quem adora encontrar referências de outras obras, como não poderia deixar de ser com uma narradora tão ligada a livros, eles estão presente por quase toda obra, as vezes até de uma forma um tanto exagerada, na minha humilde opinião, o que algumas vezes me passou uma ideia de bengala, já que na história em si não agregava muito.


A vida me empurrou para a escuridão ou eu nasci com a escuridão dentro de mim?


Ao mesmo tempo é possível se recordar de algumas leituras no decorrer das páginas, o choro de Aglaia ao nascer me lembrou muito a personagem Tita de Como água para chocolate da escritora Laura Esquivel , ao relacionar as lágrimas como prenuncio do que enfrentaria no futuro. No caso de Tita, o futuro egoísta definido por sua mãe mais do que justificavam as lágrimas que vinham desde o ventre, já no caso de Aglaia, parece mais uma menina mimada que acaba sofrendo as consequências de seus próprios atos.

Há também uma grande referência ao adorável livro infanto-juvenil A Bolsa Amarela da escritora Lygia Bojunga, quando ela diz ter os mesmos ter desejos da personagem Raquel: ser grande, ser escritora e ser um menino. 


Deveria existir uma lei dispondo sobre o amor para todos, com igualdade de forma e quantidade.


Eu particularmente nem gostei nem desgostei da leitura. Como diz o chef Jacquin, faltou um pouco de tômpero na minha opinião. Mas é um livro de escrita fluída, que possibilita rápida leitura, ao mesmo tempo que pode ser muito interessante para quem curte ficção com base em distúrbios mentais. 


O Pássaro Secreto
Marília Arnaud
TAG Curadoria - José Olympio
2021 - 270 páginas

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