quinta-feira, 27 de maio de 2021

Nêmesis


Sinopse: O último romance de Philip Roth tem como ponto central um surto de poliomielite no verão de 1944 e seu efeito em uma comunidade de Nova Jersey unida por fortes vínculos culturais e valores familiares. Bucky Cantor, o protagonista, é um jovem atleta que dá aulas de educação física em uma escola judaica e nutre profunda devoção por seus alunos, mas convive com a decepção de não poder lutar na guerra devido a sua forte miopia. À medida que a poliomielite atinge as crianças sob sua tutela, ele terá que lidar com a realidade de sofrimento e pânico que o cerca. Movendo-se entre as ruas escaldantes da cidade de Newark e uma colônia de férias para crianças nas montanhas Pocono, Nêmesis retrata um homem que se vê envolvido em uma guerra particular contra perdas devastadoras. Roth registra com precisão os estados emocionais e cada passo de Cantor em sua tragédia pessoal.

Como é informado na sinopse, a TAG Curadoria do mês de abril/21 enviou aos seus associados o último romance do premiado escritor Philip Roth, indicação da historiadora, professora, entre outras coisas, Lilia Schwarcz. O mimo foi um copo americano, o meu foi o da Raquel de Queiroz e o seu O Gole de Ouro, uma referência ao livro O Galo de Ouro da escritora.

No verão escaldante de 1944 em Newark, uma cidade do estado de Nova Jersey, as crianças filhas de famílias que não tinham condições de irem para lugares mais frescos, passavam suas férias em um pátio de escola, sob a supervisão de Bucky Cantor, um professor admirado por todos, que assume a tarefa com a sua característica seriedade.


A preocupação com as graves consequências de contrair uma forma séria da doença era ainda maior por não existir nenhuma droga capaz de combatê-la e nenhuma vacina que criasse imunidade contra ela.


Mas após o feriado que marca o início da estação, ocorre o primeiro caso de poliomielite. A primeira orientação é não se dobrar ao medo e permitir que as crianças sigam a sua vida normal, brincando e interagindo normalmente. Mas logo a cidade se vê enfrentando um surto da doença, atingindo inclusive as crianças do pátio que aos poucos começam a ser hospitalizadas, seguida de casos de morte e paralisia.

Cantor logo se sente pressionado entre proteger os meninos que o seguem e o próprio pânico de ser infectado, embora por ser adulto o risco seja menor. Somado a isso está a namorada, que em sua preocupação arranja uma oferta de emprego para o rapaz longe do foco do surto, um convite tentador para as frescas montanhas Pocono.


Mas, enquanto eles se recuperam no hospital, temos que continuar a viver nossas vidas.


Em paralelo a toda esta situação ele lida com o sentimento de fracasso de não ter acompanhado seus dois melhores amigos e lutar junto a eles na Segunda Guerra Mundial, já que sua estrutura saudável não foi suficiente para que o exército ignorasse a sua agressiva miopia e o aceitassem. Tornando a decisão da sua troca de ares quase como uma deserção.

A soma de tudo acaba explodindo na cabeça deste jovem homem, que convive com a perda desde o nascimento, quando sua mãe morre no parto, levando a questionamentos de fé, além de um julgamento rigoroso de si. Onde ele e Deus se alternam no papel de responsáveis em uma situação sem controle.


Nunca mais vimos nosso filho vivo. Morreu sozinho. Nem uma chance de dizer adeus.


Sentimentos como culpa e fracasso logo dominam os seus pensamentos, e na busca de um vilão pela tragédia que acomete as crianças que lhe são próximas, logo vem os questionamentos sobre Deus e sua real bondade, até chegar no ponto de atribuir a responsabilidade a Ele de tudo de ruim que acontece ao seu redor.

Nêmesis é dividido em três partes, sendo duas centradas nos acontecimentos do passado e a última transportando o leitor para o presente, e assim apresentando o próprio narrador da história.


Todos conheciam muito bem um ou outro dos que haviam sido atingidos pela doença na véspera e, se antes lhes escapava a plena compreensão da natureza da ameaça, agora entendiam que havia uma chance real de pegarem a doença.


Em um livro curto, de escrita fluída, Philip Roth coloca o leitor em uma comunidade judaica, em um mundo em polvorosa, a poliomielite acaba somando-se a preocupação de seus habitantes, despertando as mais diferentes reações, que vão da tristeza extrema a busca por um responsável pelo cenário trágico.

Mas ao contrário do que se possa imaginar, o foco não é o surto de poliomielite em si, mas como Cantor reage a tudo o que lhe aconteceu na vida, assim como a busca constante e fracassada da possível imagem que o avô, já falecido, teria esperado dele.


Precisava que toda a família dela lhe dissesse como viver como um adulto de uma forma que ninguém, inclusive seu avô, o fizera até então.


Por isso me arrisco dizer que aqui estamos lidando com uma visão de um homem em relação as suas opiniões, crenças, dúvidas, sonhos, perdas, orgulho, honra, autoestima ao se ver em uma situação limite para ele, já que cada pessoa reage de uma maneira diferente dentro da própria história.

No geral é um livro bom, não é uma história fantástica, mas está longe de ser ruim. Possibilita algumas reflexões, não sendo difícil transpor algumas das situações para o nosso momento atual. Sendo um livro muito mais sobre consequências do que causas.


Não fosse por Deus, não fosse pela natureza de Deus, elas certamente seriam diferentes.


A título de curiosidade, já que na história a forma de contaminação da poliomielite é desconhecida, conforme o site da Fiocruz a transmissão pode ocorrer através da boca, com material contaminado com fezes (contato fecal-oral), pode ser disseminado por contaminação da água e de alimentos por fezes e através de gotículas expelidas ao falar, tossir ou espirrar. Graças a vacinação, a doença encontra-se erradicada no Brasil, tendo ocorrido o último caso em 1989.


Nêmesis
Nemesis
Philip Roth
Tradução: Jorio Dauster
TAG Curadoria - Companhia das Letras
2010 - 199 páginas

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terça-feira, 25 de maio de 2021

A garota que não se calou



Sinopse: A garota que não se calou conta a história de Adunni, uma jovem que, mesmo tendo crescido em uma vila rural nigeriana, almeja por estudar e ser ouvida. Após ser vendida pelo pai para ser a terceira esposa de um homem ansioso para que ela lhe dê um herdeiro, Adunni foge, buscando transpor os obstáculos da pobreza, do machismo e de uma sociedade arcaica. Corajosa, Adunni vai contra todos aqueles que dizem que ela não pode sonhar.

No mês de abril a TAG Inéditos enviou para os associados a inspiradora história A garota que não se calou, da escritora nigeriana Abi Daré. Como mimo, um pequeno copo de vidro, eu recebi A Hora da Saideira da Clarice Lispector, uma referência a conhecida obra A Hora da Estrela, já resenhado por aqui.


Pra dizer a verdade, o dia que eu parei de ir pra escola e o dia que minha mãe morreu são os piores da minha vida.


A mãe de Adunni sempre incentivou a filha a estudar, dizendo que esta é a forma de tornar sua voz mais alta e se fazer ouvir pelas pessoas ao seu redor. Antes de morrer, ela faz o marido prometer que não irá casar a menina de quatorze anos e seguirá pagando os estudos da filha, para que ela tenha um futuro diferente das outras meninas que a cercam.

Mas o pai de Adunni não cumpri a promessa. Em meio à pobreza extrema, ele opta em ficar com os dois filhos meninos e em troca do dote da filha aceita o pedido de casamento de Morufu, um homem mais velho que trabalha como motorista de táxi da aldeia onde eles moram.


Eu não quero chorar na frente desse homem. Eu nunca, nunca quero mostrar para ele nenhum sentimento meu.


Morufu já possui duas esposas, e com elas só teve filhas mulheres, e assim ele consome a relação sem dó e piedade com essa menina-criança, em busca do filho homem. Enquanto se adapta a uma rotina longe dos estudos, Adunni acaba se envolvendo em uma situação perigosa, que a faz fugir e assim romper os laços com a família.

Levada para trabalhar como empregada doméstica em Lagos, o que no início parecia salvação, vira servidão. Mas Adunni nunca desiste do seu sonho, e entre as diferentes situações que ela enfrenta, é isso que a mantém em pé, mantendo a esperança dela e de quem lê as suas palavras.


Pra que fazer do mundo um lugar grande, triste e silencioso porque todas as crianças não têm voz?


A escrita Abi Daré nos presenteia com um livro forte e ao mesmo delicado sobre a importância da educação, o papel das mulheres em todas as idades, e o forte machismo em todas as classes sociais da Nigéria, onde a mulher, por mais sucesso que tenha, não possui os mesmos direito dos homens.

Sua forma narrativa pode causar um estranhamento inicial, como ela utiliza primeira pessoa, nos colocando dentro da mente de Adunni, nós a lemos com todos os erros de linguagem, já que ela não teve uma educação completa. 


Eu sei o significado de abandonar. Eu sei que significa que é quando alguém te deixa sozinha. Que é quando você não tem utilidade pra pessoa. Um desperdício desperdiçado.


No meu caso, o efeito deste estilo de narrativa foi uma leitura foi mais lenta, pois o meu cérebro insistia em corrigir as palavras. Ao mesmo tempo tornou Adunni muito real para mim, pois não teria como uma menina que frequentou poucos anos na escola narrasse de forma perfeita, deixando apenas para os diálogos a diferença de linguagem.

Reais também são as suas descrições, que despertam os sentidos como se por um momento eu estivesse dentro do corpo fictício de Adunni, sentindo os cheiros, tendo a mesma visão, a mesma sensação ao toque e até um milésimo do eco da sua dor.


Você sou eu. Eu sou você. Nossas patroas são diferentes, mas elas são iguais.


Como efeito colateral, esta menina que não tem vergonha de perguntar, que muitas vezes coloca em voz alta questionamentos que são verdadeiros dedos na ferida, nos impulsiona a novos questionamentos sobre o mundo que nos cerca, principalmente quando quem o lê é uma mulher.

Pois os questionamentos de Adunni são globais entre todas as mulheres, e não possuem resposta, já que eles são o olhar do absurdo, do machismo, de uma estrutura que ainda não foi quebrada, mostrando que há ainda muito a conquistar em relação a respeito e igualdade.


Quero perguntar, gritar, por que as mulheres na Nigéria estão sofrendo por tudo muito mais que os homens?


Finalizei a leitura achando a história muito bonita, sendo um sopro de esperança mesmo em meio a tanta violência. Ao unir os ensinamentos de uma mãe forte e com uma visão diferente sobre a criação de sua filha com a importância de não desistir, e somar a isso o apoio de pessoas que são verdadeiros anjos com o aspecto cultural de um país, o resultado foi de uma leitura que ficou ecoando mesmo após fechar a última página.

Por isso ouso dizer que A garota que não se calou é o tipo de livro que a leitura se torna essencial pra refletir sobre temas bases para a criação de nossas meninas.


A garota que não se calou
The girl with the louding voice
Abi Daré
Tradução: Nina Rizzi
TAG - Verus Editora
2020 - 352 páginas

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terça-feira, 18 de maio de 2021

A Palavra Que Resta

 


Sinopse: Uma carta guardada por mais de cinquenta anos - e jamais lida. É essa a relíquia que Raimundo leva consigo. Homem analfabeto que na juventude teve um amor secreto brutalmente interrompido, ele resolve que ainda é tempo de aprender a ler e talvez decifrar essa ferida aberta do passado.

Recebi pelo Time de Leitores da Companhia das Letras no mês de abril o bonito e dolorido A Palavra que Resta do escritor cearense Stênio Gardel. Junto veio uma carta do autor, um bloco de notas e um lápis, o que deixaram o recebido ainda mais único.


Setenta e um anos e essa invenção, como ele diz, de aprender a ler e escrever depois de velho.


Passados mais de cinquenta anos que carrega uma carta fechada para todos os lugares, Raimundo Gaudêncio de Freitas decide aos 71 anos aprender a ler e escrever para finalmente ler o seu conteúdo e quem sabe assim responder a vários questionamentos que o perseguem.

Conforme ele toma conhecimento das letras e de como assinar o próprio nome, ele e o leitor retornam ao passado do personagem, quando ele era apenas um menino na roça, ajudando o pai no trabalho braçal, participando das atividades da sociedade local, sofrendo com a família a perda dos irmãos gêmeos e descobrindo o amor nos braços do melhor amigo Cícero.


Não podiam ser contra a natureza então que eles pudessem viver juntos, crescer num só.


Mas a criação no sertão é dura, um machismo passado de geração em geração, e quando o pai de Cícero os vê, a dor da pele não consegue atingir o coração da mesma forma que as palavras maternas, e ao menino Raimundo só resta ir embora do único lugar do mundo que conhece.

Na cidade ele também irá tentar se esconder, finge gostar de mulher na frente dos amigos, enquanto busca nas sombras outros iguais. Até o destino lhe levar até Suzzanný - que nasceu Francisco e vive a realidade das ruas -, e através da sua  provocação e acolhimento o faz começar a quebrar os próprios preconceitos e finalmente descobrir o que deseja para si.


Pois eu acho que tu devia ir embora, pra longe, por que depois do que tu fez tu não pode mais ficar aqui não.


Posso dizer que o primeiro romance de Stênio Gardel mexeu comigo durante toda a leitura, pela sensibilidade e realismo que o seu personagem Raimundo carregou pelo decorrer das páginas.

É surpreendentemente lógico como a separação da família e do primeiro amor jamais esquecido norteiam inconscientemente os passos de Raimundo, sendo representado simbolicamente por uma carta fechada e não lida. Como se ali estivessem todos os abraços, palavras e afetos de quem lhe faz falta.


Monte de amiga minha que foi pra noite e amanheceu na sarjeta com a boca cheia de formiga, e eles mal dão um papel pra elas não serem enterradas como indigente.


Também é triste ver quanta dor é causada pelo preconceito, e quanto a vergonha impedem a pessoa de ser o que ela gostaria, sendo um limitador em tempo integral de ações, pensamentos e relações.

E em contraste a tudo isso, quando eu já sentia vontade de pular no pescoço do pai de Raimundo, Stênio nos apresenta um pedaço de sua história, onde as reações de Damião são de certa forma compreendidas, embora não aceitas. E se entende que a dor de cada agressão dói na alma de pai e filho, por motivos injustos e irreversíveis.


Mas tu não entendeu, eu queria mudar minha cabeça pra não pensar mais que é errado, deixar ela igual ao coração, era isso.


Como leitora, precisei me situar em uma realidade muito diferente da minha, ao ser colocada no sertão do Brasil - que também poderia ser outro local onde as famílias são mais tradicionais -, onde um pai julga desnecessário um filho aprender a ler, onde a criação passa de geração em geração carregada de machismo e preconceito, onde os desvios da vida não servem para as pessoas evoluírem, mas sim para reforçarem valores arcaicos.

O tipo de leitura necessária para conhecer outras realidades, para se ter mais empatia, para tentar ao mesmo compreender e respeitar a dor do outro. Uma história de amor que poderia ser linda e não machucar ninguém, se eles tivessem simplesmente tido a liberdade de vivê-la.


A Palavra que Resta
Stênio Gardel
Companhia das Letras
2021 - 151 páginas  

*Livro recebido pelo blog por participar do Time de Leitores 2021 do Grupo Companhia das Letras

terça-feira, 11 de maio de 2021

O Sol Mais Brilhante



Sinopse: Leona, uma antropóloga americana, dá à luz em um remoto vilarejo massai no interior do Quênia e precisa decidir se quer ou não ser mãe. Jane, a solitária esposa de um funcionário da embaixada dos Estados Unidos, segue seu marido para os trópicos e vê como a vida pode ser frágil no continente africano. Simi, uma mulher massai estéril, precisa confrontar sua infertilidade em uma sociedade em que as mulheres são valorizadas apenas pelo seu papel como reprodutoras. Em uma obra singular, essas três mulheres tão diferentes entre si enfrentam a maternidade, encaram tragédias e amadurecem diante das dificuldades não somente do cenário subsaariano, mas da existência humana.

Enviado em Maio/20 pela TAG Inéditos, o livro da escritora americana Adrienne Benson une o tema maternidade com o local de infância da autora como fundo, tendo como resultado um livro de escrita fluída e delicada.

Leona cresceu nos Estados Unidos, teve parte de sua vida marcada pelas visitas ao seu quarto pelo seu pai e a cegueira auto imposta de sua mãe. Para fugir dos dois, ela se torna antropóloga e assim se muda para a África, onde vai morar em uma manyatta, em meio a vida selvagem do Quênia.


Era o grito dela, percebeu, embora não tivesse sentido a boca abrir ou a reverberação do ar.


Mas em busca de um banho descente e uma cama confortável, ela decide passar um final de semana em Narok, onde acaba conhecendo um homem e num raro momento em que baixa sua guarda, ela acaba grávida.

Leona não tem nada de maternal, então é com felicidade que ela acaba entregando logo após o nascimento de sua filha a responsabilidade de cuidar do seu bebê para Simi, que assume com alegria e alívio.


Sem a opção de outros pastos, essa cultura poderia desaparecer tão rápido e fácil quanto os rios e córregos da região.


Simi é uma mulher que graças a sua mãe iniciou os seus estudos, sendo a única mulher no vilarejo onde Leona está que conhece algumas palavras da língua inglesa. Infelizmente seu pai impediu o sonho de sua mãe para que ela avançasse mais, e assim Simi segue o mesmo destino de todas, se tornando a terceira esposa do filho do ancião da aldeia.

Mas Simi se revela infértil, e mesmo com todos os rituais, não consegue dar à luz ao seu próprio filho. O que a faz temer por ser expulsa do local, já que poderia ser considerada malfadada e assim trazer maldições para a sua aldeia.


Porém, do mesmo jeito que a luz do dia sucede-se à escuridão da noite, a escuridão também dá lugar à luz do dia.


Completando o trio temos Jane, que de certa forma também foge da família, sentindo o peso da culpa por não ter sido a irmã responsável que a mãe desejara tantas vezes lhe pedir antes de sua morte. No Quênia ela vai trabalhar na proteção dos elefantes, mas ao ter que enfrentar a violência dos que desejam sacrificar os animais, ela acaba conhecendo Paul.

Ao se casar, ela passa a seguir o marido e desistindo da vida profissional. Se inicialmente ela se sente vazia, a gravidez e mais tarde a filha passam a dar sentidos aos seus dias.


Lá, todas as mães estavam afinadas com o conceito de uma negligência benéfica.


Através destas três mulheres, cujos destinos acabam se cruzando, Adrienne Benson descreve diferentes sentimentos e situações relacionadas a maternidade, das alegrias as tristezas, da alienação parental a proteção, das dúvidas ao amor imenso.

A história é dividida em três partes, sendo que a primeira é a mais longa e também um pouco mais arrastada. Ganhando ritmo na segunda parte, quando as filhas das três protagonistas dão o tom da narrativa, preparando o leitor para o desfecho na terceira parte.


Os corpos caíram um a um, encolhidos sobre si mesmos, em poças de sangue que se espalharam na areia e foram absorvidas por ela.


Achei que o projeto gráfico de certa forma pode enganar um pouco o leitor, apesar da história ser no Quênia e ter algumas descrições da vida da comunidade, a presença de Simi é menor do que as duas personagens americanas. O que me faz pensar que a história poderia ser em qualquer lugar, já que ela trata das diferentes facetas da maternidade.

Por outro lado, eu estaria sendo injusta se não citasse como o amor da escritora pulsa ao descrever os lugares da sua infância, nos levando pelas estradas de terra, nos deixando nas margens do rio ou embaixo de uma enorme árvore.


Costumava desejar que aquilo tudo nunca tinha acontecido e que crescera em uma  família onde todos sorriam uns para os outros, conversaram, uma família que não fosse marcada pela ausência.


Um livro que iniciei a leitura empurrando as páginas e terminei emocionada. O que me fez reforçar a crença que uma história pode te capturar muito além da página cinquenta.


O Sol Mais Brilhante
The Brightest Sun
Adrenne Benson
Tradução: Elisa Nazarian
TAG - Harper Collins
2018 - 320 páginas

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terça-feira, 4 de maio de 2021

O Morro dos Ventos Uivantes



Sinopse: Único romance da escritora inglesa Emily Brontë, O morro dos ventos uivantes retrata uma trágica história de amor e obsessão em que os personagens principais são a obstinada e geniosa Catherine Earnshaw e seu irmão adotivo, Heathcliff. Grosseiro, humilhado e rejeitado, ele guarda apenas rancor no coração, mas tem com Catherine um relacionamento marcado por amor e, ao mesmo tempo, ódio. Essa ligação perdura mesmo com o casamento de Catherine com Edgar Linton.

Há muitos anos eu tinha curiosidade de ler O Morro dos Ventos Uivantes, primeiro por tudo o que se comenta sobre a história - sendo referência em outros livros e citado por vários leitores-, segundo por ser escrito por uma mulher nos anos de 1800 e terceiro por ser um clássico. E já adianto aqui que a história não me decepcionou.


"Wuthering" é um adjetivo local que descreve a violência atmosférica ao qual o morro fica exposto durante as tempestades e que pode ser traduzido como "ventos uivantes".


A edição escolhida para esta aventura literária foi a publicada pela DarkSide, que além de ser muito bonita, possui todo um complemento primoroso sobre a história, críticas da época e um pouco da biografia das irmãs Brontë, tornando a imersão completa. Organizada pela Marcia Heloisa, me proporcionou o mesmo sentimento de realização pós leitura, como ocorreu com o Vitorianas Macabras.

Na história de Emily Brontë, temos duas vozes em primeira pessoa narrando os fatos: o Sr. Loockwood e a Sra. Dean. Fugindo do alvoroço das cidades grandes, o Sr. Loockwood resolve alugar uma casa no interior da Inglaterra. Seu senhorio, o Sr. Heathcliff, não é exatamente uma simpatia, limitando as suas tentativas de conversa.


Tinha uma maneira própria de interpretar cada frase e, ao que parecia, cada fiel cometia uma infinidade de pecados diversos a cada deslize.


Em sua curiosidade sobre o homem, Loockwood insiste em retornar à casa de Heathcliff e fazer uma visita em um dia de péssimo tempo. Sem a possibilidade de ir embora, ele acaba dormindo no local, o que lhe permite conhecer os demais integrantes da casa, e inevitavelmente também acaba comparando o cuidado com a casa onde está hospedado, chamado de Thrushcross Grange e o péssimo estado da que mora Heathcliff, chamada Wuthering Heights.

Loockwood acaba ficando doente após retornar o mais cedo que conseguiu em plena neve para Thrushcross Grange, e assim é cuidado pela empregada do local, Sra. Dean, que ao lhe fazer companhia acaba lhe contando a história das duas famílias por trás das propriedades.


Torcia encarecidamente para que ela gostasse de uma boa intriga e esperava que pudesse me entreter ou me fazer pegar no sono com seu falatório.


A Sra. Dean cresceu junto com os filhos do Sr. Earnshaw em Wuthering Heights, pai de Hindley e Catherine. Quando eles ainda eram crianças o homem foi viajar a trabalho e ao retornar ele tem como companheiro um menino que encontrou nas ruas de Liverpool, seu nome é Heathcliff. 

Apesar da cara feia dos familiares e a nítida vontade que sua esposa tem de expulsar o menino, ele justifica não ter encontrado família ou quem poderia ter ficado com a criança. Assim, passa a tratá-lo como filho.


Nunca fiquei tão exausto na vida, mas penso que deva aceitá-lo como um presente de Deus, embora seja escuro como se viesse do diabo.


Heathcliff encontra o ódio com Hindley e o amor com Catherine, como uma dupla inseparável eles acabam crescendo juntos e tornando-se companheiros de travessuras. Mas o tempo passa, e quando a bela moça atinge a adolescência, faz amizade com os jovens da família Linton, filho dos proprietários de Thrushcross Grange, cujo olhar é de censura em relação ao comportamento e aparência de Heathcliff. 

Mesmo com todo comportamento nem sempre considerado adequado da jovem, Edgar Linton a pede em casamento, e ela surpreendentemente o aceita. O sim de Catherine faz com que as expectativas de Heathcliff se quebrem, e as consequências disso serão sentidas por todos, incluindo a nova geração.


Não cultive esta expressão de um vira-lata perverso que parece saber que os chutes que recebe são merecidos e, mesmo assim, odeia não só quem o agride como também o mundo inteiro.


Acompanhando as três gerações da família Earnshaw, não é difícil em concordar com não só os personagens, mas também o local, foram muito impactadas pelo menino trazido pela bondade, moldado pelo bullying e comandando por sentimentos que o tornam praticamente um monstro, com seus dentes afiados, sua violência e a sua frieza.

Apesar de muito se referenciar o romance de Heathcliff e Catherine, o romance de Emily Brontë não tem nada de Love story, os ventos, o ambiente escuro, dão um ar gótico que combina com a personalidade amarga e vingativa de quem determina o destino dos dois pequenos núcleos. E como bem observa a tradutora Marcia Heloisa, a escrita de Emily Brontë está muito mais para Edgar Allan Poe do que para o estilo de Jane Austen. 


Não sei definir em palavras, mas certamente você, como todo mundo, crê que existimos em alguém para além da nossa própria existência.


Com poucos personagens, e todos extremamente humanos em suas qualidades e defeitos, o leitor se depara com sonhos desfeitos, um toque de realismo fantástico, traições, egoísmo, bondade, violência e toque de loucura. Curiosamente também se depara com personagens que representam os mais diversos gêneros, condição social, crenças, moral e educação. 

Com reações pesadas, as relações descritas são sombrias. Raras são as boas intenções e muito são as perguntas de porque alguns dos personagens se mantiveram presos naquele lugar, como se Catherine Earnshaw mantivesse todos presos em seu centro gravitacional, tornando sua presença marcante até para quem não a conhece. 


O tirano explora seus escravos, mas eles não se voltam contra ele; eles descontam naqueles que são ainda mais inferiores.


A leitura também permite conhecer um pouco das relações sociais da época, a questão com a religião, e até mesmo uma grande interrogação sobre a cor da pele de Heathcliff, que várias vezes é comparado com um cigano, e não raro é usada de forma pejorativa pelos que o descrevem.

Uma leitura cativante, que acompanhada de um bom chá, praticamente me transferiram para junto da lareira ouvindo a Sra. Dean, para no final lamentar ser este o único romance de Emily Brontë. E se ainda não leu, fica a minha indicação, e prepare-se para a tensão psicológica que apenas os livros que se utilizam do terror, mesmo que com sutileza, podem proporcionar.


O Morro dos Ventos Uivantes
Emily Brontë
Tradução: Marcia Heloisa
DarkSide - Darklove Classics
1847 - 416 páginas