Sinopse: Uma carta guardada por mais de cinquenta anos - e jamais lida. É essa a relíquia que Raimundo leva consigo. Homem analfabeto que na juventude teve um amor secreto brutalmente interrompido, ele resolve que ainda é tempo de aprender a ler e talvez decifrar essa ferida aberta do passado.
Recebi pelo Time de Leitores da Companhia das Letras no mês de abril o bonito e dolorido A Palavra que Resta do escritor cearense Stênio Gardel. Junto veio uma carta do autor, um bloco de notas e um lápis, o que deixaram o recebido ainda mais único.
Setenta e um anos e essa invenção, como ele diz, de aprender a ler e escrever depois de velho.
Passados mais de cinquenta anos que carrega uma carta fechada para todos os lugares, Raimundo Gaudêncio de Freitas decide aos 71 anos aprender a ler e escrever para finalmente ler o seu conteúdo e quem sabe assim responder a vários questionamentos que o perseguem.
Conforme ele toma conhecimento das letras e de como assinar o próprio nome, ele e o leitor retornam ao passado do personagem, quando ele era apenas um menino na roça, ajudando o pai no trabalho braçal, participando das atividades da sociedade local, sofrendo com a família a perda dos irmãos gêmeos e descobrindo o amor nos braços do melhor amigo Cícero.
Não podiam ser contra a natureza então que eles pudessem viver juntos, crescer num só.
Mas a criação no sertão é dura, um machismo passado de geração em geração, e quando o pai de Cícero os vê, a dor da pele não consegue atingir o coração da mesma forma que as palavras maternas, e ao menino Raimundo só resta ir embora do único lugar do mundo que conhece.
Na cidade ele também irá tentar se esconder, finge gostar de mulher na frente dos amigos, enquanto busca nas sombras outros iguais. Até o destino lhe levar até Suzzanný - que nasceu Francisco e vive a realidade das ruas -, e através da sua provocação e acolhimento o faz começar a quebrar os próprios preconceitos e finalmente descobrir o que deseja para si.
Pois eu acho que tu devia ir embora, pra longe, por que depois do que tu fez tu não pode mais ficar aqui não.
Posso dizer que o primeiro romance de Stênio Gardel mexeu comigo durante toda a leitura, pela sensibilidade e realismo que o seu personagem Raimundo carregou pelo decorrer das páginas.
É surpreendentemente lógico como a separação da família e do primeiro amor jamais esquecido norteiam inconscientemente os passos de Raimundo, sendo representado simbolicamente por uma carta fechada e não lida. Como se ali estivessem todos os abraços, palavras e afetos de quem lhe faz falta.
Monte de amiga minha que foi pra noite e amanheceu na sarjeta com a boca cheia de formiga, e eles mal dão um papel pra elas não serem enterradas como indigente.
Também é triste ver quanta dor é causada pelo preconceito, e quanto a vergonha impedem a pessoa de ser o que ela gostaria, sendo um limitador em tempo integral de ações, pensamentos e relações.
E em contraste a tudo isso, quando eu já sentia vontade de pular no pescoço do pai de Raimundo, Stênio nos apresenta um pedaço de sua história, onde as reações de Damião são de certa forma compreendidas, embora não aceitas. E se entende que a dor de cada agressão dói na alma de pai e filho, por motivos injustos e irreversíveis.
Mas tu não entendeu, eu queria mudar minha cabeça pra não pensar mais que é errado, deixar ela igual ao coração, era isso.
Como leitora, precisei me situar em uma realidade muito diferente da minha, ao ser colocada no sertão do Brasil - que também poderia ser outro local onde as famílias são mais tradicionais -, onde um pai julga desnecessário um filho aprender a ler, onde a criação passa de geração em geração carregada de machismo e preconceito, onde os desvios da vida não servem para as pessoas evoluírem, mas sim para reforçarem valores arcaicos.
O tipo de leitura necessária para conhecer outras realidades, para se ter mais empatia, para tentar ao mesmo compreender e respeitar a dor do outro. Uma história de amor que poderia ser linda e não machucar ninguém, se eles tivessem simplesmente tido a liberdade de vivê-la.
A Palavra que Resta
Stênio Gardel
Companhia das Letras
2021 - 151 páginas
O livro A Palavra que Resta do escritor cearense Stênio Gardel , tem uma escrita um pouco diferente da nossa realidade , mais conseguir se colocar lá no sertão nordestino e viajar através da escrita faz com que essa obra seja um sucesso.
ResponderExcluirOlha, no sertão do Brasil tem particularidades e peculiaridades que só quem vive lá conhece. Fui criado de um modo muito duro realnente. Mas minha alma não cabia naquela realidade e virei artista.
ResponderExcluirPela história do livro, o livro fala de perda, amor, sentimentos, é uma história emocionante do Raimundo, o autor Stênio escreveu um belíssimo livro, bjs.
ResponderExcluirOi
ResponderExcluirEu adorei a sugestão de livro 🙂 não conhecia o trabalho do autor, a história é maravilhosa
Nossa, por quanto sofrimento o Raimundo passou! Para o Cícero também deve ter sido difícil. Infelizmente, o preconceito está em toda parte. Fiquei curiosa para ler o livro e conhecer o conteúdo da carta. Dica anotada, obrigada.
ResponderExcluirOi Andrea, tudo bem? Ah, que legal saber que você é parceira da Cia, gosto muito dos livros deles. Já perdi a conta de quantas editoras fazem parte do grupo (risos). Cheguei a ler a sinopse desse livro e fiquei bem curiosa. Muito tempo para guardar uma carta não? Não sei se eu aguentaria de curiosidade. A história é bem triste e cheia de nuances. A edição está linda também. Um abraço, Érika =^.^=
ResponderExcluirO sertão do Brasil está esquecido no mundo, triste realidade. Em todos os lugares as pessoas são muito preconceituosas. Raimundo não é o único, há muitos Raimundo no sertão sofrendo. Isso deve ser mudado, ajude essas pessoas que tanto sofrem. O livro é uma história da realidade, parabéns ao autor.
ResponderExcluirOi Andrea,
ResponderExcluirNão conhecia a obra e nem imaginava que era Nacional, mas amei suas considerações sobre a obra, uma história forte, difícil e que causa muitos dores. Eu sempre fico imaginando o quão difícil é não ter o apoio da família e poder ser e amar quem se deseja. E ainda mais no caso de Raimundo que vem de uma geração onde o preconceito era ainda pior. Dica anotadissima, e já vou procurar para comprar e ler.
Abraços
Parece ser uma leitura excepcional e muito boa! Fiquei muito curiosa e já quero ler!
ResponderExcluirQue leitura emociona-te deve ter sido ler este livro, ao ler sua resenha fui pensando aqui nesta historia. É quase se a gente tivesse em um pais estrangeiro sem saber a lingua local talvez tivesse a mesma sensação do homem que manteve a carta.
ResponderExcluirNossa que sinopse incrível! Já tô super curiosa para ler!;amei a resenha, a história perece ser muito muito boa. Beijos
ResponderExcluirJá anotei o nome, gostei da indicação, quero ler esse livro!
ResponderExcluirGosto desse tema do livro, as vezes lendo algo nesse sentido de sentimentos sejam eles quais forem, sempre nos dão alguma visão sobre nós mesmos, até mesmo quando é ficção ... Gostei da indicação!
ResponderExcluirTemática que infelizmente ainda é realidade pelos interiores do Brasil, muitas pessoas idosas ainda têm pouca ou nenhuma leitura... A história de Raimundo e a motivação de ler uma carta de amor são bem interessantes
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