terça-feira, 25 de outubro de 2022

A Influencer


Sinopse: Narrado sob a perspectiva de três vozes nada confiáveis, o romance de Ellery Lloyd ― pseudônimo do casal britânico Paul Vlitos e Collette Lyons ― prende a atenção do leitor até a última página. Há uma diabólica conspiração em curso, pontos de vista diferentes para os mesmos fatos e, claro, mágoas que não podem ser resolvidas. Ao explorar o lado sombrio do universo dos influenciadores e os perigos da hiperexposição da vida privada, A influencer surpreende ao demonstrar nossa necessidade quase desesperada de sermos vistos e validados nas redes sociais e questiona até onde somos capazes de ir em busca de likes.

No mês de Maio/2022 recebi da minha assinatura da intrínsecos o livro A influencer, thriller de estreia dos escritores ingleses Collette Lyons e Paul Vlitos, que utilizam o pseudônimo Ellery Lloyd para transformar dois em um. Os mimos foram uma fita salva-celular e um porta-cartão.

 Emmy Jackson era uma editora de moda, namorava um escritor de relativo sucesso e nem sabia se um dia seria mãe. Mas em meio as mudanças editoriais da era digital ela precisava se reinventar. Seguindo a sugestão da sua agente ela passa a investir nos próximos grandes mercados. E quando se descobriu grávida, ela se tornou uma Instamãe, mas não qualquer uma, a @mama_semfiltro possui milhares de seguidores e transformou isso em profissão. 

Já faz um tempo, em todo caso, que sinto como se estivesse vendo um filme da minha vida se desenrolar diante dos meus olhos.


Dan, o marido, de autor celebrado se torna uma sombra de Emily. Enquanto tenta escrever um segundo romance, demonstra se sentir incomodado em administrar a vida artificial que parece invadir a vida real da família, gerando dúvida se com ele a esposa é sincera ou apenas mente, engana e manipula como faz com os demais.

Mas ter um perfil de sucesso exige esforço de todos – inclusive das crianças -, principalmente quando este se torna a sua principal fonte de renda. É necessário dar atenção aos seguidores, postar fotos com quem lhe impulsiona, dar entrevistas, se renovar, dar ares de naturalidade para produtos patrocinados, e sempre ter resposta a todas as perguntas, mesmo quando você não tem ideia ou nunca passou por determinada situação. 

Mas, afinal, quem pode falar de verdade que as coisas aconteceram exatamente como tinham imaginado?


E enquanto Emily se preocupa com haters e trolls, risco de cancelamento, formas de expandir o seu negócio e crise conjugal, uma de suas respostas aleatórias terá consequências.

Estas consequências tem um único início, uma personagem em busca de vingança por um retorno de Emily que se tornou fatal para alguém que ela amava. E a vingança neste caso exige um planejamento frio e calculado.


A escrita de Ellery Lloyd

Utilizando a narrativa em primeira pessoa, os autores Collette Lyons e Paul Vlitos utilizam três narradores para contarem a história, sendo um sem nome e sem número de capítulo.

Logo no Prólogo sabemos que Emily se encontra em uma situação delicada, de extremo perigo, para a seguir retornar seis semanas no tempo e acompanhar o dia a dia de Emmy e Dan.

Minha mulher, é muito fácil de se identificar com ela. As pessoas gostam dela. De pessoas como ela.


Emmy é muito convincente em contar sua história, mas é justamente Dan que coloca aquela pulga atrás da orelha sobre os atos da esposa. O que é real? O que é deliberado? Qual o preço que Emily está disposta a pagar para atingir suas ambições?

Tudo isso em um ambiente que utiliza a face real de maternidade, com todas as suas dúvidas, os grupos de mães, das lágrimas e desafios, transformando isso em marketing, separando os acontecimentos em dias cinzentos e dias coloridos.

Pensei que, de algum modo, se eu visse você, ajudaria. Me ajudaria a te odiar menos. Me ajudaria a deixar a raiva ir embora.


Quem dá a tensão a tudo isso é justamente o terceiro narrador, a princípio sem nome, que pouco a pouco vai revelando acontecimentos passados até compartilhar os seus planos no presente. O que faz com que a cada personagem que se aproxime da família um possível vingador nos olhos do leitor.


O que eu achei...

Confesso que me surpreendi positivamente com o livro, achei que seria algo bobo e comecei a ler sem pretensão nenhuma. Mas não, por trás do suspense há uma grande crítica a exposição extrema, as mentiras inventadas para ganhar mais likes, os personagens devidamente desenhados para encantar o público.

Em relação aos personagens, nenhum dos três narradores conseguiram ganhar a minha empatia. Achei a postura do casal um tanto nojenta, e fiquei com muita pena das crianças, que são os mais vulneráveis neste paraíso instangrável criado pelos pais e equipe do perfil.

É para esse momento que programo meus posts, aparentemente pensados na hora e improvisados, mas na verdade pré-fotografados e já escritos.


Pois para ele absolutamente tudo vira negócio, por mais dor que isso possa provocar, por mais traumas que isso traga aos seus próprios filhos, beirando o absurdo. Ao mesmo tempo que serve de alerta para quem é viciado em redes sociais: não é porque você admira alguém que deve levar todas as opiniões e conselhos de um influencer ao pé da letra. Existem profissionais muito mais qualificados para ajudar em diferentes situações.

Em relação ao personagem que busca vingança, senti e compreendi a sua dor conforme ela era revelada, mas não consegui aceitar a forma como se buscou ameniza-la. A perda acrescida da necessidade de vingança a destroem por dentro, tornando claro o quando precisa de ajuda.

Com um pouco de pesquisa, você percebe que a rede social proporciona um entendimento muito simples daquilo com que as pessoas em todo mundo se identificam.


Em contra partida, gostei da forma como abordaram a maternidade, das relações pessoais, passando pelas imperfeições até o fato de que não, nem tudo é tão drástico assim. embora quando você tem uma média de duas horas de sono por dia acredite que é.

A escrita fluída e a tensão que vai crescendo junto com a passagem do tempo convidam o leitor, como em todo bom suspense, a virar mais uma página e ser surpreendido pelos acontecimentos. Com direito a frio no estômago conforme me aproximava do desfecho.

Tenho total ciência de que cada decisão que tomo agora, cada decisão incorreta, está me custando tempo. 


Ficando a recomendação para quem curte um bom suspense, e sim, as seis semanas irão passar voando. E se você gostar da dica, deixa um like, só para entrar no clima.


A Influencer
People Like Her
Ellery Lloyd
Tradução: Luciana Dias e Maria Carmelita Dias
intrínseca
2021 - 304 páginas

Esta resenha não é patrocinada, a assinatura do clube citado - que foi encerrado em setembro - era pago integralmente pela autora. 

terça-feira, 18 de outubro de 2022

K.



Sinopse: K. é a história de um pai em busca do paradeiro da filha desaparecida durante os anos de chumbo. A angústia desse pai é costurada com vagar, intercalada por vozes distintas que irrompem em meio à sua odisseia. Vozes que acompanharão, ora sofrida e comoventes, ora escabrosas e cínicas, o desfiar da trama. O leitor fica suspenso, como à beira de um abismo, incapaz de interromper a leitura, mesmo que conheça, desde as primeiras linhas, o desfecho da história.

No mês de Junho/2022 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro K. do escritor brasileiro B. Kucinski. A indicação foi da também escritora brasileira Natalia Timerman. O mimo foi uma pequena caixa em MDF para ser usada para armazenar memórias.

Eu começo esta resenha dizendo que K. é um livro bastante indicado para quem não viveu os anos de ditadura no Brasil ou que conseguiu viver durante aquele período em uma bolha. Não que ele traga a história completa de anos tão vergonhosos da nossa história, mas é uma mistura de ficção e fatos reais que podem estimular a buscar por mais informações e entender o motivo pelo qual este tipo de regime nunca deveria ser aceito.

Sempre me emociono à vista de seu nome no envelope. E me pergunto: como é possível enviar reiteradamente cartas a quem inexiste há mais de três décadas?


O escritor Bernardo Kucinski nos apresenta diferentes personagens para contar nesta auto ficção o desaparecimento de sua irmã Ana Rosa Kucinski em abril de 1974. Neste período o autor estava na Inglaterra, então quem percorre a busca pela filha desaparecida é o pai, que mescla a dura realidade de não saber o paradeiro de uma pessoa amada com as próprias lembranças.

Pois K. é um judeu polonês que ao escapar para o Brasil da segunda grande guerra ainda tenta preservar o iídiche, língua materna de milhares de judeus que desapareceu durante o holocausto. O que lhe proporciona conhecer várias pessoas, ser respeitado por algumas, mas não ser ajudado por nenhuma que por aqui viviam. Descobrindo que é entre os desconhecidos, tão perdidos em suas buscas quanto ele, que algumas peças de uma quebra-cabeça nunca resolvido serão juntadas.

Ele, que nunca blasfemava, que tolerante aceitava as pessoas como elas eram, viu-se descontrolado, praguejando.


Além do pai estão os companheiros da irmã, em sua luta política, há capturas e torturas, nem todos suportam a dor, nem todos possuem resistência para ficarem calados. O risco e a condenação existem em ambos os lados, o que permite entender quem preferiu ficar neutro durante todo o período, tornando a ignorância e alienação o melhor dos salvos condutos.

Pois em meio a uma guerra interna de um país, os atos e pensamentos acabam tendo mais semelhanças do que se imagina. Havendo uma linha tênue entre o certo e o errado, o justo e o desonesto, a busca de um ideal e a desumanização.

Há um informante entre eles, um traidor ou um agente infiltrado, alguém muito próximo a eles dois, entre os poucos que restaram.

 

Há os torturadores e seus pequenos obstáculos, como o que fazer com o cachorro de um casal sequestrado? Ou a pobre faxineira que se vê diante de um lugar imundo por uma sujeira comum. 

Os que mandam ordens de morte sem remorso, como máquinas que nada vislumbram por trás de cada alma. Ou seus engenhos com cartas e telefonemas falsos, tentando iludir familiares com relações em outros países, de que seus filhos, pais, maridos, simplesmente fugiram e se encontram vivos em outro lugar.

Além do mundo que se vê e nos acalma com seus bons-dias boas-tardes, como vai tudo bem, há um outro que não se deixa ver, um mundo de obscenidades e vilanias.


E há também referência a outras famílias, como do Marcelo Rubens Paiva, que conta a história do seu pai e a luta de sua mãe no livro Ainda estou aqui, já resenhado aqui no blog.


A escrita de B. Kucinski

Memórias. O autor Bernardo Kucinski utiliza das memórias de vivência, do que conhece, do que leu e da sua imaginação para escrever um livro direto, forte, com diferentes olhares e sem nenhuma esperança.

Desde o início sabemos que não houve final feliz, que sua irmã foi mais uma das desaparecidas politicas aos quais a família não pode nem ao menos fazer uma cerimônia de despedida, já que nem isso foi permitido pelo rabino.

Podia pagar pelos livros, mas os roubava por princípio. Expropriava-os em nome da revolução socialista, dizia aos poucos cúmplices em segredo.


É uma escrita que nos faz repetir expressões como Porque isso aconteceu? Como isso foi permitido? Onde está a humanidade desta gente? O que passa na cabeça alguém querer isso de volta? Qual o motivo de manter essa tortura psicológica mesmo passado décadas dos acontecimentos?

Não é à toa que o livro foi um dos finalistas dos prêmios São Paulo de Literatura e Oceanos.


O que eu achei

Creio que por tudo o que escrevi até aqui, ficou claro que K. não é um livro fácil de ler. Apesar de serem menos de duzentas páginas, é uma história pesada, que gera angústia, arrepios, e um sentimento de desespero ao imaginar o que cada família passou.

Tive também momento de indignação, como da postura da USP, local onde Ana Rosa era professora, que a demite por abandono de emprego por não constar registro de sua prisão. Na comissão, nenhuma voz se levanta, ninguém se arrisca, todos simplesmente aceitam. Mas quem pode culpa-los? Quantos leitores não fariam o mesmo para se manterem vivos?

Toda vez é assim, levanta de um pulo, toda assanhada, depois desaba, burra, não sabe que eles nunca mais vão voltar. Como é que os cachorros podem ser tão espertos e tão burros ao mesmo tempo?


E como não entender a culpa paterna, de quem por tanto tempo se dedicou aos próprios hobbies sem saber que o tempo com a filha seria cortado de maneira brutal e sem resposta? Como imaginar que o tempo dedicado a literatura o afastaria da vida da filha? Que um novo casamento poderia dar início a um abismo? E principalmente, que deveriam haver mais fotos para quem sabe alguém a reconhecesse? 

Uma leitura dolorida que vale a pena ser vivida, nem que seja para não repetirmos os mesmos erros, para entender o vazio gritado por muitos, para aprender que opiniões diferentes não devem ser silenciadas, mas viverem pacificamente de forma democrática. Um livro de memórias para nos fazer lembrar o que nunca deve ser esquecido.


K.
B. Kucinski
TAG - Companhia das Letras
2011 - 199 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.