Sinopse: Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Beyrodt Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, viu-se obrigada a cria-los sozinha quando, em janeiro de 1971, Rubens Paiva foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor e ás incertezas, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras. “Foi a minha mãe quem ditou o tom, ela quem nos ensinou”, escreve Marcelo Rubens Paiva neste relato emocionante sobre o passado, as perdas e a volta por cima.
Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, ele fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento sombrio da história recente brasileira para contar – e tentar entender – o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.
Primeiro livro de autor brasileiro que leio no ano de 2020, também é o primeiro livro que leio de Marcelo Rubens Paiva, que nesta obra se utiliza da própria vida como enredo para nos contar as suas histórias, algo que ele já havia feito no conhecido e ainda não lido Feliz ano Velho.
Já temos MEMÓRIA desde o primeiro dia em que nos deram à luz.
Em Ainda estou aqui o leitor é situado primeiro em um fórum, o objetivo é interditar sua mãe Eunice, cujo Alzheimer a impede de saber em que dia ela está. Este é o ponto de partida para que memórias da sua infância retornem, em um antes, durante e depois do desaparecimento do seu pai, Rubens Paiva, durante a ditadura militar.
Não confiava cegamente, nunca confiou em ninguém cegamente.
Por ser autobiográfico também é uma história de “se’s”, assim como qualquer pessoa, é impossível que os membros da família Paiva não pensem em um destino diferente se certas escolhas fossem diferentes: se eles tivessem se exilado no exterior como outras famílias, se os recém-exilados no Chile não tivessem enviados cartas para Rubens Paiva e assim impulsionado a sua prisão, se os superiores tivessem tomado alguma providencia quando comunicados que a tortura do ex-deputado estava além dos limites. Enfim, os vários “se’s” que poderiam mudar o destino de qualquer pessoa, mas que servem apenas para torturar o psicológico de quem os imagina.
A intensidade de uma lembrança é diretamente proporcional á sua antiguidade.
A leitura é muito interessante por misturar também uma visão da infância com os dias de hoje, ao correlacionar momentos de sua família com fatos históricos do Brasil, que vão da própria ditadura, passando pela anistia até o direito de ter o atestado de óbito de quem nunca mais foi encontrado.
Entre as lembranças há também algumas referências ao acidente que deixou Marcelo tetraplégico, mas estes não são detalhados, já que a história é contara em Feliz ano velho.
A cara de Eunice continuou molhada e salgada durante muito tempo, tal como naquela manhã de Búzios.
A escrita de Marcelo Rubens Paiva é fácil e fluída, sem maiores sentimentalismos, ele narra desde momentos cômicos até os mais tensos sem pesar no drama, é possível sentir a preocupação, o medo e a força com que eles enfrentaram cada situação, existe o sofrimento, mas não há paralisia. A base de tudo é Eunice, que não era uma típica mãe italiana e a quem me parece de certa forma libertada em meio a tragédia.
Família Rubens Paiva não chora na frente das câmaras, não faz cara de coitada, não se faz de vítima e não é revanchista.
Talvez seja estranho escrever isso, mas foi o sentimento que eu tive. Eunice é uma mulher forte e inteligente, tranquila e lutadora. Mas enquanto esteve ao lado de Rubens Paiva era apenas uma esposa que cuidava da casa e dos filhos. E embora acredite que não seja um demérito a segunda opção, fica claro que esta não era a escolha natural dela, até ser jogada em um redemoinho e dar um novo rumo a sua vida, e de seus filhos.
Era prática, culta, magra, sensata e workaholic.
Na terceira e última parte do livro o foco acaba indo para a própria doença. Usando como base explicações do doutor Drauzio Varella, discute desde a origem do Alzheimer até os seus estágios, situando o comportamento de sua mãe nos já enfrentados. Dos pequenos esquecimentos até o não poder mais viver sozinha, os desafios de viver com mudanças nada sutis e o sorriso de lembranças que surgem na forma de um bebê trazem a tona toda a dificuldade nesta etapa para as famílias que precisam enfrentar o problema.
Lutou para descobrir a verdade, para denunciar a tortura, os torturadores.
Um livro sobre as lembranças de um filho em relação aos seus pais, da força e coragem de uma mulher que soube recomeçar. Um livro para gostar de ler e refletir.
Nos almoços de domingo, ela fica onde queremos que ela fique.
Uma observação: o livro finaliza no outono de 2015, e Eunice Paiva veio a falecer em dezembro de 2018.
Ainda estou aqui
Marcelo Rubens Paiva
Editora Alfaguara
2015 – 295 páginas
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