sexta-feira, 27 de junho de 2025

O Amante



Sinopse: Prêmio Goncourt em 1984, com mais de 2 milhões e meio de exemplares vendidos apenas na França, este romance autobiográfico acompanha a tumultuada história de amor entre uma jovem francesa e um rico comerciante chinês na Indochina pré-guerra. Com uma prosa intimista e certeira, Duras evoca a vida nas margens de Saigon nos últimos dias do império colonial da França e relembra não só sua experiência, mas também os relacionamentos que separaram sua família e que, prematuramente, gravaram em seu rosto as marcas implacáveis da maturidade.



Na Indochina francesa, uma adolescente de 15 anos órfã de pai mora com a mãe e dois irmãos. Filha de colonos franceses pobre, ela conhece em uma travessia de balsa sobre o rio Mekong um jovem com o qual terá um relacionamento intenso que envolve benefícios financeiros.

Filho de um rico empresário chinês, o homem de 27 anos, mesmo sendo mais velho, acaba sofrendo psicologicamente dos mesmos problemas que a menina, no que envolve tabus raciais e morais dos anos de 1920.

Muito cedo na minha vida ficou tarde demais. Quando eu tinha dezoito anos já era tarde demais.


O que a empurra precocemente para esta relação é a sua família desestruturada, com um irmão extremamente violento e uma mãe que o defende, ao mesmo tempo que possui uma busca constante por dinheiro.

Um livro sobre memórias e traumas transferidos para as páginas em um romance curto, cuja densidade se alterna, e virou um filme não aprovado pela autora.


A escrita de Marguerite Duras

Considerada uma das escritoras mais importantes da literatura francesa do século XX, a autora Marguerite Duras nasceu na Indochina e no final de sua adolescência retornou a França para estudar.

Sua escrita tem por característica ser fragmentada, conseguindo ser emocionalmente contida e ao mesmo tempo profundamente sensível. O que fez com que fosse uma das figuras-chaves do movimento literário "Nouveau Roman" (Novo Romance francês) que ocorreu nas décadas de 1950 e 1960.

A história da minha vida não existe. Ela não existe. Jamais tem um centro. Nem caminho, nem trilha.


E este rompimento com as formas tradicionais de narrativa é encontrado em O Amante, sua obra mais conhecida que venceu o prestigiado prêmio de literatura francesa Goncourt.

O Amante é uma mistura de ficção com autobiografia, tendo como base a sua infância na Indochina e o caso amoroso que teve na adolescência com um homem mais velho.

Tudo começou assim assim em minha vida, com esse rosto visionário, extenuado, as olheiras antecipando-se ao tempo, à "experiência".


A narrativa é semelhante a um fluxo de consciência, com presente, passado e futuro dividindo o mesmo espaço sem ordem cronológica nem capítulos definidos. Como alguém que se senta no divã e conforme vai puxando o novelo de lã que é a sua vida, começa a trazer memórias, reflexões e pensamentos.

Dando um tom introspectivo na narrativa em primeira pessoa, onde nem tudo é explicito e não raro há situações que ficam mais na sugestão no que no detalhamento para o leitor.


O que eu achei de O Amante

Esta foi a segunda vez que leio o livro de Marguerite Duras. Havia recebido o livro em capa dura em uma coletânea de clássicos que o jornal do meu estado vendeu tempos atrás.

E acabei relendo por causa do encontro com outros assinantes da TAG Curadoria, já que a obra foi o livro de abril, ao qual pulei para não ficar com dois livros iguais.

Sei que não são as roupas que fazem a mulher mais ou menos bela nem os cuidados de beleza, nem o preço dos cremes, nem a raridade, o preço dos adornos.


Quando abri o livro já não tinha lembranças de sua narrativa, apenas a famosa base de que era o caso de amor de uma adolescente com um homem mais velho.

Ao reler, me deparei com uma família desestruturada, que apesar da pobreza tem empregados, da mãe que cobra postura da filha, mas permite que ela chegue em qualquer horário na escola após os encontros com o amante. De um irmão mais velho que inspira medo nos que convivem com ele e deixa para a mãe pagar as dívidas dos seus vícios.

Resta aquela menina que começa a crescer e que talvez um dia venha a saber como trazer dinheiro para casa.


Também é uma narrativa que expõe a colonização, onde a cor da pele ou o dinheiro não impede que ocorra racismo ou preconceito.

E por fim é um livro bem psicológico, pois não foram raras as vezes que me vinha o jargão "fale-me mais sobre isso" durante a leitura. Ficando a dúvida se era ficção, algo que deveria ficar subentendido ou traumas que não conseguem ser revelados.

Sente subitamente uma angústia até então apenas pressentida, uma fadiga, a luz apagando-se levemente no rio.


Mas apesar de todas as suposições, de ser um livro bem curto, eu segui não gostando.

A mistura de pedofilia e prostituição foi algo que me incomodou ainda mais nesta segunda leitura. Pois o relacionamento não é iniciado por amor, paixão ou uma atração física na minha opinião, mas pelo que o dinheiro dele poderia proporcionar.

Quer a apanhem, quer a levem, quer a maltratem, quer a corrompam, eles não devem saber mais nada.


Também me peguei achando que se o nome do livro fosse O irmão mais velho, combinaria mais. Pois o amante é uma figura secundária em meio a todos os conflitos que as relações familiares causaram em todas as etapas da vida da narradora, sendo uma ferida ainda não curada mesmo após tantos anos.

Sendo o amante apenas mais um a acelerar o seu sentimento de envelhecimento precoce, de mudança na imagem que via no espelho ainda tão jovem. Me parecendo o resultado de quem se sentia usada por todos ao redor sem nunca ter sido realmente amada.

Ele lamenta o que ocorreu comigo, digo-lhe que não deve, que não devo ser motivo de lamentação, ninguém deve, exceto minha mãe.


E apesar de tanta complexidade, em muitos momentos ela me pareceu superficial. Como se a narradora tivesse uma borda a ser respeitada, e justamente ao respeitar estes limites, ela não me ganhou como leitora.

Pois o vai e vem de tempos e lembranças me parecia mais um disfarce para não explorar o que era realmente importante para a menina frágil e a mulher já idosa que manteve tudo muito vivo em sua memória.

Só que esta é a minha leitura, a sua pode ser completamente diferente, e assim deixo a indicação deste clássico para que você possa tirar suas próprias conclusões.


O Amante
L'amant
Marguerite Duras
Tradução: Aulyde Soares Rodrigues
2003 - 95 páginas
Publicado originalmente em 1984



sexta-feira, 20 de junho de 2025

Farda, fardão, camisola de dormir



Sinopse: Quando o Estado Novo de Getúlio Vargas ainda flerta com o eixo nazifascista, a morte súbita e prematura do poeta Antônio Bruno abre uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Quem prontamente se candidata é o coronel Sampaio Pereira, chefe da repressão política do regime e simpatizante do nazismo. Alarmados com a possibilidade de ver um inimigo da cultura ocupar a cadeira do boêmio, sedutor e gaiato Bruno, alguns veteranos acadêmicos articulam a anticandidatura de outro militar, de oposição, o general reformado Waldomiro Moreira. Segue-se então uma memorável e imprevisível campanha eleitoral na Academia. 



No Rio de Janeiro de 1940 o poeta Antônio Bruno não suporta as aflições que a bela cidade de Paris vem sofrendo devido a segunda guerra mundial e sofre um infarte fulminante.

O boêmio além de deixar várias mulheres as lágrimas, coloca uma batata quente na mão dos integrantes da ABL - Academia Brasileira de Letras: a escolha do sucessor para ocupar a sua cadeira em plena ditadura de Getúlio Vargas.

Esta fábula conta como dois velhos literatos, acadêmicos e liberais, partiram em guerra contra o nazismo, a ditadura e a prepotência.


O complicador parte de outro integrante da ABL, o acadêmico Lisandro Leite, deseja integrar o STF, e para isso vira padrinho do coronel Agnaldo Sampaio Pereira, chefe da repressão política do Estado Novo, sob a justificativa que uma cadeira pertence aos militares e a tradição havia sido quebrada com a escolha do poeta.

Para combater o simpatizante nazifascista, dois outros integrantes, o romancista Afrânio Portela e o ensaísta Evandro Nunes dos Santos, vão atrás de um militar menos perigoso, o general da reserva Waldomiro Moreira, para ser o oponente na eleição, e que já tentava uma vaga na Academia Fluminense de Letras.

Haverá sentimentos mais onipotente, a dominar o coração dos homens, do que a vaidade?


Misturando nesta narrativa bem-humorada com toque de "fábula para acender uma esperança" história do Brasil e bastidores das eleições da ABL, Farda, fardão, camisola de dormir é para relaxar e sorrir com a crítica irônica de Jorge Amado não só ao país, mas também ao ambiente que ele mesmo frequentou.


A escrita de Jorge Amado

Um escritor que dispensa apresentações, acho que isso cabe muito bem a Jorge Amado, o escritor baiano traduzido para diferentes idiomas, cujos livros viraram novelas e filmes.

Em seus livros encontramos personagens cativantes, pitadas de humor, drama e crítica social. E Farda, fardão, camisola de dormir não foge disso.

Tinham de derrotá-lo, fosse como fosse, para provar que ainda existe decência neste país, que a Academia se mantém independente e digna.


A história começa já pelo título, já que a farda representa os militares e a repressão dos anos de 1940, o fardão o traje caro de gala dos imortais da ABL e a camisola de dormir o poema do personagem que morre para dar início a toda essa bagunça.

O ano de lançamento do livro também é simbólica, publicado em 1979 em plena Ditadura militar acaba provocando no leitor de hoje a realizar um paralelo entre duas épocas um tanto sombrias da nossa história.

Todos temos dois lados, um bom, um ruim. Pior do que um robô, o senhor é um homem pela metade, torturador de presos.


Ao mesmo tempo que mexe com uma das áreas do mundo intelectual, ao qual ele mesmo passou a fazer parte em 1961, revelando como ocorre a eleição para imortal na ABL, com suas visitas, etiquetas, presentes e conversas para ganhar a simpatia de quem pertence ao seleto grupo.

Misturando realidade e ficção em uma narrativa em terceira pessoa bastante fluída, com alguns plots que despertam ainda mais a vontade do leitor de descobrir quem será o eleito a ocupar a cadeira do poeta boêmio.


O que eu achei de Farda, fardão, camisola de dormir

Confesso que este é apenas o segundo livro que leio de Jorge Amado. O primeiro foi Capitães de areia, ao qual gostei muito, e por indicação da minha mãe, comprei Farda, Fardão, camisola de dormir.

Achei divertida a mistura de sátira e história encontrada na narrativa, também gostei de ver o funcionamento da ABL na candidatura de seus imortais.

Os livros sobram por toda parte: amontoados no chão, em cima das cadeiras, abertos na pesada mesa de trabalho.


A politicagem de tratamento, visitas, presentes e interesses tanto dos que apoiam como os que não se agradam, me passaram o sentimento de que a obra produzida pelo candidato não se encontra em primeiro plano.

O que fica muito bem disfarçado pelo perfil dos dois candidatos que eles tiveram que aceitar de livre e obrigada vontade. E que dão todo o toque humorístico na narrativa.

Penosa, deprimente, desgastante, a campanha eleitora aproximava-se do fim da primeira etapa: os dois meses durante os quais os candidatos podiam se inscrever.


As mulheres são figuras importantes na história também, utilizando influência e poder de sedução para que a cadeira do seu amado poeta não seja ocupada por alguém que foge completamente do que ele defendia.

E ao falar de liberdade e censura, assuntos que nunca saem de moda, Jorge Amado me levou como leitora a dar uma volta ao passado com reflexões e riso.

Para quem iniciara a campanha sem opositor e com promessa de eleição unânime, o panorama da batalha se revelou flutuante e nebuloso.


No geral achei a escrita bastante fluída, o que faz com que a leitura seja rápida. Confesso que até o final da segunda parte me peguei perguntando se seria só aquela disputada entre os dois candidatos, mas a virada de chave é sensacional, o que me deu mais curiosidade de seguir na segunda parte.

E a curiosidade aqui é que ele se inspirou em uma votação real para criar uma narrativa cheia de intrigas, planos e reviravoltas. Uma homenagem com toque de crítica ao seu próprio meio.

Se não fossem as eleições, quem haveria de ligar para um velho como eu, embaixador aposentado, cobrando do Itamaraty uma miséria por mês, em moeda fraca? Ninguém, meu caro.


Eu já quero ler outros títulos dele, e deixo este como sugestão para quem quer um livro para se divertir, ao mesmo tempo que reflete sobre vários assuntos.


Farda, fardão, camisola de dormir
Jorge Amado
Companhia das Letras
2009 - 259 páginas
Publicado originalmente em 1979


sexta-feira, 6 de junho de 2025

Apolo - Diários perdidos dos jovens deuses

 


Sinopse: O filho ensolarado de Zeus, Apolo, só quer se dedicar à lira e à poesia, mas a diversão vai ter que esperar. Estranhos acontecimentos desafiarão o deus do sol fazendo com que os dias se tornem tristes e apagados.



Apolo faz parte da coleção Diários Perdidos dos Jovens Deuses, encontrados durante uma escavação arqueológica realizada próxima a cidade grega de Arácova.

Durante o período da guerra contra os Titãs, também chamada de Titanomaquia, os jovens deuses Apolo, Atena, Hermes, Ártemis, Hefaistos, Ares e Afrodite são enviados por Zeus para estudar na escola Museion, dirigida pelas nove musas no Monte Parnaso.

Eles haviam descoberto diários perdidos dos jovens deuses da Gré cia Clássica.


Em uma mistura de conflitos tipicamente adolescentes e mitologia grega, o jovem Apólo se depara com as primeiras grandes escolhas e a dificuldade de lidar com as suas consequências.


A escrita de Rosana Rios e Antônio Schimeneck

A coleção Diários Perdidos dos Jovens Deuses busca apresentar com uma linguagem atualizada os deuses do olimpo em uma visão jovem, que mistura dramas familiares, amizades, paixões, rivalidades e o amadurecimento de cada um.

No caso de Apolo, uma das divindades mais conhecidas da mitologia grega, é buscado associar junto com os seus dramas adolescentes as características que o fizeram deus da luz e do sol, da música e da poesia e da profecia.


Os raios solares me aquecem, me dão forças, alimentam minha mente com frases alegres e versos amorosos.


Suas relações familiares com os pais Zeus e Leto e sua irmã gêmea Ártemis também são exploradas, sendo uma espécie de pequena introdução aos adolescentes nestas relações um tanto complexas.

O que faz com que a coleção seja adotada em algumas escolas para os alunos do ensino fundamental e também seja utilizado em atividades de leitura que envolvam o público infantojuvenil.


O que eu achei de Apolo

Este livro caiu em minhas mãos justamente por ter se tornado uma leitura obrigatória para a minha filha, e como ela ficou com uma péssima impressão do Apolo, eu resolvi ler também.

Com capítulos que levam o nome das estações do ano e narrativa em primeira pessoa, a escrita é realmente voltada para o público jovem, me fazendo recordar o tempo que eu lia os livros da Coleção Vagalume. Tem aventura, emoção, conflitos, tudo resolvido de forma rápida, para não afastar o leitor.

A maioria me saúda com respeito. Alguns ficam com medo. Gosto de ser recebido assim... Sou o deus da Música e o melhor arqueiro da terra!


Mas acabei em concordar que algumas posturas do jovem deus são realmente problemáticas, o que poderia abrir discussões riquíssimas em sala de aula, ao invés de apenas uma prova. 

Começo pela perseguição de Apolo a ninfa Dafne, enquanto ele se imagina namorando ela, a guria vive fugindo dele, por mais que a irmã, a deusa Ártemis, peça para ele se manter afastado. A forma como Dafne termina, sem nenhuma consequência para Apolo pode servir de paralelo ao assédio sofrido pelas mulheres nos dias atuais.

Tinha a sensação de que os ventos riam de mim; era como se as más notícias tivessem atraído mais frio para o Parnaso.


Outro ponto é a morte de Hyacintus, o humano que em uma brincadeira com o deus grego perde a vida. E mais uma vez não vemos uma consequência, além da breve culpa, de Apolo. Nos dias atuais seria muito fácil fazer um paralelo entre as pessoas mais simples e os poderosos. Onde muitas vezes em situações críticas, como já dizia uma música, uns são mais iguais que os outros.

Então acredito que sim, para ter uma ideia dos mitos gregos e até para explorar o comportamento dos mesmos em um paralelo com os dias atuais, pelo menos o livro do Apolo pode render boas conversas sobre não apenas a mitologia, mas também pelo aspecto comportamental.


Apolo - Diários perdidos dos jovens deuses
Autores: Rosana Rios e Antônio Schimeneck
Editora ama livros
2024 - 104 páginas

terça-feira, 27 de maio de 2025

O perigo de estar lúcida


Sinopse: Com base na sua experiência pessoal e na leitura de inúmeros livros sobre psicologia, neurociência, literatura e memórias de grandes escritores, pensadores e artistas, Rosa Montero oferece aqui um estudo fascinante sobre as ligações entre criatividade e instabilidade mental. E o faz compartilhando curiosidades surpreendentes sobre como nosso cérebro funciona na hora de criar, decompondo todos os aspectos que influenciam a criação e reunindo-os diante dos olhos do leitor enquanto escreve ― como uma investigadora pronta para combinar peças avulsas para solucionar um caso misterioso. Ensaio e ficção andam de mãos dadas nessa exploração das conexões entre o criar e a loucura. 



Em A Louca da Casa, a escritora espanhola Rosa Monteiro já havia listado aos leitores o conjunto de ingredientes que levam um autor a conquistar a mente de quem vira suas páginas de forma a não largar o livro até chegar à última página.

Em O perigo de estar lúcida ela explora ainda mais a relação um tanto complexa entre a criatividade e a instabilidade mental. E exemplos de escritores famosos com seus fins nada felizes não faltam para nos fazer refletir sobre este sofrimento.

Isso é algo que acontece com frequência: você vai crescendo e um belo dia descobre que aquilo que acreditava firmemente na infância era uma falácia ou uma bobagem.


Sofrimento que pode servir de inspiração artística, ou que busca através da escrita um alívio para as dores pessoais que atormentam o dono das palavras.

Ao utilizar a sua própria vivência compartilhando suas crises de pânico, ela consegue equilibrar as explicações teóricas sobre fatores químicos e situacionais com os sentimentos de quem sentiu na pele. Em um texto que fala de criatividade, envelhecimento, funcionamento do cérebro, escolhas e tempestades.

Os fantasmas de um escritor são aqueles temas ou detalhes que se repetem constantemente em seus livros sem que, de modo geral, ele ou ela tenha consciência disso.


Ao falar sobre a tempestade perfeita, que pode resultar em um surto de criatividade ou em um último ato, ela aproxima a todos que de alguma forma convivem com isso ao mesmo tempo que dá luz a um assunto em que nem todos aceitam conversar pelo preconceito que ainda existe.

O único porém é que o livro pode fornecer alguns gatilhos para quem talvez esteja mais sensível no momento. E mesmo a autora solicitando que se aguente um pouco mais e espere a tempestade passar, talvez nestes casos, a leitura também deve ser deixada para um momento em que os pensamentos intrusivos não tragam ideias que possam nos ferir naquele momento.


A escrita de Rosa Monteiro

A espanhola Rosa Monteiro estudou jornalismo e psicologia, e com suas obras que abrangem desde romances, passando por ensaios, crônicas e literatura infantojuvenil. O que tornou a escritora uma das mais influentes jornalistas e escritoras contemporâneas da Espanha.

Seus livros tem por característica uma narrativa introspectiva, as vezes feministas, frequentemente autobiográfica, e sempre muito sensível, tornando-a envolvente para os leitores.

Se você realmente acha que não sente nada, isso significaria que não ama ninguém. E, se não ama, será que você não é o maior impostor do universo?


E é essa mistura junto com os temas morte, memória, loucura, vida, morte  e arte que são encontradas nas páginas de O perigo de estar lúcida.

Ao misturar relatos de sua própria vida, ficção e um pouco da vida de grandes nomes da literatura como Sylvia Plath, Virginia Woolf e Janet Frame de uma forma direta, simples e sensível, sua escrita nos leva a encarar de frente os desafios psicológicos enfrentados enquanto a arte segue sendo criada por mentes inquietas.

Se você tirasse o córtex cerebral da cabeça e o passasse a ferro, ele poderia chegar a medir meio metro quadrado.


Nos levando a várias reflexões sobre o funcionamento complexo da mente humana, passagem do tempo e sobre o ato de viver.


O que eu achei de O perigo de estar lúcida

Logo no primeiro parágrafo sou remetida para uma memória de infância. Rosa Monteiro tinha um objeto em casa que a mãe precisava esconder para ela dormir. Nas inúmeras casas que eu morei, havia o rosto de um chinês pendurado cujos olhos, independentemente de onde eu estava, pareciam estar me observando. Toda vez que eu ficava sozinha, tirava o objeto e deixava de rosto virado para o sofá, para ter paz.

Seguindo a leitura, parecia estar andando em um caminho aparentemente inocente, criatividade, cérebro que funciona diferente e então o sombrio. As várias vidas que se foram por não conseguirem esperar a tempestade perfeita passar.

Mesmo o romance mais experimenta e desconexo tem um começo e um fim, e domestica de algum modo essa algazarra absurda em que vivemos.


Internações, sofrimentos, obsessões, mulheres subjugadas. Não há ninguém para salvar pessoas de cérebro inquieto? Cujas vozes parecem narrar histórias, teorias e até mesmo pesadelos grande parte do dia? Ninguém para ver os sinais?

E embora eu tenha achado o livro muito semelhante ao Louca da casa, a ponto de precisar dar uma pausa por um breve momento estar achando a leitura enfadonha. Ao final me dei conta que é um livro que mexeu com o meu íntimo. Viver, morrer, envelhecer, sonhar, ter medo da loucura, da depressão ou de simplesmente adoecer. 

Não consigo me enxergar na minha idade real. Não entendo como cheguei a isso. 


Tudo muito próximo neste nosso mundo bastante insano, que parece testar o nosso limite em diversas situações e áreas. Onde resistência e resiliência podem ser exigidas todos os dias até te levar a lágrimas de exaustão.

Exigindo uma coragem extra para a tempestade perfeita passar. Exigindo uma proteção nos olhos para buscar uma luz em meio a escuridão. Exigindo sensibilidade para encontrar uma mão de apoio próxima que perceba sinais e te ajude a esperar por mais um dia. Exigindo uma respirada mais funda ao se dar conta de quanto tempo passou.

Não importa o quão maluco você pareça: sempre há um punhado de gente no mundo que sente, pensa e age como você.


Motivo pelo qual eu gosto tanto da escrita da Rosa Monteiro, ela consegue ao contar as histórias de grandes nomes da literatura mostrar a humanidade de sentimentos tão complexos da nossa mente. Sem julgamentos, somente com fatos e uma gentileza com aqueles que mereciam um abraço.

Ficando a indicação para quem gosta de livros que tratam de temas psicológicos, sobre a arte da escrita, sobre autores de renome, ou que simplesmente gostam de ler.


O Perigo de estar lúcida
El peligro de estar cuerda
Rosa Montero
Tradução: Mariana Sanchez
todavia
2023 - 270 páginas
Primeira publicação em 2022

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Mundos de uma noite só

Sinopse: Mundos de uma noite só é um romance de formação. Mas também de destruição: de uma cidade, de um tempo e, em especial, de nossas mais preciosas ilusões. Assim, somos convidados a acompanhar a jornada de uma mulher que, após encontrar um livro antigo entre as coisas de sua mãe, se vê obrigada a revisitar sua própria história. Multifacetado e de leitura hipnótica, este romance nos revela que, realmente, nada é apenas o que parecer ser. Nem mesmo aqueles que mais amamos.



No mês de março/25 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação da escritora Carola Saavedra - que tem o livro Com armas sonolentas resenhado aqui no blog - Mundos de uma noite só da sua pupila Renata Belmonte. O mimo foi chamado de cápsula de inspiração literária, que nada mais é do que cartões com frases de grandes escritoras. 

A menina sem nome, apelidada de Vivinha, cresce com duas mães em uma casa onde há fotografia de belas mulheres da família, ao qual nunca conheceu presencialmente, mas nenhuma referência masculina.

Foi nessa época, quando eu tinha apenas cinco anos, que elas me ensinaram que o amor é apenas um anticorpo do medo.


Uma criança que sofre de uma doença tão não nomeada quanto ela, vê a mulher que chama de mãe passar mais ausente que presente, enquanto Lágrima, sua segunda mãe, lhe presta a assistência no dia a dia.

Em paralelo um manuscrito póstumo chamado Uma valsa para o esquecimento apresenta a Vivinha a história dos Grimaldi desde a época de 1940, e assim ela vai conhecendo não só a família paterna como os seus próprios pais.

Se meus sonhos não se realizavam por que haveria de achar que logo meus pesadelos se tornariam realidade?


Mostrando em forma de uma dupla narrativa como o machismo estrutural funciona naturalmente dentro de uma família por gerações.


A escrita de Renata Belmonte

A baiana Renata Belmonte é formada em direito e iniciou no mundo literário através de um livro de contos. Mundos de uma noite só é o seu primeiro romance e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura.

Sua escrita tem como característica explorar temas relacionados a mulheres, como a opressão feminina, a própria identidade e as relações familiares. Algo plenamente encontrado em Mundos de uma noite só.

Como todos os outros, estava ficando velha e cansada. Pior: como todos os outros, começava a colecionar mágoas.


Mundos de uma noite só possui duas narrativas em uma. Para contar a história de Vivinha os capítulos parecem recortes, em uma estrutura não tão linear, que vai pontuando fatos da infância até a vida adulta da personagem.

Já o manuscrito tem uma sequência cronológica mais estruturada, e ao mesmo tempo ele fornece pistas do que acontece na vida de Vivinha, como uma espécie de quebra-cabeça.

Apesar de o marido ter sido um dos fundadores de um partido de oposição, viviam exatamente da mesma forma que os outros que ele tanto atacava.


Um dos recursos utilizados é o da repetição. Há repetições de parágrafos inteiros ou de frases para resgatar uma cena, podendo passar a impressão de erro na publicação, mas é um recurso literário. 

Também são utilizadas diversas expressões literárias, como na dedicatória que cita Albert Camus ou de uma frase de Simone de Beauvoir no momento da primeira menstruação.

Já havia escutado minha mãe dizer que era assim: todas as mulheres morrem, pela primeira vez, aos quinze anos.


E existem detalhes na forma como algumas coisas são apresentadas sem precisarem ser ditas, e a falta do primeiro nome das personagens principais representa é um exemplo do apagamento feminino, muito bem representado pela Senhora de Menezes Grimaldi.

Um livro para discutir o universo feminino com e sem firulas durante três gerações em um romance que pode causar reflexões ou confusões na sua linha de pensamento.


O que eu achei de Mundos de uma noite só

Sou fã de quebra-cabeças e livros de suspense. Então ao ler as primeiras páginas, em uma ligação para a minha mãe lhe disse: eu acho que é isso, isso e isso. Minha mãe já havia lido o livro, mas como combinado, ela não me deu nenhum spoiler. E sim, após a confirmação de que o livro terá uma continuação - ao qual não lerei - eu acertei.

Mas não irei ler a continuação por ter achado ruim? Pelo contrário, achei o livro bom, mas a graça nele para mim foi justamente terminar em dúvida, pensando se as duas narrativas eram realmente uma ou se era absolutamente tudo inventado, tipo aqueles filmes que no final a pessoa descobre que estava sonhando.

De repente, o que era uma mistura de admiração e medo, passa a ser rancor e um tanto de desprezo pela constatação de sua humanidade.


Só que comecei o meu acho rápido demais, voltemos para o início. A narrativa lembra muito o formato de quebra-cabeças, já que algumas das dúvidas que vão surgindo na parte da Vivinha são respondidas pelo livro encontrado após a morte da mãe.

Existem algumas lacunas que persistem, como a doença da menina, se era algo físico, se era depressão ou uma forma de chamar a atenção da mãe ausente, cuja presença de Lágrima não consegue atenuar.

Como não enlouquecer vendo as mesmas caras, dia após dia, por toda a vida? Como não perder a cabeça presenciando os mesmos acontecimentos, ano após ano?


Na parte do livro póstumo há muita crítica, e elas vão além da hipocrisia familiar, abrangendo também a sociedade e a política. Assim como as traições são recorrentes em diferentes níveis de relacionamento.

Em ambas as partes temos as vivências do universo feminino, da primeira menstruação, gravidez, maternidade, amores, vontade de agradar, amizade entre mulheres e abusos de diversos tipos, em diferentes classes. 

Se é o amor que irá me salvar, para que ele apareça logo, dou início ao meu processo destrutivo.


Além disso, para quem acompanha ou viveu a cultura do século passado, algumas referências irão chamar a atenção. O sobrenome Grimaldi foi um dos itens utilizados na narrativa que me fizeram a associar a easter egg, e sim, encontrei mais de um na história. No caso dos Grimaldi, é o mesmo sobrenome da família que tem o controle do Principado de Mônaco. Lembram da princesa Grace Kelly?

Mas no lugar desses easter egg serem divertidos, é quase como se a autora quisesse me lembrar que apesar de ficção, há muito de realidade no que é contado. Pois o uso de um sobrenome da nobreza europeia em uma que representa a elite política brasileira, nos faz pensar não apenas no poder patriarcal, como nas renúncias femininas e o que se esconde toda a fachada de influência e respeitabilidade.

Algumas coisas são certas nesta vida. A primeira delas é que, em algum lugar do mundo, existe alguém que irá lhe fazer mal, mesmo que não intencionalmente.


O apagamento da mulher, muito bem representado pela falta do nome de Vivinha e da sua avó paterna, chamada sempre de Sra. Menezes Grimaldi, foi para mim a maior evidência disso. Pois a saída das mulheres da sombra das figuras masculinas ainda é recente e não é total. Então foi como um lembrete de que muitas coisas ainda não mudaram, e ainda não ocupamos todo o espaço que temos direito.

No geral apenas um ponto me incomodou: o narrador do livro póstumo. Confesso que foi ele que me levou a dúvida se tudo era "real" ou apenas invenção. E na minha opinião, um diário escrito pela Sra. Menezes Grimaldi teria tornado esta parte mais verossímil.

Eu não pude ter uma infância normal por causa dela. Desejou me transformar num protótipo seu, numa pequena prostitua magricela.


E é justamente esta brincadeira de descobrir se as teorias estão corretas, com a dúvida se tudo é realmente real somada com as inúmeras reflexões sobre o universo feminino, tornam o livro fechado para mim, o que motivou a minha declaração no início de que não, não desejo ler a continuação.

Mas deixo a dica para você ler Mundos de uma noite só e tomar a sua decisão se deseja ou não ler a continuação. Querendo trocar percepções, é só deixar as suas teorias nos comentários.


Mundos de uma noite só
Renata Belmonte
TAG - TusQuets Editores
2025 - 192 páginas
Publicado pela primeira vez em 2020



sexta-feira, 9 de maio de 2025

Blade Runner


Sinopse: Em uma Terra decadente, coberta por poeira radioativa, Rick Deckard é um caçador de recompensas. Uma missão desafiadora pode ser sua única chance de ascensão: Deckard precisa perseguir e aposentar seis androides foragidos que se passam por humanos.



Em uma São Francisco pós-apocalíptica, ter um animal de verdade é sinal de status e acreditar em Mercer um sinal de humanidade entre os que ficaram vivendo em uma Terra radioativa.

Entre os moradores está Rick Deckard, um caçador de recompensas casado com uma mulher depressiva e dono de uma ovelha elétrica sofisticada o suficiente para enganar os seus vizinhos.

Isso em vez de economizar, e assim a gente poderia comprar uma ovelha de verdade, para colocar no lugar daquela falsa e elétrica lá em cima.


Sua nova missão lhe promete dar uma boa quantia em dinheiro: aposentar um grupo de replicantes Nexus-6 fugitivos das colônias que ficam em outros planetas. Estes replicantes são particularmente perigosos, pois são androides com criação biológica avançada, sendo necessários testes de empatia para distingui-los dos seres humanos.

Mas no decorrer da missão, Deckard começa a conhecer diferentes pessoas e androides, e as relações e comportamentos começam a fazer com que surjam diferentes reflexões sobre o que ele acredita e pensa em relação a natureza de tudo, da vontade de viver até a criação de laços.

A Poeria que havia contaminado a maior parte da superfície do planeta não tinha surgido em nenhum país em particular e ninguém, nem mesmo os inimigos de guerra, havia planejado isso.


Tornando Blade Runner não só uma ficção científica, mas uma obra que nos faz refletir sobre questões existenciais a respeito da nossa própria humanidade.


A escrita de Philip K. Dick

Considerado um visionário, o autor americano nascido em Chicago Philip K. Dick é conhecido por interligar temas complexos que vão desde a natureza da realidade, passando por tecnologia até o que se entende por identidade.

Sua escrita até hoje influencia autores e cineastas, principalmente por serem inovadoras e instigantes até hoje. Mas incrivelmente este autor capaz de questionar presente passado e futuro só atingiu a popularidade após a sua morte.

Porque, em última análise, o dom da empatia ofuscava as fronteiras entre caçador e vítima, entre vencedor e vencido.


Isso se deve as adaptações de suas obras para o cinema e televisão como "Minority Report", "Total Recall", "The Man in the High Castle" e "Do Androids Dream of Electric Sheep?" que teve o nome alterado para "Blade Runner" e segue sendo cultuado até os dias de hoje, com direito a mais de uma versão. 

O livro "Do Androids Dream of Electric Sheep?" hoje muitas vezes é publicado com o nome do filme, mas sua escrita não foi adaptada para a versão cinematográfica.

De qualquer jeito é um risco, libertar-se e vir para a Terra, onde não somos sequer considerados animais.


O Blade Runner das páginas segue explorando temas filosóficos como o que define a humanidade. A narrativa em terceira pessoa é direta, com diálogos que ajudam a ambientar o mundo que os personagens vivem.

Assim como explicitar as crises existenciais, a necessidade de ter algo para acreditar, revelando angústia, depressão, necessidade de aceitação.

Senti todos os outros, em todo o mundo, todos que haviam feito a fusão ao mesmo tempo.


O que torna o livro bem diferente da sua versão cinematográfica, mas nem por isso menos interessante.


O que eu achei de Blade Runner

Primeiro tive uma sensação de estranhamento, já que as datas citadas no livro o futuro já virou passado, mas pelos eventos, parecemos estar vivendo o início de tudo o que é relatado no livro.

Encontrei nas páginas um planeta destruído, onde androides replicam perfeitamente a imagem de humanos e animais, mas há muitas outras camadas na história que são exploradas.

Estou aqui com você e sempre estarei. Vá e faça sua tarefa, mesmo que você saiba que é errado.


É curioso ver em uma sociedade em que poucos restaram e uma poeira toma conta do céu, que as aparências ainda importam. O que você tem ou deixa de ter na opinião dos outros segue aumentando ou diminuindo o seu ego, mesmo que o dinheiro gasto pudesse ter melhor uso.

A questão da fé também é muito forte. O acreditar em alguém impulsionado pela empatia, que somente a humanidade consegue sentir, desafia as máquinas, a ponto de elas também quererem um pouco das vivências humanas.

Nenhuma consciência emocional, nenhum senso de compreensão do real significado do que diz.


E é essa empatia que irá mexer com o caçador de androides, que o fará sentir dúvidas e questionar sobre suas próprias ações enquanto precisa decidir se irá ou não completar a missão.

O que geram cenas com aquele ponto de interrogação: Rick está alucinando ou temos uma ficção científica com realismo fantástico? O que estamos lendo é uma milagre ou uma alucinação movimentada pela necessidade de acreditar?

No entanto, o fogo sombrio tinha diminuído; a força da vida esvaía-se dela, como ele já havia testemunhado antes com outros androides.


Tornando a narrativa algo muito superior a uma caçada ou avanço tecnológico, onde as máquinas são apenas o gatilho para discutir sobre os eternos conflitos humanos.

Motivo pelo qual recomendo e muito a leitura, seja você fã de ficção científica, seja você fã de reflexões sobre a nossa existência.


Blade Runner
Do androids dream of electric sheep?
Philip K. Dick
Tradução: Ronaldo Bressane
TAG - Aleph
2023 - 272 páginas
Primeira publicação em 1968


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Nadando no escuro




Sinopse: Em meio a um cenário político conturbado, Ludwik conhece Janusz em um acampamento agrícola. A amizade, a princípio inocente, logo cede espaço a um romance voraz às escuras. Cercados pela isolada beleza da natureza e livres das restrições sociais, eles se apaixonam. Mas, longe daquele cenário idílico, na repressão da sociedade comunista e ultraconservadora de Varsóvia, o amor dos dois é mais do que proibido — é impossível. Do intoxicante primeiro amor até a dor de amadurecer, Tomasz Jedrowski criou uma inesquecível e instigante história que explora liberdade e amor em todas as suas formas.

No mês de fevereiro/25 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação do escritor cearense Stenio Gardel (autor do maravilhoso A palavra que resta) o livro Nadando no escuro do escritor alemão Tomasz Jedrowski. O mimo foi um par de sachês da Tea Shop (adoro).



Em um formato que lembra uma carta, um Ludwik que mora em Nova York relembra diferentes momentos da sua vida na Polônia dos anos de 1980. Do primeiro amor por um menino judeu cuja família um dia desaparece, as reuniões misteriosas da mãe e da avó fechadas em um quarto, até a exposição de risco em um local público quando tenta entender a sua sexualidade.

Talvez fossem os fantasmas desses sons, varridos pelo vento e carregados sobre o oceano para bater à porta de minha consciência.
 

Esta carta é para Janek, um rapaz que conheceu em um acampamento de trabalho agrícola, onde o livro O quarto de Giovani faz a ponte entre os dois para viverem um romance intenso e secreto.

Secreto por não ser aceito pelo regime político a ponto de gerar perseguições e interrogatórios, e por ser algo que pode atrapalhar os planos ambiciosos de Janek de se enturmar com os ricos e poderosos, aos quais caiu nas graças.

Como é que, sendo uma criança, se cria laços com outra criança? Talvez seja simplesmente por meio de interesses em comum.
 

Enquanto Janek segue passo a passo o seu plano, Ludwik sonha em sair do país ao mesmo tempo que se depara com as dificuldades de quem não possui pessoas de referência para quebrar barreiras básicas como seguir com os seus estudos.

Um livro sobre amor, descobertas e opressão em um regime que não aceita protestos nem dá liberdade para que as pessoas façam suas próprias escolhas pessoais.

 

A escrita de Tomasz Jedrowski

Filho de pais poloneses, o escritor Tomasz Jedrowski nasceu na Alemanha e hoje mora na França. Nadando no escuro é o seu primeiro romance do autor, traduzido para mais de dez idiomas, a obra ganhou o Prêmio Polari de literatura LGBTQ+.

Narrado em primeira pessoa pelo personagem principal Ludwik Glowacki, Nadando no escuro permite ao leitor ter acesso aos pensamentos, memórias, sentimentos e reflexões de Ludwik.

Você nunca comparecia a aulas ou palestras, nunca precisou. Portanto, poderíamos muito bem nunca ter nos encontrado.
 

Se dividindo entre o tempo presente, onde ele vive a desejada liberdade, e o passado, onde as pessoas que amou e/ou cruzaram o seu caminho ficaram trazendo assim também os impactos da sua história nos dias de hoje, criando uma atmosfera que mistura o peso das escolhas com nostalgia.

 

O que eu achei de Nadando no escuro

Eu achei a escrita de Tomasz Jedrowski extremamente delicada e sensível. O amadurecimento e evolução do personagem Ludwik, que mesmo em meio a mágoa e as dificuldades, consegue manter os seus princípios, me encantou.

Além de ter que se adaptar as mudanças naturais, o personagem tem a preocupação a mais de viver em um país que o partido que governa decide o que é bom para a população e quem são os merecedores de uma vida diferenciada, o que já torna tudo difícil. Mas quando isso ganha um nível de preconceito absurdo, é preciso realmente ter coragem para romper as amarras e tentar seguir em frente.

Eu me sentia como um passarinho liberto da gaiola, assustado e exultante com o vazio diante de mim.
 

O que faz com que Nadando no escuro consiga ser múltiplo, pois se ele é um livro sobre autodescoberta e culpa pelo que se sente, a narrativa também é uma bonita história de amor e uma crítica ferrenha ao modelo socialista implantado na Polonia no pós segunda guerra mundial.

Colocando nas páginas não só a pobreza que a maior parte da população tem que se sujeitar, como os meios que precisam ser utilizados para quem quer mais do que sobreviver. Aqui muito bem representado pelo personagem Janek.

Tentei dizer que não significava nada, que não era real. E, ainda assim, eu já não conseguia mais olhar para você sem me sentir completamente drenado de quaisquer forças.
 

Nos fazendo lembrar que não existem sistemas perfeitos, mas que a liberdade de ser e escolher, desde que não faça mal ao próximo, deve sempre prevalecer.

E assim deixo a dica de um romance delicado e sensível, cujo peso e a força está nas escolhas e situações enfrentadas pelos personagens.

 

Nadando no escuro
Swimming in the dark
Tomasz Jedrowski
Tradução: Luiza Marcondes
TAG - astral cultural
2025 - 237 páginas
Primeira publicação em 2020