quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Tudo de bom vai acontecer



Sinopse: Essa é a história de Enitan: uma jovem nascida na Nigéria dos anos 1960 e que atinge a maioridade em uma cultura que ainda insiste na submissão feminina. Enitan rejeita os sistemas familiar e político até ser confrontada com o único desejo precioso demais para perder em nome da liberdade pessoal: seu desejo por um filho. Tudo de bom vai acontecer evoca as visões e culturas da África, ao mesmo tempo que conta uma história sábia e universal sobre amor, amizade, preconceito, sobrevivência, política e o custo de lealdades divididas.

O livro de setembro/2020 da TAG Curadoria trouxe uma indicação da escritora nigeriana Ayòbámi Adébáyò, que indicou o livro Tudo de bom vai acontecer da também nigeriana Sefi Atta. O mimo foi um colorido quebra-cabeça que traz a pintura Freedom school da artista visual Synthia Saint James.

A história tem início em 1971 quando Enitan está com onze anos, naquela fase que se é meio criança, meio pré-adolescente. Ela possui uma grande admiração pelo pai, um advogado que dá uma vida de conforto para a sua família, e de estranhamento com a mãe, que se entregou a religião após a perda do filho caçula. Em um dia de tédio acaba conhecendo a menina da casa vizinha, pertencente a uma família a qual a mãe não desejava que ela não tivesse contato. Mas Sheri chama a atenção de Enitan e ali nasce uma amizade.

Nada, nada deteria minha mãe, dizia ele, até ela ter destruído tudo na nossa casa por causa daquela igreja dela.

Seguimos para 1975, Enitan e Sheri trocam cartas enquanto passam maior parte do ano morando em suas escolas. Em um colégio interno de meninas, Enitan vive em um ambiente em que todas se ajudam mutuamente para sobreviver, suas origens eram  diversas, assim como suas religiões e culturas. Mas é nas férias que ela vive um momento que irá marcar sua vida e direcionar o destino de Sheri.

Pulam-se dez anos, e Enitan estuda em uma universidade londrina, tornando-se advogada como o pai. Golpes seguem ocorrendo na Nigéria, mas isso não influencia tanto em sua vida quanto as relações amorosas. Em um primeiro momento é na Inglaterra que ela quer ficar, mas o frio e o tratamento recebido a empurram de volta para o lar paterno.

Meninas más eram estupradas. Nós todas sabíamos disso.

Muitas de suas opiniões e conceitos vão mudar na década de noventa, quando a política a atinge pessoalmente, seu ciclo de amizade se abre e em uma situação de tensão ela acaba conhecendo a situação de outras mulheres, e o seu mundo é subitamente ampliado com novas revelações, tanto pessoais quando do seu país.

Como vocês podem observar no resumo, o livro não é dividido por partes, mas por anos, acompanhamos a vida de Enitan de  1971 a 1995, sendo expectadores do seu crescimento de menina a uma mulher madura. Não há capítulos, apenas um espaço em branco maior que separa um momento de outro.

Nossas mães eram maravilhosas. Nos protegiam das verdades sobre nossos pais, permaneciam em casamentos ruins para nos propiciar uma chance.

Sefi Atta nos apresenta a visão de uma nigeriana classe média, em uma Lagos com seus prédios e condomínios suburbanos, muito distante daquela imagem padrão que os estrangeiros possuem, como se toda a África fosse igual ao comercial do Médicos Sem Fronteiras.

Através da mãe de Enitan, é pautada a questão religiosa, que tem um misto de cultural, com suas vestes e crenças, com a questão do dinheiro, quando o dízimo não é só pedido como exigido.

Se desejasse, podia bater na mulher, expulsá-la de casa, com ou sem os filhos, e deixá-la sem nada.

Há o machismo e a questão de os homens poderem se casar com mais de uma mulher, estupro, o fato de a esposa pedir permissão para a tomada de suas decisões. Assim como subjugar a capacidade pelo gênero, algo que ocorre tanto de estranhos como em família. E este fato não se concentra apenas entre os homens, já que muitas mulheres encontram justificativas para apontar ou emitir a sua opinião em relação ao estilo de vida da próxima.

Também é abordado a maternidade, embora não com o enfoque que é dado na sinopse. Sim, em dado momento Enitan deseja ser mãe, mas a grande questão é verdadeiramente abordada na relação mãe x filha, onde só na idade adulta ela passa a enxergar realmente por tudo que sua mãe passou, enquanto desmistifica a aura de perfeição atribuída ao pai.

O mundo da publicidade talvez não soubesse quem éramos, mas nós comprávamos os produtos destinados a outros mercados sempre que chegavam ao nosso país e quando viajávamos para o exterior.

A amizade entre mulheres também é algo forte na história, não só entre Sheri e Enitan, mas também com outras personagens que entram ao longo da história e vão criando uma rede de apoio. Na dica do livro, a TAG havia referenciado as personagens de Amiga Genial como comparativo, mas ouso dizer que aqui a única semelhança está na amizade de longa data. Em Tudo de bom vai acontecer não há disputas, não há inveja, e sim questionamentos naturais de pessoas que se querem bem, que dão força a outra quando esta precisa.

E por fim a questão política. Entre governos civis e militares, a Nigéria vive em uma constante ditadura, o quanto cada cidadão é afetado irá variar conforme ele está disposto a se manifestar. Pessoas são presas, pessoas somem, e seus familiares não sabem de nada.

Desde o início foi responsabilidade do povo, da pessoa física, lutar pela pátria e se agarrar àquilo.

Um livro sobre um país distante, de terceiro mundo como o Brasil, onde as diferenças de tratamento entre homens e mulheres são grandes, e cuja visão é ampliada após o final da leitura. Uma história que é mais do que distração, mas a possibilidade de conhecer outra cultura.


Tudo de bom vai acontecer
Everything Good Will Come
Sefi Atta
Tradução: Vera Whately
TAG - Editora Record
2012 - 367 páginas


Outros livros sobre a África com resenhas aqui no blog:

Adeus, Gana
O Mundo se despedaça
Tempo de Migrar para o Norte
As alegrias da maternidade
A menina sem palavras
Antes de nascer o mundo
Pequena Abelha


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