sexta-feira, 1 de junho de 2018

Tempo de Migrar para o Norte


Após anos de estudos na Europa, o narrador retorna para a sua aldeia, que fica ali, na curva do rio Nilo. Neste local mora a sua família, e na bagagem ele trás toda a saudade que o acompanhou até mesmo nos sonhos. Um retorno ao antigo quarto, ao chá materno, as muitas perguntas sobre o mundo ocidental e repentinamente um rosto desconhecido.

Assim entra Mustafa, um homem que como ele estudou na Europa e percorreu o mundo até se acalmar em um lugar afastado de tudo o que ele havia vivido, e são os seus questionamentos que irão despertar no narrador curiosidades e pensamentos, sentimentos e reações que até então ele não estava preparado.

E é ele também que irá trazer diferentes facetas da colonização britânica na África, a visão que muitos tinham de seus moradores até chegar ao Sudão pós-colonial e seus políticos, que renegam saúde e educação aos seus habitantes, mas não abrem mão de seus luxos. A ironia é palpável, em uma crítica a forma de governar.

Outro ponto forte na história é o papel da mulher, a forma como são tratadas tanto por Mustafá quanto pelos moradores da aldeia dão uma pitada bem mais tensa, costumes inexplicáveis, atitudes de difícil compreensão para quem vive o feminismo ocidental. Ali estão a paixão, a loucura, a decepção e o regime patriarcal. Em uma conversa entre os mais velho, é citada a mutilação na região genital das meninas, onde uma das justificativas é o fato de ser uma das normas do islã.

Quem se aventurar por esta migração, irá se sentir flutuar pela escrita de Tayeb Salih que logo no primeiro capítulo o encerra com  ‘ : ’, como que instigando ao leitor a manter o livro aberto. E não é um livro de ideias prontas, Mustafa está ali para provocar dúvidas, não para solucionar mistérios. Assim como o narrador, você é atirado em um rio e levado a viver por um breve momento entre uma pequena aldeia e as ruas da Europa. Onde você vai parar? Só a sua conclusão final irá dizer.

Tempo de Migrar para o Norte
Mawsim al-hijra ila al-shamal
Tayeb Salih
Tradução: Safa Abou-Chahla Jubran
TAG – Planeta
1966 – 175 páginas

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