Sinopse: Do vencedor do prêmio Nobel de literatura de 2021, uma história arrebatadora de amor e traição protagonizada por dois homens que dividem um turbulento passado em comum.
No mês de Julho/2022 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro à beira-mar, do escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah. A indicação foi da própria TAG, que completou oito anos e enviou uma edição ainda mais caprichada para cantar parabéns junto com os seus assinantes. O mimo foi o livro Os sofrimentos do jovem Werther, primeiro romance do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe.
Saleh Omar chega ao Gatwick Airport na Inglaterra como um refugiado em busca de asilo. Ao contrário de muitos que fazem o mesmo caminho, ele já não é jovem, o que surpreende todas as pessoas que ele encontra pelo caminho.
Estava acostumado com funcionários que fulminam e cospem em você pela menor das faltas, que brincavam com você e o humilhavam pelo puro prazer de brandir sua sagrada autoridade.
Sua esperança consiste no fato do governo britânico conceder asilo a qualquer um que diga estar sofrendo risco de morte. Seguindo as orientações recebidas ainda na sua terra natal, ele finge não saber falar inglês, pronunciando apenas as palavras Refugiado e Asilo. E assim ele escuta todo o monólogo preconceituoso do policial que o atende – ironicamente um descendente de refugiados da Romênia-, para no final ter que aceitar de boca fechada o policial roubar o seu ud-al-qamari, um objeto de inúmeras lembranças.
Quem lhe presta assistência é Raquel Howard, a conselheira jurídica de uma organização de refugiados. É ela que o encaminha para as primeiras moradias - de um centro de refugiado, passando pela casa de uma senhora que ganha para recebe-los até ter um espaço só seu -, e faz visitas para acompanhar a sua adaptação. Por inicialmente fingir não falar inglês, Raquel providencia um interprete: Ismail Latif Mahmud.
Mas o mundo todo já havia pagado pelos valores da Europa, mesmo se durante boa parte do tempo tivesse pagado repetidas vezes sem usufruir deles.
Latif, assim como Omar, é um fugitivo de Zanzibar. Mas sua fuga ocorreu há muito mais anos, quando fugiu da Alemanha Oriental, ao qual foi enviado para estudar. Só que o país de origem não é a única coisa em comum entre os dois, pois como o destino gosta de brincar, é hora de retornar a um passado que nenhum dos dois esqueceu.
Um acontecimento em comum os une, não só como memória, mas como fator determinante para que estejam novamente frente-a-frente, ambos fugitivos, ambos marcados por inúmeras tristezas.
Agora nos continham, um incômodo casual e sem valor que precisava ser mantido sob vigilância.
O encontro destes dois homens irá desenterrar velhas lembranças, e enquanto eles enfrentam os próprios fantasmas, o leitor descobre não só sobre as suas vidas, como toda a cultura e mudança política do seu lugar de origem.
A escrita de Abdulrazak Gurnah
À beira-mar possui dois narradores: Saleh Omar e Latif, que contam a sua história sob o seu ponto de vista, o que em muitos momentos servem para complementar ou deixar em dúvida o leitor em relação ao comportamento e caráter de um dos personagens.
Assim como o mar, o autor Abdulrazak Gurnah convida página a página a mergulhar mais fundo na história, com momentos de calmaria, outros de contradição, de alegria e também muita dor.
Ninguém capaz realmente de me ver, gente sofrendo a pressão de seu próprio trabalho e conhecendo incontáveis histórias e descrições de mendigos como eu.
Da religião mulçumana com suas regras, passando pela mulher casada que se utiliza do sexo para obter vantagem e vingança de homens poderosos, o homossexualismo conhecido, mas não escancarado. Até chegar as regras de um país que muda conforme quem está no poder, trazendo a população muitas incertezas.
Por explorar a história dos dois muito além da superfície, e por sabermos como ele estão no presente, é um livro que explora muito da memória, não só dos homens que compartilham as suas experiências pessoais, mas de um país inteiro.
Esta é a casa em que vivo, pensei, uma linguagem que late e me menospreza atrás de cada esquina.
E por isso mesmo também de escolhas e caminhos escolhidos, sobre como cada palavra ou atitude podem mudar um destino. Ao qual pode determinar inclusive a solidão por vontade própria.
O que eu achei de à beira-mar
Eu gostei muito da narrativa do escritor Abdulrazak Gurnah. Se no momento presente temos dois narradores ainda vivendo as perdas de um passado e tentando recomeçar do zero em um lugar totalmente novo. O antes é recheado de dúvidas, trapaças, mesquinharias e muita vingança.
Vingança que ganha ainda mais espaço quando entra a parte da história política de Zanzibar, uma ilha pequenina da África que viveu uma revolta sangrenta em 1964, com prisões arbitrárias, assassinatos e perseguições. O que motivou pessoas como o próprio autor a fugirem para o Reino Unido e recomeçarem.
Houve tanta crueldade em sua vida que hesito em julgá-lo com severidade, mas era negligente.
Motivo pelo qual Abdulrazak Gurnah pode narrar com propriedade de quem sentiu na pele o tratamento recebido pelos exilados, em como é abandonar tudo o que você conhece para recomeçar em um local novo, onde nem todos os habitantes desejam a sua presença.
Ficando assim a minha recomendação para quem gosta de livros mergulhados em memórias, com recomeços após perder tudo, e em que a história é construída com base em acontecimentos e vivencias reais.
à beira-mar
By the Sea
Abdulrazak Gurnah
Tradução: Jorio Dauster
TAG Curadoria - Companhia das Letras
2001 - 365 páginas
Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.
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