sexta-feira, 9 de novembro de 2018

História da Menina Perdida



Sinopse: No último volume da série napolitana, Lenu e Lina caminham da maturidade para a velhice. Nesse percurso temos o resultado dos anos de embate que acompanhamos durante toda a tetralogia. Não houve nem haverá redenção. A violência do bairro, a dificuldade das relações familiares e da maternidade, a ausência do amor continuam em História da menina perdida. O relato da amizade tóxica de Lenu e Lina, que nos engole como um buraco negro, encerra do modo como prevíamos desde o primeiro livro: uma verdadeira obra de arte do nosso tempo.

Elena Ferrante encerra a sua série napolitana com o quarto romance intitulado História da Menina Perdida. Como em todos os volumes, o título nada mais é que uma referência a uma importante situação da narrativa.

Demorei um pouco mais de um mês para ler suas 476 páginas. Não, o livro não é tedioso. Não, o livro não é difícil. A verdade é que encerrar os laços com Lenu e Lila não foi fácil. Era como se eu fosse uma amiga invisível que nada podia fazer pelas duas, e após devorar três volumes ficava o medo de tudo evaporar como a própria Lila.

Ela procurou quase imediatamente entrar mais uma vez à força em minha vida, e eu a ignorei, a tolerei, a suportei.

Outro ponto para esta leitura bem mais lenta foi à releitura de passagens, como se tentando entender se era isso mesmo. Ou ao ver a Itália de ontem como um espelho do Brasil de hoje, talvez com um desalento ainda mais agudo, e uma memória igualmente curta. 

O crescimento, escolhas, amadurecimento e rumos de Lila e Lenu serviram de pano de fundo para descrever Nápoles e a própria Itália. De um bairro pobre pós-guerra, passando pela camorra, o uso dos computadores, intelectuais, sindicalistas, socialistas, terroristas, operação mãos-limpas, ataque às torres gêmeas, tudo descrito pelo olhar de duas mulheres tão diferentes, tão problemáticas, tão únicas, como todas são.

Falei de como tinha observado em minha mãe e nas outras mulheres, desde menina, os aspectos mais humilhantes da vida familiar, da maternidade, da sujeição aos homens.

A série napolitana não é um romance simples, ela é feminista sem ser extremista, ela é política sem ter partido, ela é violenta sem pingar litros de sangue, ela é honestidade e mentira, superação e inferiorização, perdas e ganhos, vida e morte.

Como uma ficha de orelhão antigo, a cada volume as engrenagens vão se encaixando devagarinho. Em dados momentos nos envolvemos tanto nesta amizade - ora considerada destrutiva, ora irmandade - que não nos damos conta do seu ambiente, até ele vir como uma bofetada e muitas vezes espelhar a nossa realidade.

Houve um deslocamento entre a pessoa que eu esperava encontrar e a que de fato topei em minha frente.

História da Menina Perdida narra o envelhecimento das personagens e as consequências das escolhas realizadas no terceiro livro. E o inesperado retorno para casa, sacramentando a volta do convívio das duas. Culpa e maternidade também acompanham esta última etapa, onde os papeis de mãe e filha vão se alternando. E mesmo tantos anos depois elas parecem manter os mesmos comportamentos: Lenu tentando se firmar e Lila sempre se transformando.

O último volume é o fim de muitas coisas para as duas, e também de descobertas e desilusões para Lenu. Suas dúvidas, fraquezas e complexos a tornam mais próximas do leitor, que acabam admirando Lila junto com ela. 

Querer bem corre paralelo a querer mal, e eu não consigo, não consigo me condensar em torno de nenhuma boa vontade.

Aliás, se Lila muitas vezes parece fazer mal a Lenu, por outro fica claro que a primeira é combustível da segunda mesmo quando esta agora se depara com a velhice no espelho. Se Lila muitas vezes derruba Lenu, ela também a levanta, em uma relação de extremos e segredos.

E a curiosidade sobre um livro que contasse a versão de Lila às vezes parece irresistível. Mas no mesmo momento a ideia parece inaceitável. Ao quebrar sua aura de mistério, que sentimentos vamos ter por ela?

Em geral aqueles momentos de hostilidade eram manifestos, mas às vezes também pressionavam sob uma aparência de disponibilidade e de afeto.

É uma série que ainda quero reler, talvez quando o gosto de saudade aliviar, ou quem sabe quando na cidade das personagens voltar. Apenas sei que Lila seria uma excelente guia para conhecer realmente a cidade de Nápoles.

História da Menina Perdida
Storia della bambina
Elena Ferrante
Tradução Maurício Santana Dias
Editora Globo – Biblioteca Azul
2014 – 476 páginas


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