sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O Deserto dos Tártaros



Sinopse: Feliz por escapar da monotonia da academia militar, o jovem tenente Giovanni Drogo recebe com alegria a missão no forte Bastiani - para ele, a primeira etapa de uma carreira gloriosa. Embora não pretendesse ficar por muito tempo, o oficial de repente se dá conta de que os anos se passaram enquanto, quase sem perceber, ele e seus companheiros alimentavam a expectativa de uma invasão estrangeira que nunca acontece. A espera pelo inimigo transforma-se na espera por uma razão de viver, na renúncia da juventude e na mistura de fantasia e realidade. Publicado originalmente em 1940, O deserto dos tártaros marcou a consagração de Dino Buzzati entre os grandes escritores italianos e foi eleito pela crítica especializada um dos melhores livros do século XX.

Em outubro de 2018, o escritor Alejandro Zambra indicou para a TAG Curadoria um dos livros que mais mexeram comigo entre todas as leituras: O deserto dos tártaros do italiano Dino Buzzati.

Não é difícil se identificar com Giovani Drogo. Seu perfil reflete um ou vários dos comportamentos humanos de uma forma atemporal e metafórico. É o tipo de livro que poderia ganhar uma versão com análise psíquica, como ocorre com os contos antigos em Fadas no Divã.

Era aquele o dia esperado há anos, o começo de sua verdadeira vida.

Temos a escolha errada e o desejo que uma mudança a torne correta. Onde o forte militar Bastiani aparentemente representa fisicamente o desejo de sucesso e glória na profissão, para depois se tornar símbolo de todo o desgaste de quem fica parado enquanto o mundo segue a girar.

Nos deparamos com a desmotivação e o aceitar a rotina com o desleixo da juventude de quem não amadurece. Como uma antiga canção todo dia é igual: horário para levantar, horário para realizar as tarefas, até o futuro se tornar um horizonte sem perspectiva e a velhice chegar sem que se perceba.

Se precisasse ficar ali em cima por anos a fio, e naquele quarto, naquela cama solitária, devesse consumir sua juventude?

O tempo é um personagem onipresente quando os dias passam de forma rápida e enfadonha, sem momentos inesquecíveis para recordar, sem momentos que tornem os dias diferentes um do outro. O não viver enquanto se respira. Eu tenho tempo, eu sou jovem, amanhã eu faço quando o amanhã já chegou.

A questão do sentido da atividade executada, quando todo o brilho inicial se evapora e a utilidade é questionada, onde as ações são realizadas no automático. Eventualmente se busca algo para quebrar a monotonia, e quando as visões demonstram não ser verdadeira, só resta retornar a rotina com um tédio ainda maior.

O Natal já se dissolvia na distância, também o novo ano viera, trazendo aos homens, por alguns instantes, estranhas esperanças.

Mudando o olhar, o não fazer nada para mudar a realidade que faz o tempo escorrer pode ser uma forma de driblar a morte, personagem que aparece em alguns momentos, seja de forma estúpida, seja grandiosa ou até sutilmente. Como antigas histórias em que os personagens até tentam se esconder desta senhora, mas que mesmo disfarçados são levados junto a ela.  

Só que o perigo para o leitor está ao fechar a última página. Mesmo os mais incautos podem cair em uma reflexão pessoal, onde é impossível não olhar para o próprio passado e para a sua rotina, trazendo a tona perguntas que nem sempre estamos dispostos a enfrentar, e muito menos a responder. 

Nenhuma criatura, há muitos e muitos anos - a não ser algum corvo ou cobra -, aventurava-se por aquelas plagas.

Uma leitura cujos sentimentos estão muito mais relacionados com a forma como vivemos do que com o destino do personagem, já que na teoria todos queremos obter um tipo de realização.

Ironicamente a narrativa em terceira pessoa consegue ser leve, descrevendo os detalhes de forma a colocar o leitor dentro das paredes do forte sem ser cansativa. Os companheiros de Drogo podem ser semelhantes aos teus colegas e vizinhos.

Pela planície do norte abaixo alastra-se aquele inofensivo simulacro de exército, e no forte tudo se estagna de novo ao ritmo dos dias de sempre.

E para completar, o que tudo indica a história nada mais seria do que um retrato da insatisfação do próprio autor com o seu trabalho em um jornal, local ao qual esteve ligado até morrer. Então não, o livro não é sobre armas ou a vida militar, mas sobre a nossa guerra diária em lutar por aquilo que realmente queremos viver.

Será o livro a chave para abandonarmos o nosso forte Bastiani e lutarmos por nossos sonhos ao invés de esperar os nossos tártaros? Eis uma pergunta que cada um deverá responder.

O Deserto dos Tártaros
Il deserto dei tartai
Dino Buzzati
Tradução: Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade
TAG – Editora Nova Fronteira
1940 – 206 páginas


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