Sinopse: Nos anos 1970, o pequeno Moisés desenvolve as artes da sobrevivência num orfanato na República do Congo. Apelidado de Pimentinha, o menino vai amadurecer e flertar com a loucura entre órfãos, ladrões, prostitutas e outros excluídos de um país chacoalhado por uma revolução comunista.
A TAG Curadoria fechou o ano de 2020 tendo uma indicação de um dos meus escritores favoritos: Mia Couto. Em uma edição belíssima, fui apresentada a Alain Mabanckou e seu Moisés Negro, ou Pimentinha no título original. O mimo foi um livro com três contos de F. Scott Fitzgerald.
Papai Moupelo era um personagem à parte, sem dúvida um dos que mais me marcaram durante os anos que passei nesse orfanato.
Moisés passou toda a sua infância no orfanato de Loango, onde recebeu do padre ao qual as crianças chamavam de Papai Moupelo o nome de "Demos graças a Deus, o Moisés negro nasceu na terra dos ancestrais". Mas um dia o padre não aparece mais, as crianças esperam e esperam, até o diretor anunciar mudanças: agora eles fazem parte dos pioneiros da revolução socialista do Congo.
O menino junto com o seu amigo Bonaventure veem a sua rotina mudar pouco a pouco, até a chegada dos gêmeos, meninos violentos que impõe o medo entre eles. Mas ironicamente um ato de defesa ao amigo faz com que Moisés acabe criando laços com eles, a ponto de abandonar tudo e se atirar no desconhecido ao fugir do orfanato.
Ao despejar pimenta em pó na comida dos gêmeos, eu sabia que isso podia me custar um olho.
E assim vamos junto com ele descobrir Pointe-Noire, os assaltos no Mercadão, a disputa de comando, a hierarquia de poder dentro de um grupo. O sentimento de encontrar um lar ocorre em uma caminhada aleatória, quando o agora jovem Moisés conhece Mamãe Fiat 500, dona de uma casa onde ela e suas meninas atendem diferentes clientes, e é justamente esta relação que irá gerar a segunda mudança de chave na vida deste personagem.
Narrado em primeira pessoa pelo próprio Moisés, a história é dividida em quatro partes, passando da infância até os seus dias atuais, quando ele está com cerca de quarenta anos. Confesso que achei a primeira parte arrastada, as vezes até mesmo chata, embora curiosamente interessante, já que é possível ver o impacto na vida das crianças com a mudança do regime político.
Você quis salvar esse animal, te forçaram a cozinhá-lo, você se acostumou com a cara dele, e isso está te consumindo...
Na segunda parte, quando Moisés me levou junto com ele pelo submundo de Pointe-Noire o ritmo começou a acelerar. A individualidade dos mais fortes, que subjugam o seu grupo, o encontro de uma espécie de lar, até a virada de chave que há na história que me ganhou de vez.
E isso é muito legal, pois conforme a mente do personagem passa por alterações, o ritmo da narrativa também muda, me convidando a virar uma página a mais, até o desfecho que realmente me surpreendeu.
Como se não bastasse, na época de lua cheia, sobretudo nos anos bissextos, eu queria a todo custo ver o umbigo de uma mulher de policial.
Relacionando com outros livros lidos, ao ler sobre diferentes países da África observa-se toda a riqueza e diferença cultural, no meu caso eu desconhecia a existência de dois países com o nome de Congo. Um é a República Democrática do Congo, ex-Zaire cuja a população é citada no livro, e a ex-colônia francesa República do Congo, onde a história acontece.
Assim como a juventude do grupo lembra um pouco a narrativa de Jorge Amado no ótimo Capitães de Areia, que também nos conta sobre meninos que sobrevivem pelas ruas cometendo crimes, associação feita por vários leitores além de mim.
Pressenti que ele estava me enganando quando parou de sorrir e começou a me olhar como se eu viesse de outro planeta.
Então sim, gostei da escrita, da história, do que aprendi, e recomendo para quem gosta de viajar para outros lugares através dos livros, de conhecer outros povos ou simplesmente de viver histórias diferentes da sua realidade.
Moisés Negro
Petit Piment
Alain Mabanckou
Tradução: Paula Souza Dias Nogueira
TAG - Malê
2015 - 223
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