Sinopse: Com base em poucas informações sobre a biografia de William Shakespeare, Maggie O'Farrell cria a trama protagonizada por Agnes, uma mulher excêntrica e selvagem, que tinha o hábito de caminhar pela propriedade da família com seu falcão pousado na luva, além de possuir dons extraordinários como prever o futuro, ler pessoas e curá-las fazendo uso de poções e plantas. Após o casamento com um professor de latim, ela se tornou uma mãe super protetora e a força centrífuga na vida do marido, que seguiu para Londres, onde consolidava sua carreira como dramaturgo. A vida de ambos é severamente abalada quando o filho, Hamnet, sucumbe a uma febre repentina.
Recebi no mês de julho/21 da minha assinatura da intrínsecos o livro Hamnet da autora inglesa Maggie O'Farrell. De mimo veio o livro Era uma vez em Hollywood e um pôster que mistura Shakespeare e Tarantino.
Antes do primeiro capítulo o leitor já é informado que o menino Hamnet morreu aos onze anos em 1596, e inspirado neste menino, o pai escreveu e encenou a peça que se tornou imortal: Hamlet.
Ele dá cada passo devagar, desliza ao longo da parede, as botas pisando firme e ruidosamente.
Já sabendo a base da história, o leitor irá se deparar com um Hamnet apavorado em 1596 atrás de um adulto, pois sua irmã gêmea, Judith, estava passando mal, apresentando os primeiros sintomas da peste negra que assolava o local. Do avô só recebe violência, as mulheres todas saíram de casa, e o médico não está no consultório.
Retorna-se alguns anos no tempo e encontramos o pai de Hamnet dando aula de latim em uma fazenda para alguns meninos como pagamento de uma dívida de seu pai. É pela janela que ele se encanta por Agnes, também chamada de Anne, uma mulher forte, conectada à natureza, que muito cedo perdeu a sua mãe.
Está cauteloso, as palavras do pai lhe ecoam na mente: fique longe do seu avô quando ele estiver com o humor sombrio.
Ela é mais velha que o rapaz, mas isso não impede a paixão entre eles, e entre contrários e a favores, eles se casam em uma cerimônia discreta, tendo três filhos, o que agonia Agnes, já que em uma visão, ela enxergou apenas dois de seus filhos em seu leito de morte, e a faz ficar de olho na menina que julga mais frágil.
E quando a morte vem, e isso não é um spoiler visto que a nota histórica já avisa o leitor, embora não o prepare devidamente, a dor ecoa com força pelas páginas, atingido os mais sensíveis e principalmente aqueles que tem todo o amor do mundo pelos filhos, o que me fez pensar que uma caixa de lenço deveria ter sido enviada como mimo extra nesta caixa.
A cena que o recebe é tão imprevista, tão desconcertante, que ele leva um instante para se situar, para determinar o que está acontecendo.
Maggie O'Farrell divide o seu Hamnet em duas partes, na primeira temos o passado e o presente intercalados. Das primeiras descobertas do casal, a luta contra o tempo de uma mãe desesperada, que a tantos ajudou e agora nada consegue fazer pelo seu filho. A bonita ligação dos gêmeos, cujo amor vem desde o útero, e descreve uma das cenas mais bonitas do livro.
Falando em descrição, é na primeira parte que temos o caminho da peste que atinge a família, tudo começando em um macaquinho em um porto distante que encontra um rapaz do mar. Aqui é muito fácil fazer uma associação com os dias atuais, sendo praticamente uma explicação de como uma doença se espalha fácil, superando distâncias e fronteiras.
Não quer uma cerimônia realizada a milhas de distância da cidade, em uma igrejinha com um padre esquecido e com ela e o noivo entrando sorrateiramente em uma capela.
Na segunda temos toda a dor do luto, sentida por cada membro da família de uma maneira diferente, causando reações e expectativas totalmente individuais. Um capítulo único, pesado, e longo como a eterna saudade da perda, que em alguns momentos exige um tempo para respirar e assim se livrar um pouco da sensação de sufocamento que a ausência tão amada provoca.
E como mérito da escritora temos a possibilidade através de sua ficção de uma nova visão de Anne Shakespeare. Casada por 34 anos com o dramaturgo, eles, como na história do livro, viviam em cidades separadas, ela na terra natal com os filhos e próxima aos irmãos e sogros, e ele em Londres escrevendo e encenando suas peças, alcançando o sucesso popular.
Passou a noite ali: não se levantou, não comeu, não dormiu nem descansou.
Somado as casas separadas o que gerou algumas conclusões não muito gentis entre os biógrafos foi a diferença de idade entre os dois - cerca de oito anos - e o fato de ela casar grávida, algo que chocava muito a sociedade local em 1582.
O que fez com que alguns a descrevessem como uma solteirona que seduziu o pobre rapaz para obriga-lo a casar, fazendo com que Shakespeare cometesse um erro desastroso. O que explicaria nesta visão machista o fato de em seu testamento ele ter deixado apenas a cama do casal para a esposa, deixando quase todos os bens nas mãos da filha mais velha Susanna.
Ela, que sempre soube, sempre sentiu o que iria acontecer antes que acontecesse, que sempre se moveu com serenidade num mundo totalmente transparente, foi enredada, pega de surpresa.
Em meio ao desconhecido, a escritora preenche estas lacunas com suas próprias especulações de forma muito verossímil, mantendo a característica de Agnes ser uma mulher à frente do seu tempo, em um misto de força, gentileza, delicadeza, que nada teria com a megera muitas vezes descrita.
Então sim, adorei a forma como ela misturou o pouco que se sabe e contrariando historiadores criou uma ficção sobre a força e sofrimento feminino. Onde no meio de tanta intensidade e dor é possível se colocar no lugar dos personagens facilmente, principalmente quando também vivemos em meio a uma pandemia. Afinal, qual mãe não teme perder os seus filhos?
Pousa a agulha com cuidado porque ela não pode espetá-lo, nem mesmo agora, e estende os braços.
É muito fácil gostar de Agnes e seus filhos, a generosidade de como ela procura auxiliar os doentes que a procuram, o abrir mão do convívio diário para que o marido encontrasse sua vocação e fosse feliz. São várias as escolhas que ela faz ao longo do livro, e é ela que precisa administrar sozinha os acertos e erros de cada uma.
Sobre a narrativa em si, mesmo Maggie O'Farrell utilizando da terceira pessoa, consegue criar uma aproximação muito forte com os personagens. A forma como ela descreve as cenas, nos faz imaginar cada casa, rua e árvore, mas sem ser tedioso, já que ela faz isso durante a movimentação de cada um deles, em uma procura, caminhada ou olhar.
Pegou a morte do filho e a tornou sua, pôs a si mesmo nas garras da morte, ressuscitando o menino em seu lugar.
Uma curiosidade é que nem todos os personagens são nomeados, incluindo William Shakespeare, que é chamado como o professor de latim, o filho, o pai, o marido. Como que dizendo, não, este livro não é sobre você, mas com você. Quebrando a visão, por um momento, de que um dos personagens é o grande escritor para transforma-lo em um ser humano com falhas e dores.
Um livro que apesar de triste, me encantou, e me despertou uma maior curiosidade sobre a época e as obras do próprio Shakespeare, ao qual só li Sonho de uma noite de verão, que eu imagino ser a comédia citada no livro. Ficando a minha recomendação para você ler e lavar os olhos.
Hamnet
Maggie O'Farrell
Intrínseca
2020 - 384 páginas
Esta resenha não é patrocinada, a assinatura do clube citado é pago integralmente pela autora.
Que interessante. Eu sou apaixonada por esse universo Shakesperiano. Não conhecia a autora mas já anotei a dica aqui.
ResponderExcluirO livro tem uma história fluida, envolvente, a obra nos inspira uma reflexão sobre a vida, realmente é uma história triste, mas é um livro que vale a pena ler, bjs.
ResponderExcluiroi!
ResponderExcluirQue maravilha :D eu adorei a sugestão de leitura, já quero ler sou fã de William Shakespeare
Como é bom quando nos deparamos com uma leitura cativante apesar de triste. Ao ler sua resenha fiquei inspirada para acompanhar a história de Hamnet. Amei a indicação, obrigada.
ResponderExcluirOi, tudo bem? Faz pouco tempo que tive contato com a escrita de William Shakespeare. Inclusive estou para iniciar a leitura de O mercador de Veneza. Espero gostar. Um abraço, Érika =^.^=
ResponderExcluirOlá,
ExcluirAinda não li o Mercador de Veneza, mas no caso do Hamnet de Maggie O'Farrell não se tem contato com a escrita de Shakespeare, já que é uma ficção mais focada em sua família.
Além de frases perdidas por aí nunca li nada de William Shakespeare, vi alguns filmes baseados ... fiquei curiosa e com vontade de ler, gostei da indicação!
ResponderExcluirPor ser uma ficção baseada muito mais na esposa do escritor do que nele, não é o livro que irá fazer você conhecer a escrita de Shakespeare, recomendo começar por Sonhos de uma noite de verão.
ExcluirEstá mistura é curiosamente fascinantes.ainda não li nada autora mais já estou ansiosa.
ResponderExcluirOlá! Tudo bem?
ResponderExcluirParabéns pela resenha sobre Hamnet, ficou bem caprichada. Eu já conhecia o livro, mas por alto! Eu sou fã de Shakespeare! Dica anotada!
Abraços!
O livro é bem interessante para realizar questionamentos sobre como Anne, esposa do escritor, foi retratada pelos biógrafos ao longo do tempo.
ExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirNão conhecia esse livro ainda, mas já fiquei com muita vontade, pois a premissa já despertou minha curiosidade. Isso de nem todos os personagens serem nomeados é algo que considero interessante. Arrasou demais no post!
Beijos!