quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Sonhos em tempo de guerra


Sinopse: Em Sonhos em tempo de guerra, uma das vozes mais influentes da literatura contemporânea africana registra com delicadeza um passado que ainda tem muito a dizer ao presente. Ngũgĩ wa Thiong'o nasceu em uma região rural do Quênia, e cresceu sob o impacto da Segunda Guerra Mundial nas colônias britânicas. No cotidiano da família formada por seu pai, as quatro esposas - a terceira delas sua mãe - e os muitos irmãos, Ngũgĩ localiza as origens do futuro narrador: histórias contadas ao redor do fogo e uma sede insaciável de aprendizado após o primeiro contato com a escola.


No mês de agosto/21 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação do escritor brasileiro Jeferson Tenório o primeiro livro do projeto autobiográfico do escritor, pensador e professor queniano Ngũgĩ wa Thiong'o chamado Sonhos em tempo de guerra. O mimo foi um jogo para formar palavras, que já foi para as mãos da minha filha - e cá entre nós, uma ótima forma de estudar a escrita das palavras.

Ngũgĩ wa Thiong'o nasceu em 1938 em um país que ainda era colônia britânica. Quinto filho de sua mãe, e um dos vinte quatro de seu pai, vivia circulando entre as cinco cabanas posicionadas em forma de círculo, onde cada uma pertencia a uma das esposas e a principal era do seu pai.


Minha mãe era muito boa em fazer aparecer uma refeição por dia, mas quando se tem fome, é melhor encontrar alguma coisa, qualquer coisa, para afastar a mente das lembranças de comida.


A convivência familiar era de muitas histórias e contrastes de personalidade. O pai começa como um homem rico para a comunidade e reservado, de pouco contato com seus numerosos filhos, mas por ações dos colonizadores vê suas conquistas escaparem por seus dedos, mudando sua forma de lidar com os familiares ao se entregar a bebida. Já as mulheres sempre foram muito agitadas, fazendo rodas para compartilhar lendas e fatos passados, cozinhando e tratando com afeto todas as crianças que circulam pelo local, vivendo em uma harmonia talvez inesperada para tantas esposas.

Sua mãe sempre incentivou os estudos, algo que os seus irmãos mais velhos não deram sequência. Uma das melhores frases da história vem dela, que sempre perguntava ao filho quando este lhe falava dos seus aprendizados, provas e conquistas: "Foi o melhor que você conseguiu fazer?", mas não em tom de cobrança, e sim se ele havia se esforçado para aquilo. O resultado é um menino que adora aprender e sempre está buscando o seu melhor nas situações mais adversas. 


As esposas de meu pai, ou nossas mães, como as chamávamos, revezavam-se para levar comida à sua cabana.


É ela também a responsável por uma mudança na vida do garoto, quando após um episódio de violência doméstica decide retornar para a casa do próprio pai. O avô materno, ao qual o garoto herdou o nome,  acaba se tornando uma referência masculina, fazendo com que Ngũgĩ sinta muito orgulho de virar seu escriba particular e ter permissão para compartilhar de sua mesa.

E é acompanhando o crescimento do menino Ngũgĩ que o leitor entender como os quenianos viraram soldados para defender a Inglaterra durante a segunda mundial, os riscos que eles corriam por fazer fronteira com territórios pertencentes a Mussolini e as diferenças na distribuição de recompensa quando tudo terminou.


Todos, os professores, os estudantes, parecem esplêndidos em sua estranheza.


Assim como conhecer a Revolta dos Mau Mau, conflito presente em grande parte da sua adolescência, durante os anos de 1952 e 1960 que lutava pela independência do Quênia, citando personagens históricas do país como Jomo Kenyatta, que foi referência do grupo e o primeiro presidente do Quênia.

Neste ponto temos o irmão mais velho por parte de mãe largando a carpintaria para se juntar a luta pela independência, o Bom Wallace é uma referência forte ao menino Ngũgĩ, pois ele também frequentou a escola e apoia o garoto no aprendizado, demonstrando sentir orgulho ao dar importância a todas as etapas e conquistas do irmão mais novo.


A crença em si mesmo é mais importante do que intermináveis temores acerca do que os outros pensam de você.


Narrado em primeira pessoa, o escritor Ngũgĩ wa Thiong'o compartilha em Sonhos em tempo de guerra as primeiras memórias da infância até a sua entrada no ensino médio. Entre pequenos acontecimentos familiares, que vão de brincadeiras, comidas, o primeiro uniforme e os homens que admirava, passando por momentos históricos do período.

Para o leitor pode ser bastante perturbador ver a necessidade que os colonizadores tinham de se adonar dos bens das famílias, em uma enorme falta de respeito com os povos que ali estavam quando eles chegaram. Ao mesmo tempo se entende há não compreensão que estes novos habitantes sentiram em relação à cultura, como o costume da circuncisão, algo que ainda hoje é muito discutido, principalmente a feminina. Embora isso não justifique a tentativa de apagar toda a história de vários povos, como ocorreu em quase todos os países colonizados.


Uma conversão bem-sucedida era medida a partir de quão rápida, profunda e completamente alguém se despojava de sua cultura e adotava novas práticas e valores.


Também me chamaram a atenção a busca por manter as próprias tradições por meio da escola, onde o autor frequenta tanto a estrutura organizada pelos missionários quanto as criadas pelos quenianos que completaram os seus estudos. Contando os leitores as diferenças encontradas nas duas formas de ensino, que vai das disciplinas - com ênfase especial para o ensino da língua inglesa-  até o aspecto comportamental que inclui as atividades extracurriculares. 

Eu gostei do livro, mas confesso que apesar de eu adorar livros históricos, confesso que a forma como ela foi abordada na narrativa pesou um pouco na fluidez da leitura. Não, não estou dizendo que é ruim, mas existe nitidamente uma pausa para explicar o contexto histórico, dando uma sensação de explicação de sala de aula - como ele é professor, talvez isso explique o estilo -, quebrando muitas vezes o fluxo narrativo nesta troca de visão pessoal, contexto histórico e retorno as memórias.


Talvez sejam os mitos, tanto quanto os fatos, que mantenham os sonhos vivos mesmo em tempo de guerra.


E apesar do livro ser o primeiro de uma série autobiográfica o seu final não exige obrigatoriamente a leitura em sequência do próximo livro, já que ele fecha de forma redonda. Ficando a opção de procurar os demais para quem quer saber como Ngũgĩ wa Thiong'o e sua família, em paralelo com o próprio Quênia, seguiram durante os seus próximos anos e conquistaram a sua independência, e no que este marco influenciou a vida deles.

Ficando a dica de leitura para quem gosta de biografias, de fatos históricos ou anda na busca de livros que permitam conhecer melhor o continente africano.


Sonhos em tempo de Guerra - Memórias de Infância
Dreams in a time of war: A childhood memoir
Ngũgĩ wa Thiong'o
Tradução: Fábio Bonillo e Elton Mesquita
TAG - Biblioteca Azul
2010 - 248 páginas

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8 comentários:

  1. O livro Sonhos em tempo de Guerra, é um livro incrível, que nos faz refletir, e mostra um modelo familiar pela quantidade de esposas do pai nos costumes ocidentais, é um excelente livro pra ler bjs.

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  2. Gostei da sua sinceridade quanto à fluidez da leitura. Li alguns livros que falam sobre a segunda guerra. Fiquei curiosa para acompanhar a história de Ngũgĩ wa Thiong'o.
    Bjs!

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  3. Oi
    Eu gostei da sugestão de leitura 📚 ainda não conhecia a obra. Já quero ler

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  4. Oi, tudo bem? Quase não tenho contato com livros dessa região do mundo mas fiquei bem curiosa principalmente por ser uma cultura que conheço pouco. Interessante ser uma série. Um abraço, Érika =^.^=

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  5. Olá, linda! Não conhecia esse livro mas tenho certeza que é uma obra maravilhosa para quem curte biografias. No momento tô buscando algo mais leve.
    Beijos,
    Paloma Viricio❤🍃

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  6. Eu não curto muito livros que falam de guerra, mas pelo que li em tua resenha parece ser um livro bem interessante!

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  7. O livro é um relato memorialista da vida do autor, é o que todo mundo já prendeu na garganta, querem falar de Sonhos em Tempo de Guerra, vivemos em guerra todos os dias, é uma leitura para reflexão.

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  8. Olá, tudo bem?

    Ainda não conhecia o livro, mas já fiquei bem interessada por tudo que trouxe a respeito dele. Porém, o fato dessa fluidez ser quebrada, para o contexto histórico ser explicado, me deixa um pouco receosa. Gosto de obras autobiográficas, então parece ser uma excelente opção! Anotei aqui!

    Beijos!

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