Sinopse: Na Lisboa dos anos 1990, um jovem escritor vê seu caminho se cruzar com o de José Saramago em diversas ocasiões. Desses encontros, nasce uma história em que realidade e ficção se mesclam, num engenhoso jogo de espelhos construído habilmente por José Luís Peixoto que evidencia as possibilidades que cercam o universo da metaliteratura.
Julho é o mês de aniversário da TAG, e seus associados sempre recebem uma edição ainda mais especial. Ao completar cinco anos o que recebi foi um grande presente. Autobiografia é uma homenagem ao escritor José Saramago e a oportunidade do leitor entrar neste mundo tão estranho que se chama escrever um livro.
Temos um José que gosta de beber, jogar e que na ânsia de sua juventude ainda não conseguiu escrever o seu segundo romance. Ele é surpreendido por um convite: escrever a biografia de ninguém menos do que José Saramago.
Preso, o seu olhar entrou em cada uma daquelas palavras, mestre de obras, avaliou-as por dentro como se fossem casas, pode viver-se aqui?
Enquanto tenta escrever a história, ele percorre Lisboa e convive com diferentes personagens que vão da própria mãe, seu senhorio Bartolomeu, a namorada Lídia, o amigo Fritz, além é claro do próprio Saramago e Pilar.
A primeira coisa a dizer é que a leitura não é fácil. Como a sinopse avisa, temos um jogo de espelhos. Peixoto parece se utilizar de sua experiência pessoal e do que conhecia do próprio Saramago para confundir o leitor em uma narrativa fantástica, que multiplica Josés e situações que vão do cotidiano ao inusitado.
Caminhando pelas ruas de Lisboa, que pode ser o centro histórico ou a periferia onde nenhum turista tira foto, assuntos como imigração e racismo são colocados na pauta, onde questões tão atuais fazem parte do encaminhamento da história, ao mesmo tempo em que leva o leitor a refletir sobre comportamentos tão familiares.
Perante a fatalidade da morte, a herança que um homem foi capaz de juntar é a sua própria existência; termina o tempo, permanece o metal.
A segunda coisa a dizer é que o livro não é uma biografia do Saramago, mas o autor está presente em suas páginas quando identificamos em alguns capítulos o ritmo e a estrutura de livros já lidos. Assim como referências e personagens de histórias hoje muito conhecidas pelos fãs deste escritor português.
O que faz com que o leitor que se entrega ao jogo de biografia tenha um desejo de ler as obras de Saramago referenciadas ao longo do texto ao finalizar a leitura. Uma curiosidade que se mistura com a necessidade de buscar pequenos tesouros ainda não descobertos.
Mas não pense que não há nada de Peixoto, pois há também a poesia e a suavidade característica do autor, o que nos leva de um mundo a outro sem nenhum aviso, exigindo ainda mais a nossa atenção.
Outra característica que deixa forte a presença de Peixoto no livro são as referências à figura paterna, que se apresenta nas mais diferentes formas, impactando fortemente na vida dos seus personagens.
Há uma condensação de potencial nas crianças, se são verdadeiramente crianças são sempre verdadeiramente livres, qualquer impensável pode nascer da sua sede.
A terceira coisa a se dizer é que a muito processo da escrita, mais precisamente do processo criativo de um escritor. Temos observações, pesquisa, nota de rodapé e frases não terminadas. Em um momento raro estamos na mente e nos dedos de quem tenta transformar pensamentos em parágrafos. É possível sentir a pressão, o envolvimento e até mesmo a frustração da quebra do ritmo.
A quarta coisa a se dizer é que temos um narrador sem nome (será o próprio Peixoto?!) que nos conta a história utilizando o português de Portugal, mas isto não deve assustar ao leitor, pois mesmo as palavras desconhecidas são de fácil entendimento no andamento da frase.
Outro recurso utilizado é de frases do próprio Saramago sobre a literatura, sobre escrita, sobre vida. Elas complementam a experiência e nos levam a repensar outros livros escritos, e ecoam em leituras futuras.
O mundo não sente obrigação de explicar-se. Quem precisa de explicações que as procure.
Um livro sobre livros, sobre autores, sobre vidas. Um livro para pensar e gargalhar, pois sim, neste mundo de Josés há cenas para rir, sonhar e questionar. Autobiografia é para ser lido de coração e mente aberta, pois para os que amam ler ele não acaba após chegar à última página.
Autobiografia
José Luís Peixoto
TAG – Companhia das Letras
2019 – 246 páginas
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