quarta-feira, 23 de agosto de 2023

A boneca de Kokoschka



Sinopse: Em uma Dresden devastada pelos bombardeios, Bonifaz Vogel esconde na sua loja de pássaros o jovem judeu Isaac Dresner. A partir daí, vão entrando em cena diversos personagens, incluindo Mathias Popa, autor de A boneca de Kokoschka, que conta a história do pintor Oskar Kokoschka e da sua boneca, feita à imagem e semelhança da sua amada. E dessa singular galeria de vidas, Afonso Cruz compõe um irônico e magistral jogo de matrioskas, no qual a realidade se confunde com a ficção e cada história é ressignificada pelo olhar do outro.

Em meio a segunda guerra mundial, o jovem Isaac Dresner corre desesperadamente para salvar a sua vida. É na loja de pássaros onde seu pai havia construído uma cave que ele encontra a salvação ao se esconder no local. Um dia, passa a falar de seu esconderijo com Bonifaz Vogel, o dono do local, que curiosamente obedece a voz sem dono, gerando uma curiosa relação.

Com o fim da guerra, Isaak apesar de ser o mais jovem, adota Bonifaz, ao grupo se une Tsilia, que os encontrou por acaso na rua após fugir do local onde morava. Mudam de país para se reconstruir através da pintura e de uma livraria. E é o encanto de Isaak pelos livros que o faz cruzar com o escritor Mathias Popa.

Sabia que aquilo acontecia dentro da sua cabeça, mas tinha a estranha sensação de que as palavras vinham do soalho, passando-lhe pelos pés.


E este encontro irá gerar um livro dentro de um livro, onde o foco é Adele Varga, que após a guerra contrata um investigador para descobrir os mistérios que sua avó escondida. A chave de tudo é o autor que se torna personagem na própria história e transforma tudo em um jogo de espelho, quando as semelhanças entre a realidade da ficção de Afonso Cruz começam a ser refletida na ficção de Mathias Popa, e vice-versa.

E é neste romance também que o leitor irá encontrar a explicação do título, ou melhor, toda a origem da criação da boneca de Kokoschka.


A escrita de Afonso Cruz


A boneca de Kokoschka recebeu o Prêmio da União Europeia para a Literatura em 2012, mas este não é o único motivo pelo qual o livro do escritor português Afonso Cruz merece ser lido.

Com uma escrita que mistura agilidade, reflexões, cenas fortes, toques cômicos e lirismo, ele divide a sua boneca de Kokoschka em três partes mais o romance de Mathias Popa. Sendo a primeira parte referente a guerra, a segunda parte com as memórias de Isaac - e por tabela de Bonifaz e Tsilia - e seu encontro com Popa, o livro de Popa e a última parte onde temos um novo personagem.

As pessoas diziam que ele era estúpido e ele concordava acenando com a cabeça e passando os dedos no queixo.


Os capítulos são curtos, rápidos, as vezes fortes, outras vezes objetivos e também há momentos em que se explica um pouco mais sobre os personagens. A narrativa em sua maioria está em terceira pessoa, havendo alguns momentos nas memórias e cartas que o autor utiliza a narrativa em primeira pessoa.

O resultado é um livro envolvente que exige atenção para não se perder nos acontecimentos e reviravolta, pois se o início da história parece mais simples, no decorrer das páginas ela vai ganhar uma complexidade que não permite devaneios entre os parágrafos.

 

O que eu achei de A boneca de Kokoschka


O livro tem logo de início a cena mais emblemática para mim, Isaac Dresner brincando com um amigo vê o mesmo ser baleado na cabeça por um soldado alemão, e quando o garoto vai ao chão, a sua cabeça cai justamente no pé direito de Isaac. O peso da cena trágica o acompanhará para sempre, já que ele passa a coxear ligeiramente na perna direita, carregando eternamente os efeitos de uma guerra.

Já para o final achei surpreendente o cuidado pelos detalhes da obra de Mathias Popa, já que o livro dentro do livro é completo, com direito a capa, capítulos e apresentação do autor. E claro, o nome da editora do Isaac.

E, se o que é harmonioso e proporcional é fácil de reconhecer, donde vem essa atroz desproporção que vemos no mundo?


E apesar de ter sentido um certo estranhamento e perdido um pouco do meu ritmo de leitura quando comecei a ler o livro dentro do livro, no geral eu gostei bastante da obra.

Principalmente da primeira parte que eu achei triste e ao mesmo tempo formidável o fato do menino se comunicar pelo chão e o senhor simplesmente obedecer a aquela voz. O cuidado do menino que passou a auxiliar até nos negócios da loja e no fim da guerra se sentia pai de quem o ajudou sobreviver.

É assim o nosso destino, fazemos curvas e parábolas para que ele se cumpra com perfeição.


Pois existe muita humanidade entre os personagens, no auxilio mútuo e em suas buscas após anos de muitas perdas, e na eternização da memória através das histórias.  

Um livro que me chamou a atenção pelo resumo e não decepcionou, ficando aqui a minha recomendação de leitura.


A boneca de Kokoschka
Afonso Cruz
Editora Dublinense
Edição em Português de 2021
2010 - 288 páginas

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