terça-feira, 23 de agosto de 2022

Casas Vazias



Sinopse: Uma criança desaparece em plena luz do dia. De um lado desse vazio brutal, o instante de desatenção de uma mulher que nunca quis ser mãe. Do outro, uma mulher que deseja ser mãe a ponto de cometer um ato desesperado. Entre esses dois pontos de vista, acompanhamos uma narrativa que ecoa as diversas formas de maternidade, das impostas às almejadas, do seu papel social à sua natureza primordial, em uma trama visceral e inquietante.

No mês de Maio/2022 eu recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro Casas Vazias da escritora mexicana Brenda Navarro, indicação do também escritor e editor Emilio Fraia. O mimo foi um acesso de 60 dias a uma plataforma de streaming - ao qual eu não usei devido a obrigatoriedade de informar dados de pagamento antecipadamente - e um pacote de pipoca de caramelo e flor de sal muito bom da Mais Pura.


A História

Entre o aventureiro e o que oferece uma vida estável, uma mulher que não deseja ter filhos opta pelo segundo. Em sua vida de classe média no México, casada com um europeu de pele branca, ela tem algumas regalias. Com o tempo ela resolve engravidar, e quando está prestes a dar à luz sua cunhada é assassinada pelo marido, fazendo com que ela se torne repentinamente mãe de dois. 

Daniel desapareceu três meses, dois dias e oito horas depois do seu aniversário. Tinha três anos. Era meu filho.


Na rotina do dia-a-dia ela volta a sentir vontade de retornar para a vida descompromissada e assim retorna aos braços do aventureiro, agora um amante com data marcada para partir em definitivo. O medo de perder aquele alívio em seu cotidiano a faz se distrair em uma tarde no parque. É no celular, em uma conversa com ele, que toda a sua atenção está focada, enquanto outra mulher, encantada pela beleza do seu filho, um menino de três anos, o leva.

A raptora vive na área pobre do México, esforçada, é o tipo de mulher que se vira nos trinta trabalhando e juntando dinheiro, a ponto de conquistar a própria casa e não dever para ninguém, muito pelo contrário. O homem com quem ela mora não quer lhe dar a tão sonhada filha, sendo um dos fatores que a faz se encantar pelo belo menino, e passa ver nele a possibilidade de construir uma família feliz.

O que foi que aconteceu? Vi pouco. E, embora eu tenha andado entre as pessoas, gritando o nome dele repetidas vezes, meu ouvido ficou surdo.


Mas a maternidade repentina vira tanto a sua vida de cabeça para baixo quanto da mãe consumida pela culpa da criança perdida.


A escrita de Brenda Navarro

Duas narradoras, dois pontos de vista em primeira pessoa, em comum uma criança de três anos. O lado B da maternidade na figura do pequeno Daniel/Leonel. 

As duas mulheres não possuem nome, assim como toda mulher que encara o desafio da maternidade, que deixa de ser alguém e passa a ser a mãe da(o) fulana(o). Aqui temos a mãe de Daniel e a raptora que mudou o seu nome para Leonel. Em comum, os desafios de criar uma criança e as culpas e dores que envolvem a maternidade.

Não ser vida, não ser fonte, não deixar que o mito da maternidade se estendesse em mim.


Um recurso que a autora Brenda Navarro utilizou que eu achei muito interessante é a diferença de tempo nas narrativas. A mãe navega entre algumas lembranças do passado, ao mesmo tempo que o seu presente alcança o futuro muito mais rapidamente. Sendo ela sempre a primeira a falar nas três partes da história.

Quem vive o presente mais lentamente, nos respondendo parte das dúvidas que surgiram com a mãe, é justamente a raptora, complementando a visão de quem está de fora, enquanto as personagens seguem tateando, ou quem sabe nos enganando.

Todos nós queremos o futuro, porque é uma promessa de que, em algum momento, você ficará livre da estupidez.


Mas além da maternidade em si, temos uma pincelada da paternidade ausente, pois os seus companheiros são homens que não desejam participar dos desafios cotidianos que é criar e educar uma criança, que se esquivam em qualquer dificuldade. Naturalmente no segundo caso o seu parceiro não tinha conhecimento da loucura que a sua companheira iria cometer. Mas também não existe amor suficiente para apoia-la nisso.

E como estamos falando de maternidade, estamos falando de mulheres. Relacionamento mãe e filha, mulher e homem, parcerias e também o extremo, com violência física, sexual e psicológica.

Pensei que tinha que dar tempo pra ele pra gente se conhecer, não se cria uma família da noite pro dia.


Tudo em uma escrita direta, fluída, envolvente que captura facilmente o leitor ao mesmo tempo que lhe revira o estômago.


O que eu achei

Casas Vazias é um livro forte, de leitura agoniante, que instiga a virar mais uma página em busca de notícias felizes ao mesmo tempo que abre um leque de teorias para os leitores. 

E embora eu tenha gostado muito do livro, não vejo ele como um espelho completo da maternidade, afirmação que li e achei muito generalizada. Diria que é um lado B aterrorizante, com os piores cenários que uma mãe pode ter que encarar. 

Se você quer ser mãe, vai ser boa mãe, mesmo que o menino seja tapado, me disse.


Pois a verdade é que a maternidade, como todas as escolhas nesta vida, possui suas belezas e desafios, mas acima de tudo, principalmente para a mulher, uma mudança completa de vida acompanhada de muita responsabilidade. Tornando a leitura quase que obrigatória para quem não deseja se atirar na piscina gelada, mas as vezes pensa em ceder às pressões externas.

Afinal, ter um filho não é igual a ter um animal de estimação, e o peso disso não é algo que todas querem assumir. Em Casas Vazias a personagem que faz a mãe é um retrato fiel disso. Pois a criança só ganha importância para ela quando desaparece, fazendo com que qualquer sentimento de alívio por poder retornar a vida de antes seja soterrado pela culpa.

E eu olhava pra casa, que, mesmo pequenininha, mesmo não muito bonita, mesmo avariada, era a minha casa, a minha casa.


Culpa esta que torna a todos na história muito humanos, falíveis, reais para quem mergulha no íntimo de quem tem um filho desaparecido em uma cidade onde a polícia não parece preocupada em procurar.

Um livro difícil de ler não pela complexidade da escrita, cuja narrativa é extremamente fluída, mas pela força dos acontecimentos que deixam a boca seca e a garganta apertada. Mas que ao final deixam o leitor ao mesmo tempo perplexo e satisfeito de ter lido uma ótima história.


Casas Vazias
Casas vacías
Brenda Navarro
Tradução: Livia Deorsola
TAG - Dublinense
2018 - 192 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.

Divagando com Spoiler

Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.


Para quem já finalizou a leitura, é impossível não ter ficado com vários questionamentos sobre a história, embora ela inegavelmente seja redondinha: com começo, meio e fim. Até porque todos os personagens serem muito complexos e haver o forte elemento do sequestro de uma criança.

Vou começar pela mãe de Daniel/Leonel. No decorrer da leitura fica claro que ela fez uma escolha, o amante era um velho conhecido ao qual ela abandonou para montar uma vida estruturada com Fran, o marido espanhol. Mas também ficava claro o seu desejo de não ter filhos, até que um dia ela mudou de ideia. A razão? Não é explicada.

Eu sou a vítima, minha vida é mesmo uma grande merda pra acharem que eu sou a malvada.


Aliás o passado da mãe, ao contrário da raptora, é muito pouco explorado. Não fica claro se ela sempre foi o tipo de pessoa que se deixa levar, já que no casamento todas as decisões são tomadas pelo marido. Incluindo o fato de resolver adotar a sobrinha e tira-la do seu país de origem e de perto dos avós, fazendo com que ela tivesse que administrar não apenas um recém-nascido, mas a sobrinha que virou filha.

Há também a dúvida se ela possui alguma família, já que nenhuma rede de apoio aparece no antes e muito menos depois, citando apenas o afastamento dos amigos. O marido sim, tem família, mas esta se encontra distante e não parece se envolver com o sumiço da criança.

Eu estava mesmo sozinha e sentia que não podia mais falar e era como se meu humor estivesse ficando antiquado.


Tem a questão do autismo do menino, algo que eles demoraram a detectar e foi identificado rapidamente pela raptora. Um sinal do quanto a criança não era olhada? Ou aquele desejo dos pais de quererem um "filho perfeito" e não aceitarem nada diferente? Será essa a causa do distanciamento do marido em relação a criança?

Aliás, seria Fran realmente distante? Observa-se que os anos passam e a mãe de Daniel definha em meio a sujeiras e lembranças. Consumida pela culpa, ou talvez uma depressão pós parto que só foi acentuada, ela vive em volta do próprio umbigo. E mesmo assim ele não a abandona, como poderia se esperar. Será também culpa? Ou a personagem nos engana sobre este homem que a fez ter o desejo de ter um filho?

Por que os chamam desaparecidos e não se atrevem a chamá-los de mortos? Porque os mortos somos os que os procuramos, eles continuarão sempre, sempre vivos.


Não poderia deixar de citar Nagore, a menina cujo pedaço do nome é uma das poucas coisas que o menino consegue falar. Testemunha de um crime horrível, ela é uma menina amorosa, que recebeu amor da sua família, e se vê em meio ao caos de morar com os tios.

Mesmo arrancada do seu país, a menina segue carinhosa, principalmente com o menino. E nos poucos diálogos se vê como é difícil para ela a vida junto ao casal que está em pedaços.

O que foi feito daquele menino que nasceu do meu ventre e o que foi feito de mim?


E por fim, o que houve com o menino? Existem uma sequência de cenas e diálogos que dão a entender que esta criança sofreu horrores, já que o plost twist é a raptora ter o menino raptado. Existem alguns elos de ligação entre a visita ao necrotério e os sapatos do menino entregues a raptora. Que só no fim entende o desespero que causou na mãe do menino.

Eu tenho a minha própria teoria sobre o final, mas apesar da zona ser de spoiler, vou optar em não descrever, pois mesmo sendo ficção, é doloroso demais colocar em palavras, algo que nem a autora parece ter tido coragem de transmitir de forma clara.


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