Sinopse: Numa manhã de votação que parecia como todas as outras, na capital de um país imaginário, os funcionários de uma das seções eleitorais se deparam com uma situação insólita, que mais tarde, durante as apurações, se confirmaria de maneira espantosa. Aquele não seria um pleito como tantos outros, com a tradicional divisão dos votos entre partidos da direita, do centro e da esquerda; o que se verifica é uma opção radical pelo voto em branco. Usando o símbolo máximo da democracia – o voto -, os eleitores parecem questionar profundamente o sistema de sucessão governamental em seu país.
Em 1995 a mesma população se fez presente em uma situação nada comum: todos, com exceção de uma mulher, estavam cegos, tudo o que viam era a cor branca. O livro se chama Ensaio sobre a cegueira e deu a Saramago o prêmio Nobel de literatura.
Nove anos depois, ou quatro no país imaginário, o branco retorna em forma de voto, questionando a democracia, o sistema político, a imprensa, a mediocridade, a mentira e a verdade.
Tudo começa em um dia de muita chuva, o presidente da mesa, os delegados dos partidos, secretários e demais envolvidos esperam pelos eleitores na capital de um país. Passa o tempo e ninguém aparece, ligações são feitas, a chuva é a culpada e todos aguardam. Faltando uma hora para o término a população sai às ruas e exerce o seu direito cívico. Na hora da apuração, a surpresa: mais de setenta por cento dos votos estão em branco.
A cabeça dos seres humanos nem sempre está de acordo com o mundo que vivem, há pessoas que têm dificuldade em ajustar-se á realidade dos factos, no fundo não passam de espíritos débeis e confusos que usam as palavras, às vezes habilmente, para justificar a sua cobardia
A primeira reação do governo é realizar novas eleições, para obter o mesmo resultado. E assim presidente, primeiro-ministro, ministros ficam desnorteados, e começam a colocar em prática as mais absurdas soluções para uma consequência ao qual não dão importância de investigar a causa.
Diálogos sem nexo são travados, disputas pelo poder ganham ênfase. Quem tem razão? Quem acerta? Quem erra? Ministros se demitem. Outros acumulam cargos. De quem será a glória de fazer as pessoas voltarem a si?
No vale tudo a palavra branco é banida, o direito ao voto branco é esquecido tornando o mesmo um crime, jornais são manipulados para informarem o que o governo deseja, quem são os culpados? Ninguém sabe, apenas silêncio e medo.
Felicito-o pela excelente memória, mas às ordens, de vez em quando, há que flexibilizá-las, sobretudo quando haja nisso conveniência
A falta de resultado torna uma cidade sitiada, à noite em que os políticos abandonam a capital é descrita de forma belíssima, uma crítica, um afronto, um combate em silêncio.
E é desta cidade agora sitiada que vem o link com o primeiro livro, quando o primeiro cego relaciona a mulher do médico oftalmologista aos votos em branco, pelo simples fato de ela não ter ficado cega quatro anos antes. Fatos antigos são relatados em forma de presente para quem deseja exercer maior influência.
Aprendi neste ofício que os que mandam não só não se detêm diante do que nós chamamos absurdos, como se servem deles para entorpecer as consciências e aniquilar a razão
Neste momento um comissário de policia ganha a missão de investigar, e o leitor volta a ter contato com seis personagens da história anterior, onde cinco deles seguem se apoiando em uma nova situação absurda.
O que faz um homem que encontra a verdade, mas esta não atende os anseios de quem comanda? O que faz um homem ao ver informações serem distorcidas? Novamente os dilemas éticos na visão de um cidadão comum.
Como ocorreu no Ensaio Sobre a Cegueira, os personagens não possuem nome. É o vigia, o padeiro, o jornaleiro, o editor, o velho. Indicando que este lugar imaginário pode ser o país do leitor, e este ser um dos personagens sem perceber.
A crítica e a ironia escorrem das páginas, mesmos nos capítulos que parecem mais lentos. O que é realmente a democracia? Quais são os direitos? Quais são os deveres? Qual o papel dos políticos? Até onde se vai pelo poder? Quem é culpado? Quem é inocente?
E assim novamente Saramago nos despeja uma leitura reflexiva, onde as peças podem não se encaixar na primeira vez. Uma leitura complementar que fecha um ciclo e nos faz pensar no nosso papel como cidadão, mas esta só será possível se nos livrarmos de opiniões pré-concebidas e avaliarmos o cotidiano em uma folha em branco.
Sobre o final: fazia tempo que eu não deseja tanto que um livro terminasse de forma diferente.
Ensaio Sobre a Lucidez
José Saramago
Companhia das Letras
2004 – 325 páginas
Eu não sabia que Ensaio sobre a cegueira tinha continuação e fiquei surpresa com a ligação com a questão política. Mais do que nunca, precisamos falar sobre esse assunto, pois estamos vivendo de manada, sem senso crítico. Gostei da indicação.
ResponderExcluirAbraços!
O livro é ótimo, vale muito a leitura. Eu também não sabia que o Ensaio sobre a cegueira - que eu amei - tinha uma continuação até ganhar o da Lucidez de uma amiga, agora sempre aviso quem gosta do primeiro.
ExcluirOie, tudo bem? O que acho mais interessante no autor são os questionamentos tão atuais que aborda em sua escrita. Não sabia que era continuação, que legal. Comecei a ver o filme pela metade e fiquei meio perdida, preciso vê-lo completo. Um abraço, Érika =^.^=
ResponderExcluirAinda não conhecia esse livro, e nem o anterior, mas sua resenha é tão detalhada que me despertou curiosidade.
ResponderExcluir