quarta-feira, 31 de julho de 2019

O Sentido de um Fim



Sinopse: Tony Webster vive em Londres. Um dia, recebe uma pequena herança e o fragmento de um misterioso diário de um de seus melhores amigos, Adrian Finn, que cometeu suicídio aos 22 anos. A partir desta lembrança, Webster revisita sua juventude na Inglaterra dos anos 1960 e tenta decifrar os escritos herdados, confrontando sua própria memória, a inexata versão dos fatos e o seu papel na cadeia de eventos que resultou na morte do brilhante amigo Adrian.

O livro de junho da TAG Curadoria teve como curador o escritor Michel Laub, autor várias obras, entre elas O Diário da Queda já resenhado aqui no blog. A obra é do britânico e vencedor do Man Booker Prize Julian Barnes.

O sentido de um fim é narrado em primeira pessoa por Tony, um homem comum, já aposentado com mais de 60 anos, divorciado, pai de uma filha, que divide a sua história em duas partes. 

Este último não é algo que eu vi de verdade, mas o que você acaba lembrando nem sempre é a mesma coisa que viu.

A primeira parte vai do momento que Adrian se junta ao grupo de amigos de Tony até o seu suicídio, onde ao final o narrador faz um rápido resumo até os seus dias atuais. Existe uma certa superficialidade nesta etapa, que começa com o típico deboche adolescente, passando pela separação quando cada um escolhe a sua universidade, e a partir daí temos uma centralização na vida de Tony.

Do seu primeiro relacionamento amoroso, onde Veronica, sua namorada, parece apenas manipula-lo. Há uma visita à casa dos pais da moça, a apresentação da mesma aos seus amigos, e o relacionamento da ex com o seu então amigo Adrian.

Naquela época, as coisas eram mais simples: menos dinheiro, nenhum aparelho eletrônico, pouca tirania da moda, nenhuma namorada.

Tudo descrito de forma linear, ou usando o adjetivo que o próprio Tony usa para se definir: pacato. Mesmo o suicídio de Adrian é um espelho de outro que ocorre no começo da história, seguindo o ritmo definido.

Ao finalizar a primeira parte fiquei pensando se o nosso narrador tentava nos convencer de seu estilo devagar, ou era um mentiroso. Se Adrian era brilhante como ele dizia, ou fruto da santificação dos mortos, fato comum que ocorre com a maioria das pessoas que tendem a imaginar que a pessoa que se foi era muito melhor do que realmente era. Assim como a descrição de Veronica, se ela era real ou escondia resquícios de uma grande mágoa.

Algum inglês disse que o casamento é uma refeição comprida e sem graça onde servem o pudim primeiro.

A segunda parte inicia sobre Tony falando da perda da juventude, das consequências de envelhecer, da relação um tanto distante com a filha até chegar à carta de uma advogada com uma herança improvável que o leva de volta ao passado.

É neste momento que novas memórias surgem, assim como perguntas sem respostas, sendo a maior delas se Tony é realmente um homem pacato ou babaca.

Eu descobri que esta pode ser uma das diferenças entre a juventude e a velhice: quando somos jovens, inventamos diferentes futuros para nós mesmos; quando somos velhos, inventamos diferentes passados para os outros.

O que torna interessante a segunda parte é o confronto das divergências da parte um com a parte dois, fazendo com que a memória do leitor seja tão solicitada quando a do próprio personagem.

Particularmente eu achei o livro mais ou menos, não amei, não detestei, e não criei empatia com ninguém. Mas ele pode causar paixão nos leitores que se encantam por suas analogias em relação ao tempo, a própria palavra sentido – viria de sentimento? De direção? De significado? – de impulsos sejam sexuais ou de violência que são vislumbrados momentaneamente.

Mais tarde... mais tarde há mais incertezas, mais sobreposição, mais retrocesso, mais falsas lembranças.

Recomento a leitura pelo seu depois. Pela imaginação que ela desperta no seu leitor ao permitir que ele crie teorias. Em tempos de verdades absolutas, ter o ponto de interrogação como protagonista não deixa de ser uma leitura que gera grande inquietação.

O sentido de um fim
The sense of an ending
Julian Barnes
Tradução: Léa Viveiros de Castro
TAG – ROCCO
2011 – 175 páginas

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Ensaio Sobre a Lucidez



Sinopse: Numa manhã de votação que parecia como todas as outras, na capital de um país imaginário, os funcionários de uma das seções eleitorais se deparam com uma situação insólita, que mais tarde, durante as apurações, se confirmaria de maneira espantosa. Aquele não seria um pleito como tantos outros, com a tradicional divisão dos votos entre partidos da direita, do centro e da esquerda; o que se verifica é uma opção radical pelo voto em branco. Usando o símbolo máximo da democracia – o voto -, os eleitores parecem questionar profundamente o sistema de sucessão governamental em seu país.

Em 1995 a mesma população se fez presente em uma situação nada comum: todos, com exceção de uma mulher, estavam cegos, tudo o que viam era a cor branca. O livro se chama Ensaio sobre a cegueira e deu a Saramago o prêmio Nobel de literatura.

Nove anos depois, ou quatro no país imaginário, o branco retorna em forma de voto, questionando a democracia, o sistema político, a imprensa, a mediocridade, a mentira e a verdade.

Tudo começa em um dia de muita chuva, o presidente da mesa, os delegados dos partidos, secretários e demais envolvidos esperam pelos eleitores na capital de um país. Passa o tempo e ninguém aparece, ligações são feitas, a chuva é a culpada e todos aguardam. Faltando uma hora para o término a população sai às ruas e exerce o seu direito cívico. Na hora da apuração, a surpresa: mais de setenta por cento dos votos estão em branco.

A cabeça dos seres humanos nem sempre está de acordo com o mundo que vivem, há pessoas que têm dificuldade em ajustar-se á realidade dos factos, no fundo não passam de espíritos débeis e confusos que usam as palavras, às vezes habilmente, para justificar a sua cobardia

A primeira reação do governo é realizar novas eleições, para obter o mesmo resultado. E assim presidente, primeiro-ministro, ministros ficam desnorteados, e começam a colocar em prática as mais absurdas soluções para uma consequência ao qual não dão importância de investigar a causa.

Diálogos sem nexo são travados, disputas pelo poder ganham ênfase. Quem tem razão? Quem acerta? Quem erra? Ministros se demitem. Outros acumulam cargos. De quem será a glória de fazer as pessoas voltarem a si?

No vale tudo a palavra branco é banida, o direito ao voto branco é esquecido tornando o mesmo um crime, jornais são manipulados para informarem o que o governo deseja, quem são os culpados? Ninguém sabe, apenas silêncio e medo.

Felicito-o pela excelente memória, mas às ordens, de vez em quando, há que flexibilizá-las, sobretudo quando haja nisso conveniência

A falta de resultado torna uma cidade sitiada, à noite em que os políticos abandonam a capital é descrita de forma belíssima, uma crítica, um afronto, um combate em silêncio.

E é desta cidade agora sitiada que vem o link com o primeiro livro, quando o primeiro cego relaciona a mulher do médico oftalmologista aos votos em branco, pelo simples fato de ela não ter ficado cega quatro anos antes. Fatos antigos são relatados em forma de presente para quem deseja exercer maior influência.

Aprendi neste ofício que os que mandam não só não se detêm diante do que nós chamamos absurdos, como se servem deles para entorpecer as consciências e aniquilar a razão

Neste momento um comissário de policia ganha a missão de investigar, e o leitor volta a ter contato com seis personagens da história anterior, onde cinco deles seguem se apoiando em uma nova situação absurda. 

O que faz um homem que encontra a verdade, mas esta não atende os anseios de quem comanda? O que faz um homem ao ver informações serem distorcidas? Novamente os dilemas éticos na visão de um cidadão comum.

Como ocorreu no Ensaio Sobre a Cegueira, os personagens não possuem nome. É o vigia, o padeiro, o jornaleiro, o editor, o velho. Indicando que este lugar imaginário pode ser o país do leitor, e este ser um dos personagens sem perceber.

A crítica e a ironia escorrem das páginas, mesmos nos capítulos que parecem mais lentos. O que é realmente a democracia? Quais são os direitos? Quais são os deveres? Qual o papel dos políticos? Até onde se vai pelo poder? Quem é culpado? Quem é inocente? 

E assim novamente Saramago nos despeja uma leitura reflexiva, onde as peças podem não se encaixar na primeira vez. Uma leitura complementar que fecha um ciclo e nos faz pensar no nosso papel como cidadão, mas esta só será possível se nos livrarmos de opiniões pré-concebidas e avaliarmos o cotidiano em uma folha em branco.

Sobre o final: fazia tempo que eu não deseja tanto que um livro terminasse de forma diferente.

Ensaio Sobre a Lucidez
José Saramago
Companhia das Letras
2004 – 325 páginas

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Jude, o Obscuro



Sinopse: Ansioso para escapar das amarras de sua classe social, Jude Fawley sonha em um dia se tornar professor universitário. Apesar do empenho nos estudos de letras clássicas, o entalhador se vê cada vez mais sufocado pela pobreza e pelo casamento infeliz com Arabella Donn, filha de um criador de porcos.
É quando finalmente conhece Sue Bridehead, prima distante e nada convencional, que Jude vislumbra uma chance de felicidade. Em uma sociedade tão pouco favorável a mudanças como a do sul da Inglaterra em meados do século XIX – cujos costumes, dialetos e arquitetura Thomas Hardy aqui recria com exatidão -, o amor deles logo se transforma em uma sentença.
Jude, o Obscuro, o último romance de Hardy, é considerado o trabalho mais corajoso e inovador do escritor. Originalmente publicado em fascículos mensais, cada novo capítulo trazia uma onda de choque aos leitores vitorianos. Como em outras obras do autor, é possível perceber o quanto a sociedade é cruel com aqueles que desafiam suas tradições.

Curadora do mês de Maio da TAG Curadoria, a atriz Fernanda Montenegro indica um clássico do final dos anos de 1890 do autor inglês Thomas Hardy.

Dividido em seis partes, o leitor logo é apresentado ao menino Jude, órfão que mora e trabalha para a tia na cidade de MaryGreen. Ele tem onze anos e está triste com o fato do professor Mr. Phillotson estar indo embora para uma cidade chamada Christminster.

Ia ter sido uma benção se o senhor todopoderoso tivesse te levado também, com o teu pai com a tua mãe, meninho sem serventia!

Este professor é o responsável por Jude se encantar pelas letras e se tornar um autodidata. Conforme cresce, o leitor percebe que ele é inteligente, bom, mas muitas vezes utiliza da sua pobreza para justificar a falta de foco para atingir os seus sonhos.

E a sua bondade o torna também um homem facilmente manipulável, o que o torna a vítima perfeita para Arabella, até esta perceber que todo o seu potencial não tem riquezas como resultado.

Que a piedade para com um grupo de criaturas fosse crueldade para com um outro era algo que deixava sua noção de harmonia nauseada.

Outro fato constante na vida de Jude é a obsessão pela cidade universitária de Christminster, que para ele é a representação de toda a luz do conhecimento, e ele é um inseto a flutuar em sua volta buscando uma forma de entrar, esquecendo-se que a luz também pode queimar.

A primeira coisa que se deve dizer sobre o livro é que apesar de ser um livro com mais de cem anos, sua linguagem permanece atual, sendo fácil entrar no mundo da narrativa.

A morte pacífica não o aceitava como súdito e não o acolheria.

A segunda coisa que se deve dizer é, como diz na sinopse, inicialmente ele era um folhetim, e com isso existem alguns capítulos que parecem ser um pouco de enrolação até a cena de maior emoção. Levando o leitor com certa curiosidade para a próxima parte, como ocorrem em muitas novelas televisivas.

A terceira coisa a se dizer é que os dois personagens masculinos principais possuem algumas características semelhantes, tanto Jude quanto Mr. Phillotson são homens essencialmente bons, que acreditam nos outros. No caso de Mr. Phillotson ele poderia ser considerado inclusive um feminista, por suas atitudes fortes em defender o direito de uma mulher escolher o próprio rumo em uma época que isso era incomum.

Fosse ele uma mulher, teria gritado sob a tensão nervosa por que ora passava. Mas com este alívio negado à sua virilidade, rangia os dentes com o sofrimento, fazendo surgir em sua boca rugas como as de Laocoonte, e vincos entre as sobrancelhas.

A quarta coisa a se dizer é que as três personagens femininas que norteiam os caminhos do Jude já possuem o dom da manipulação, da crueldade e da vaidade. Começando pela sua tia Drusilla que o chama de menino sem serventia, passando por Arabella que busca melhorar de vida até a sua prima Sue, uma mulher que parece extremamente moderna até ceder a rivalidade feminina e perder uma a uma de suas convicções.

É tão culpável se obrigar a amar para sempre quanto acreditar para sempre no mesmo credo e tão tolo quanto prometer gostar para sempre de uma dada comida ou bebida!

A quinta coisa a se dizer é que se faz necessário observar a brincadeira que o autor faz com alguns personagens como o sobrenome do professor que lembra filosofia e de Sue que lembra noiva.

Você acha que existem muitos casais em que uma pessoa não gosta da outra sem qualquer problema que definitivamente a leve a isso?

A sexta coisa a se dizer é que Hardy aborda de forma direta críticas a religião, as universidades inglesas e ao casamento. O conhecimento ser destinado a poucos, o peso da igreja influenciado os atos do personagem, a exigência da sociedade pelo homem dominar a mulher, a exigência do casamento como pré-requisito para ser uma família.

E, no entanto, não vejo por que motivo a mulher e as crianças não possam ser a unidade sem o homem.

E a sétima e última coisa é que Jude faz o leitor se surpreender, questionar e se chatear com muitas das ações dos personagens. E quando se questiona as escolhas de cada um, acaba-se pensando também na sociedade atual, principalmente ao identificar que muitas situações não perderam a atualidade, como na frase abaixo:

É isso que algumas mulheres não enxergam, e, em vez de protestar contra as condições, acabam protestando contra o homem, a outra vítima;

Como bônus os leitores da TAG ganharam uma das edições mais bonitas do ano, e uma mudança em relação as versões anteriormente publicadas no Brasil: os nomes dos personagens não foram traduzidos.

Um livro que literamei e literaturei, mas que indiferente não fiquei.

Jude, o Obscuro
Jude the Obscure
Thomas Hardy
Tradução: Caetano W. Galindo
TAG Curadoria – Companhia das Letras 
1895 – 399 páginas

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